O garoto mais popular de uma escola de Pirenópolis é, na verdade, um extraterrestre. Uma figura misteriosa ajuda um deputado a solucionar casos de corrupção. Uma mulher vê nascer sobre a pele escamas que apenas ela enxerga. Uma garota nasceu de um querubim e tenta se livrar de uma maldição. O mundo da literatura fantástica é vasto e cheio de possibilidades nas quais a fantasia não tem limites. É para celebrar essa criatividade que o Encontro de Literatura Fantástica do Cerrado (Elifant) vai ocupar a Biblioteca Nacional de Brasília no sábado com feira, sessões de autógrafos e mesas de discussão das quais participam autores de Brasília, Goiânia, São Paulo e Peru.
Organizado por um grupo de escritores de Brasília, o encontro chega à terceira edição com a vontade de dar visibilidade a um tipo de literatura nem sempre levado a sério pelas grandes editoras e com uma cara que tem o Planalto Central como molde. "O eixo literário do Brasil fica muito no Rio-SP e a gente queria mostrar os autores que temos aqui no Cerrado. Temos muitos autores e temos menos visibilidade. E está aumentado a procura pelos autores nacionais de literatura fantástica, eles estão ganhando mais espaço nas editoras", explica Taty Azevedo, uma das criadoras do evento.
Taty é autora de dois livros — A improvável Anelise (Editora Astral, 2017) e Meu querido astronauta (Paraquedas, 2023) —, sendo esse último sobre uma menina cética que se vê confrontada ao fato de que o garoto mais popular da escola veio do espaço. É o que ela chama de escrita "fantástica soft", com um pé na ficção científica e outro no pop, sempre com protagonismo feminino.
Para Taty, uma das características da produção do Centro-Oeste é ter a cara do Cerrado. "Cada autor traz um pouco do lugar onde vive. O Cerrado tem a aridez e a magia, isso está representado nos livros e na forma da gente escrever. Nossas vivências aqui também estão nos livros, com elementos familiares e do dia a dia das pessoas", diz. Esse será um dos temas de uma mesa de autores do Cerrado, com nomes do DF e de Goiás. Conduzida por Paulo Souza, a discussão deve abordar como viver na região reflete nas narrativas. "A ideia é que os autores conversem sobre como viver em Brasília influencia na escrita do realismo fantástico, da fantasia de terror e da fantasia urbana. A mesa está bem plural porque temos vários aspectos da fantasia", explica Paulo, que também é autor de dois livros, Clarice, a última Araújo (2019) e Ponto para ler contos (2016).
Criador da Feraz Editora, especializada em autores do Centro-Oeste e uma das organizadoras da Elifant, Paulo explica que os escritores de literatura fantástica do DF representam várias gerações e vão do infantojuvenil aos livros para adultos. "Temos autores de várias idades", garante, ao apontar a diversidade como uma das características dos perfis dos autores. Entre os participantes estão autores como Bárbara Morais, César Santivañez, Felipe Castilho, Jéssica Rodrigues, Larissa Brasil, Mateus de Morais, Sérgio Motta e Waldson Souza.
Um encontro com interações e atividades capazes de promover a troca de experiências entre os autores que não fazem parte dos círculos literários mais oficiais era um dos objetivos da escritora Patrícia Baikal, uma das idealizadoras da Elifante. "É um tipo de literatura que vem ganhando mais espaço, mas ainda não tem o mesmo espaço que outros gêneros, como a literatura contemporânea ou mais realista. Não sei por que, se pela trajetória do Brasil, pela cultura. Nos grandes prêmios literários, como o Jabuti, raramente um livro de literatura insólita ganha um prêmio. O que a gente quer mostrar é que, apesar de não ser valorizada, essa literatura existe e tem muita gente lendo, procurando", diz a autora de Mariposa e Mulher com brânquias.
Patrícia acredita que a literatura insólita leva o leitor a refletir sobre as fronteiras entre fantasia ou realidade. "Claro que quando você pensa em uma história de dragões, você tem certeza que aquilo é fantasia. Mas também tem a teoria de que a fantasia pura é aquela que provoca a dúvida", explica a autora, que desde pequena gostava de ler livros como Frankenstein (Mary Shelley) e O morro dos ventos uivantes (Emily Brontë). "Escolhi escrever nesse gênero a partir do que leio. Por isso acho importante incentivar a leitura desses livros porque, às vezes, a pessoa diz não gostar de ler, mas talvez ela não goste de ler o que é comumente publicado, e ela pode ser uma leitora voraz de literatura fantástica."
A autora aponta ainda algumas particularidades do Planalto Central como fundamentais para uma produção com a cara da região. O misticismo ajuda a construir fantasias que vão da vida extraterrestre a seres mutantes. "Tem uma cara de literatura local, regional, com histórias que se passam aqui e uma valorização do cenário brasiliense. Além de querer contar a história insólita, a gente quer fugir desse eixo Rio-SP e escrever histórias do local no qual vivemos", garante.
Elifant — Encontro de Literatura Fantástica do Cerrado
- Sábado, das 13h às 17h, na Biblioteca Nacional de Brasília (BNB-Setor Cultural Sul, lote 2)
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