A ligação de João Roberto Ripper com comunidades do interior do Brasil e com a defesa dos direitos humanos é uma história de mais de quatro décadas. Desde menino, o fotógrafo se interessava por olhar para populações mais vulneráveis e, assim que teve idade, ainda na adolescência, começou a fotografá-las. Parte desses registros integram a exposição Bem querer: O olhar terno de Ripper, em cartaz na Galeria do Espaço Cultural Ary Barroso, no Sesc 504 Sul.
A mostra faz parte da programação do Foto BSB — III Festival de Fotojornalismo de Brasília e a abertura contará também com o lançamento do livro João Ripper e nós: Comunidades tradicionais, a sabedoria dos nossos povos, além de uma aula magna ministrada pelo fotógrafo e pelos convidados Matheus Alves e Ester Cruz. "O público vai ver um pouco dos trabalhos que fiz durante minha vida. Tem denúncia de trabalho escravo, questões das populações tradicionais, pelas quais eu me bato trabalhando, fotos de quilombolas e também a questão religiosa", avisa Ripper. "São fotos nas quais, de modo geral, mostro a população brasileira que sofre tanta discriminação, mas que tem uma deliciosa teimosia."
Nascido em 1953, Ripper começou a fotografar aos 18 anos porque não gostava da maneira como o jornalismo, de forma geral, reproduzia as visões de poder. Para ele, a maioria das fotografias que acompanhavam as matérias estigmatizava as populações vulneráveis ao ponto de transformá-las em culpadas pela violência que sofriam. "Então comecei a ir conhecer essas populações, dentro das favelas, e vi que não eram assim. Eles tinham um mundo como o de todo mundo, de sonho, de amor, de muito trabalho, de conquistas duríssimas, mas também de solidariedade muito grande. Aí, comecei a querer fotografá-los", conta.
A fotografia levou Ripper aos quatro cantos do Brasil. Primeiro, no jornal Luta Democrática, depois em periódicos importantes como Última Hora e O Globo, o fotógrafo se tornou uma referência no registro de comunidades menos favorecidas no país. Nos anos 1990, criou a agência Imagens da Terra, ONG cuja proposta era a defesa dos direitos humanos e a denúncia social. "Hoje, trabalho mais com uma questão de colocar a fotografia a serviço dos direitos humanos. Eu faço muita parceria com as ONGs. Trabalho sempre ligado a essas comunidades, o que me dá muito prazer", avisa.
Trabalho escravo no campo, trabalho infantil, o massacre de Carajás, a violência nas favelas e nos campos são algumas das temáticas que aparecem com frequência na produção do fotógrafo. No entanto, não é exatamente a violência o foco dos registros. "Um documentarista jamais pode perder a capacidade de se indignar com as injustiças. E também não pode perder a capacidade de se maravilhar com as coisas belas. E essas populações injustiçadas têm essa beleza dentro delas. Então comecei a fotografar também essas belezas. Comecei a perceber que as notícias se caracterizavam, na grande maioria, por uma violência que estigmatizava essas pessoas", explica.
A violência, o fotógrafo acredita, não pode ser a única informação disseminada sobre determinados grupos. "Claro, a violência existe, mas os moradores são vítimas disso, não agentes. E também não se pode caracterizar uma favela como algo que só tem violência. Esse é um dos pontos. Se você só fala de violência, você contribui para o aumento da diferença de status quo entre a população pobre e a classe média. E também afasta essas pessoas, suas histórias e tudo que elas têm de bom, de beleza de fazeres", lamenta. Na semana passada, Ripper estava na comunidade Tanque da Rodagem, no Maranhão, para uma reportagem sobre trabalhadores quilombolas. Passou uma semana fotografando antes de voltar para o Rio de Janeiro, onde mora. Confira as histórias sobre algumas das imagens que estão na exposição Bem querer: O olhar terno de Ripper.
Galheiros, na Chapada Diamantina — "Esse senhor é colhedor de flores sempre-vivas, numa região de muita pintura rupestre. E ele colhe flor há muitos anos e é responsável também pelo cuidado com a igrejinha da comunidade. Na foto, ele está curvado, mas com dignidade, pegando a flor. Esses colhedores são hoje os maiores produtores de flores sempre-vivas do mundo. A foto foi feita há uns 10 anos. Continuo até hoje documentando a região, o trabalho ajudou a dar visibilidade aos colhedores de flores, que vinham sofrendo violência de latifundiários invadindo suas terras. O Brasil é o maior produtor de sempre-vivas e essas comunidades foram consideradas patrimônio histórico, cultural e agrícola do mundo. Somente 16 comunidades no mundo ganharam esse título. Isso melhorou a defesa deles, porque agora ninguém pode descaracterizar o espaço onde vivem."
Xinguara, no Pará - "Essa foto foi feita no Pará. Essa professora está dando aula para cinco turmas ao mesmo tempo numa escolinha construída pela comunidade. A comunidade paga e ela tem autorização do MEC para dar aula. É um trabalho muito bonito. É uma comunidade de trabalhadores rurais, numa região onde teve muito conflito de terra, nas
matas de Xinguara."
Mata dos Crioulos, na Chapada Diamantina - "Essa é uma colhedora de flor passando em frente à gruta onde armazena as flores. Dona Levita é uma grande liderança."
Serviço
Bem querer: O olhar terno de Ripper — FOTO BSB — III Festival de Fotojornalismo de Brasília
Exposição de João Ripper. Visitação até 31 de setembro, de segunda a sexta, das 9h às 20h,no Espaço Cultural Ary Barroso (Sesc 504 Sul).
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