Ícone masculino do cinema francês, o ator, diretor e escritor Alain Delon morreu no último sábado, aos 88 anos, em sua casa no município de Douchy, na França. Símbolo de beleza masculina, Delon teve uma longa carreira de glamour marcada por doenças, polêmicas e conflitos familiares no fim de sua vida.
Em comunicado oficial, os familiares deram a notícia: "Alain Fabien, Anouchka, Anthony e (seu cachorro) Loubo anunciam com profundo pesar a morte de seu pai. Ele faleceu pacificamente em sua casa em Douchy, cercado por seus três filhos e sua família". O ator, que sofria de um linfoma, morreu por volta das 3h de domingo (22h de sábado, em Brasília), disse seu filho Anthony à Agência France Press (AFP). Apesar do câncer, a causa da morte não foi informada.
Alain Fabien Maurice Marcel Delon nasceu em 8 de novembro de 1935, em Sceaux, nos subúrbios ao Sul de Paris. Ele teve uma infância instável após o divórcio dos pais, foi um jovem rebelde com frequentes expulsões da escola até servir na Marinha Francesa na Indochina durante quatro anos como fuzileiro naval. De volta a Paris, acumulou empregos temporários em uma área do mercado central da capital frequentada por cafetões, prostitutas, homossexuais e criminosos. "Tive muitos contatos com o 'gangsterismo', até toquei nele com os dedos", confessou em 2021. Mas "sempre preferi os policiais".
Sua elegância imponente, olhar azul e "rosto de anjo" — um de seus apelidos — não passavam despercebidos no bairro parisiense de Saint-Germain-des-Près, que gostava de frequentar. O cineasta Jean-Claude Brialy se rendeu ao charmoso ator e o convidou para o Festival de Cannes. Em 1957, aos 22 anos, Delon fez seu primeiro filme, Quand la femme s'en mele ou Uma Tal Condessa —, de Yves Allégret, em que interpretou um assassino de aluguel.
O ator francês participou de mais de 100 filmes desde sua estreia. Trabalhou sob a direção de Melville, Visconti, Antonioni, Losey, Godard e Malle. Para Joseph Losey, foi o enigmático protagonista de Monsieur Klein (1976) e Volker Schlöndorff o transformou no barão de Charlus, o inatingível aristocrata homossexual de Um Amor de Swann (1984).
Instinto
Ele se orgulhava de nunca ter trabalhado sua técnica e de confiar em seu carisma, uma mistura única de beleza e frieza frágil. "Ele não é um ator normal. É um objeto de desejo. Nem sexy, nem masculino, nem feminino: é uma beleza infernal", destacou o ator Vincent Lindon em documentário em 2012.
O cineasta mais importante de sua carreira foi Jean-Pierre Melville, que o dirigiu em clássicos, como O Samurai (1967) e O Círculo Vermelho (1970). Estes papéis definiram o mito de Delon, que explodiria posteriormente em vários outros filmes policiais: o homem viril e silencioso, forçado a lutar sozinho contra forças que o superam.
Para a Academia Francesa de Cinema, Delon "se tornou um ícone eterno da sétima arte, a encarnação do cinema francês em nível internacional".
Sua carreira foi construída paralelamente à de seu amigo Jean-Paul Belmondo, que morreu há três anos. Uma amizade tingida com certa rivalidade, que brilhou em filmes como Borsalino (1970) e Duas Chances em Uma (1998). "Ele e eu somos o dia e a noite", escreveu Belmondo em sua autobiografia em 2016. "Alain, um dia você me disse que sentia falta do meu pai, e hoje é de você que sentiremos muita falta", reagiu Paul Belmondo, um dos filhos de Jean-Paul, no Instagram, neste domingo.
Personalidade complexa
A morte de Delon causou grande repercussão nas redes sociais. "Klein ou Rocco, o leopardo ou o samurai, Alain Delon interpretou seus papéis lendários e fez o mundo sonhar. Ele emprestou seu rosto inesquecível para sacudir nossas vidas", afirmou o presidente da França, Emmanuel Macron, no X, antigo Twitter.
