Música

Fontaines D.C. lança 'Romance' e continua sem medo de mudar

Ao Correio, a banda irlandesa comentou sobre o quarto disco de estúdio que mais uma vez soa como novidade

Banda Fontaines D.C. soa mudada em novo disco     -  (crédito: Simon Wheatley/Divulgação)
Banda Fontaines D.C. soa mudada em novo disco - (crédito: Simon Wheatley/Divulgação)

Mudanças são saudáveis, apesar de assustar quem gosta do conforto de ver as coisas como estão. Para a banda Fontaines D.C., mudar é praticamente um dogma. A cada novo passo que eles decidem dar é necessário alterar a rota e buscar coisas novas. Romance, disco lançado nesta sexta (23/8), é mais uma dessas viradas que os cinco irlandeses buscam e mais um acerto nesta caminhada.

O álbum de 11 faixas e 37 minutos foge do pós-punk com referências do grunge que abriu os olhos do mundo para a banda. A música do grupo também ganha nuances mais complexas que o antecessor Skinty Fia. Dessa forma, Romance é um disco ainda alternativo, mas com mais alcance musical e camadas estéticas refinada e que mostra muito mais possibilidades que os anteriores. “Após gravar três álbuns e aprender muito com isso. Nós fomos cada um para o próprio estúdio e trabalhamos em novas ideias e possibilidades sonoras até chegarmos em um ponto em comum, uma cabeça compartilhada dos 5 integrantes”, analisa o guitarrista Conor Curley em entrevista ao Correio.

Eles buscam a todo tempo estar nesta mesma página, na tal “cabeça compartilhada". “Quando você está escrevendo com outras quatro pessoas, o objetivo é ter todos olhando para a mesma direção em cada movimento e ideia”, pontua. A concordância no caminho a seguir é, para eles, um atestado de que está dando certo. “Acho que estamos proficientes nisso agora”, crava.

O músico explica que o álbum é diferente, porque a mudança é uma necessidade tão importante quanto escrever músicas para os integrantes. “É preciso mudar um pouco de um projeto para o outro para nos sentirmos vivos e que o tempo continua andando, sentir que não estamos presos no mesmo lugar”, comenta.

Para atender essa vontade necessária, a banda se aliou a um dos maiores nomes da música britânica: o produtor James Ford. “Como nós fizemos todos os últimos discos com a mesma pessoa, James poderia adicionar uma mudança sonora. É interessante trazer um elemento novo”, aponta o guitarrista. Ford já trabalhou com artistas pop do calibre de Jesse Ware, Kylie Minogue e Pet Shop Boys; bandas como Arctic Monkeys, Haim, Depeche Mode, Gorillaz e Blur; e artistas do underground como Shame, Geese e Moon Diagrams. “Ele é incrível em todas as características que um grande produtor deve ter. Ele tem o ouvido afiado, um senso de arranjo especial e é um músico fantástico atento com as cordas e melodias. Sem contar que é um baterista impressionante”, elogia.

Se mudar era preciso, uma figura como Ford se fez muito útil. A possibilidade começou quando o Fontaines estava em turnê com Arctic Monkeys e o resultado foi o melhor possível. “Onde você quiser ir ele vai mostrar o caminho. Acho que foi isso que ele fez conosco”, enxerga o artista.

As mudanças são mais constantes do que o usual de uma banda. Pois, desde que começou em 2019, o Fontaines D.C. deixou de lançar um álbum novo apenas em 2023,  que contou só com a versão deluxe do disco Skinty Fia. São pouco mais de cinco anos juntos, quatro discos na praça, além de um ao vivo e as faixas bônus já mencionadas. “Nós estamos lançando muito porque escrevemos e produzimos muito. Música são feitas para ser lançadas, enquanto elas não acabarem, a gente não vai parar de lançar”, afirma Curley.

Prodígios

O ritmo é bem acelerado também pela vontade de todos de enxergarem o trabalho em um lugar de prestígio. “A consolidação como grupo e banda que toca no mundo inteiro era um objetivo. Quando tivemos sucesso no primeiro álbum queríamos lançar o segundo imediatamente, justamente para provar que não éramos só a nossa estreia”, confessa.