Agora considerada a última lenda viva do cinema francês, a atriz Brigitte Bardot também se pronunciou: "Sua morte deixa um vazio abismal que nada nem ninguém pode preencher". "Ele era "um leão majestoso, um ator com olhar de aço (...) ele concebeu tudo e controlou tudo, menos o fim", disse à AFP o ex-presidente do Festival de Cannes Gilles Jacob.
No X, a Casa Dior se manifestou: "The House está profundamente triste com a notícia do falecimento de um de seus amigos mais queridos."
O diretor do Festival Internacional de Veneza, Alberto Barbera, declarou: "Alain Delon conseguiu o que a maioria de seus colegas falha: ser considerado o homem mais bonito do mundo e, ao mesmo tempo, um ator extraordinário, um ícone do cinema francês que deve parte de seu sucesso planetário aos filmes rodados na Itália".
Idolatrado como ator na França, mas frequentemente criticado e considerado antipático, Delon era próximo do líder de extrema-direita Jean-Marie Le Pen e se manifestou em diversas ocasiões a favor da pena de morte ou contra a homossexualidade.
Filha de Jean-Marie Le Len, Marine Le Pen, que concorreu três vezes à Presidência da França — a última em julho — pelo partido de extrema-direita Reunião Nacional (RN), também lamentou a morte de Delon em comunicado pelas redes sociais: "A lenda se foi. Alain Delon nos deixa órfãos da época de ouro do cinema francês que tão bem encarnou. É uma pequena parte da França que amamos e que vai embora com ele."
Polêmicas
Desde o fim dos anos 1990, Delon desapareceu das telas, mas não dos tabloides ou da televisão, com declarações polêmicas e problemas familiares. Em maio de 2019, voltou ao tapete vermelho de Cannes para receber uma Palma de Ouro honorária, entre lágrimas e um discurso emocionante. "É uma espécie de homenagem póstuma, mas em vida", disse ele na ocasião.
Alain Delon foi o ator francês mais carismático e famoso da história do cinema, com uma aura sombria de lobo solitário que o acompanhou até o fim. "Eu gosto de ser amado como eu amo a mim mesmo."
Ator minucioso diante da câmera, Alain Delon passará para a posteridade por um magnetismo comparável ao que Marilyn Monroe ou Brigitte Bardot teve sobre os homens. "Só me faltou fazer o papel de Cristo. Agora é um pouco tarde", declarou no final de sua carreira.
Ao longo da vida, Alain Delon diversificou suas atividades: como diretor, filmou Na Pele de um Tira (1981) e Le Battant (1983). Envolveu-se na criação de cavalos de corrida e era um entusiasta do boxe. Da fascinação pelo turbulento e violento mundo das lutas, nasceu a relação com o argentino Carlos Monzón, de quem organizou vários confrontos na França. Aficionado por arte, colecionava esculturas, garrafas de grandes vinhos e relógios. Era também apaixonado por cães.
Mulheres
Alain Delon era o homem ideal para muitas mulheres e companheiro por um tempo de símbolos da belezas, como Romy Schneider, Claudia Cardinale, Simone Signoret e Mireille Darc.
Delon foi casado com a atriz e modelo Nathalie Delon de 1964 a 1969, com quem teve um filho, Anthony. O ator teve outros três filhos: Christian Boulogne, com a cantora e atriz Nico, e Anouchka Delon e Alain-Fabien Delon, com Rosalie van Breemen. Chritian Boulogne, no entanto, nunca foi reconhecido oficialmente como filho por Delon, embora tenha sido criado pela própria mãe do ator francês, Edith.
Biógrafo de Alain Delon, o jornalista e escritor Bernard Viole prepara, para novembro na França, o lançamento do livro Os Últimos Mistérios de Delon, em que diz desvendar o "homem atrás do mito".
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