Desde o lançamento do Dogrel, disco de estreia de 2019, o Fontaines D.C. foi muito reconhecido pela crítica e pelos ouvintes do nicho da música alternativa. Essa síndrome do jovem gênio aumentou a cobrança para “dar certo”. “Ser reconhecido logo no início, ver que recebíamos resenhas positivas e ver que isso se reverteu em pessoas nos nossos shows fez com que nos sentíssemos pressionados para ser melhores”, conta Curley.

A banda sentia que havia uma chama que não podia nunca apagar. “É uma sensação estranha, como se tivéssemos que deixar uma vela acesa o tempo todo. O que demanda cuidado e atenção ininterruptos. Nosso trabalho como banda é proteger e dividir o que as pessoas amam e a gente faz”, reflete o artista que entende que isso também gera uma expectativa interminável. “Temos que constantemente pensar em fazer algo que achamos que eles vão gostar, ao mesmo tempo que queremos atingir nossos objetivos criativos”, completa.

O guitarrista percebe que no atual momento a urgência já passou e que o grupo agora vive os frutos e a honra de ter conquistado o sucesso. “Essa é a primeira vez que não queremos nos provar para nós mesmos”, acredita. Porém, agora querem encontrar um novo horizonte. “Acho que foi uma consequência do nosso trabalho, mas também surge um desafio: mostrar o que fazemos para um holofote mais popular, ou menos alternativo”, diz.

Para banda, o Romance levanta novas possibilidades. “Talvez estejamos buscando que o nosso som seja um pouco mais amigável para o rádio. Nós já fizemos as coisas esquisitas e alternativas, queremos novos desafios agora”, sugere Curley. “Temos a intenção de olhar mais para o futuro, porque não tem nada lá e é preciso criar o que será o futuro”, exalta.

Conexão Irlanda-Brasil

Fontaines D.C. é parte de uma grande safra de artistas irlandeses em alta Cillian Murphy e Paul Mescal em Hollywood são um bom exemplo disso. “A Irlanda tem alguns estigmas, seja por ser um país muito católico ou por um sotaque de inglês diferente, mas quando uma pessoa sai de lá e estoura artisticamente é de uma forma imensa”, desenvolve Curley que lembra que houve uma época em que literatura bombou no país. “James Joyce, Samuel Beckett e Brendan Behan, por exemplo, estavam a frente do mundo”, recorda.

O que explica esse movimento é os habitantes se sentirem ilhados, o que de fato estão geograficamente. “Nós crescemos com a ideia de que a nossa cena artística era pequena e não chegava ao mundo da forma como achávamos que deveria”, fala. “Nós queríamos tanto provar que o mundo estava errado, que acabamos ficando obcecados por contar a história de como são as coisas para nós”, complementa.

O resultado está visível, Murphy venceu o Oscar, Mescal é um dos atores mais requistados da atualidade, a escritora Sally Rooney emplaca best-sellers em sequência e o Fontaines D.C. está em busca de espalhar a música pelo mundo e recebendo reconhecimento, sendo nomeados ao Grammy e emplacando álbuns em listas de melhores do ano. “É legal ver uma pequena ilha de onde a gente veio ir tão bem, é muito bom fazer parte disso”, comemora.

Porém, é impossível dominar o planeta sem agradar um dos públicos mais animados: o Brasil. “Tem muitos brasileiros na Irlanda e eu já conheci vários e todos são pessoas maravilhosas. Acho que há uma conexão dos irlandeses e dos brasileiros no que diz respeito ao amor pela diversão”, vê Curley. “Espero muito que em um futuro breve a gente possa ir para o país. Para tocar para nossos fãs e ouvir a música de vocês”, almeja o músico que se assume apreciador da obra de Caetano Veloso.

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postado em 23/08/2024 22:23 / atualizado em 23/08/2024 22:24
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