A célebre frase de Jean-Paul Sartre que afirma que "o inferno são os outros" frequentemente nos impulsiona a tirar de nós a culpa, atirando-a sempre em algo ou alguém que nos motivou a cometer algum pecado ou delito. Foi a partir dessa premissa que surgiu, na cabeça genial da atriz e escritora Fernanda Torres, o argumento do que seria uma história que tinha como ponto de partida uma briga de crianças dentro de um condomínio residencial na Barra da Tijuca que desencadeia uma guerra entre dois casais de vizinhos. Focada na polarização que dominou o Brasil na última década, nascia, ali, o que viria a ser a série Os outros, escrita por Lucas Paraízo (vindo do sucesso Sob pressão e com encomenda da Rede Globo por um novo texto eletrizante), com as seguintes indagações: O que acontece quando todo mundo acha que tem razão? Eu sou diferente dos outros?
Sucesso de público e crítica na primeira temporada, exibida pelo Globoplay no ano passado e na tevê aberta neste ano, a produção original, com direção artística de Luísa Lima (Onde está meu coração) é um thriller dos bons, com um soco no estômago, daqueles que nos fazem querer golfar, em cada um dos 12 episódios exibidos. E, agora, está com a segunda temporada disponível no streaming, com a continuação da história que se encerrou, de forma triste, com o questionamento sobre onde está Marcinho (Antônio Haddad, uma excelente revelação da obra), desencadeando uma busca incessante e dolorosa por parte de sua mãe, Cibele (Adriana Esteves, sempre magistral), mas trazendo um novo arco dramático por meio de novos protagonistas, vividos por grandes atores, como Letícia Colin e Sérgio Guizé.
Com estrutura narrativa análoga a The white lótus, da HBO, que tem a premissa de um personagem no centro de uma teia de histórias, a essência da convivência polarizada entre vizinhos continua. Porém, agora, a trama se desenrola em um condomínio de casas de classe alta no mesmo bairro da Barra da Tijuca.
A trama resgata personagens da primeira temporada, como Cibele, Marcinho, Amâncio (Thomás Aquino), Lorraine (Gi Fernandes), Joana (Kênia Bárbara) e o grande vilão em comum Sérgio (Eduardo Sterblitch) — que, nesta fase, foi eleito vereador após ter sido inocentado na Justiça pelo incêndio que mata a síndica Lucia (Drica Moraes) e o marido dela, Jorge (Guilherme Fontes). "Alguém com o caráter dele, agora com poder, foro privilegiado, passa a ter a certeza de estar acima das instituições. Ele se torna mais perigoso", ressalta Eduardo.
Perdão
A intolerância continua sendo a espinha dorsal da série. O autor, Lucas Paraizo, explica que, por ser uma espécie de antologia, a produção carrega essa temática entre as temporadas. Porém, para avançar na lente de aumento das relações familiares e sociais — que traz desdobramentos extremos baseados na agressividade que, por vezes, beiram o absurdo —, o perdão também ganha protagonismo. "Somos capazes de perdoar? O que perdoar significa para cada um?", questiona.
De acordo com a diretora artística, Luísa Lima, a troca de cenário amplia a percepção de que continuamos todos divididos e com medo. "Independentemente de classe social, oscilando entre sentimentos e reações, por vezes, incontroláveis", avalia. Lucas complementa que a produção traz como diferencial dramatúrgico uma redirecionada no ritmo: "Essa temporada é mais questionadora do que reativa. As reações são mais premeditadas, agora. Existe um cinismo que não existia com tanta força na primeira temporada. Mas o novo cenário nos mostra que a intolerância domina a sociedade, e está em vários espaços, não somente em um condomínio enclausurado, mas também em um ambiente mais arejado e arborizado. Inclusive, o conflito inicial se dá por conta de uma poda de árvore", complementa.
O primeiro episódio da primeira temporada começa com a personagem Raquel, defendida por Letícia Colin, irritando-se com o barulho de uma serra elétrica que destrói uma árvore na casa ao lado. Ela se levanta e vai brigar com o vizinho, que é justamente o miliciano Sérgio.
A atriz — um dos nomes mais robustos da atual safra —explicou a dinâmica da personagem que defende, uma evangélica de classe média alta. "Raquel vem para ser alguém à altura para o embate com o Sérgio, assim como a Cibele. Mas a função dela é provocar, incomodar, temer, trazer vulnerabilidade, porque ela se sente muito autorizada a dizer o que pensa. Os dois são muito diferentes, mas têm muita coisa em comum. A série mostra que ninguém é só uma coisa", observa.
Vingança
Completando o time de peso, Mariana Sousa Nunes e Luis Lobianco se juntam ao grupo. A atriz brasiliense surge como Maria, a enigmática nova moradora do condomínio onde Raquel vive com o marido Paulo (Sérgio Guizé) e comanda uma célula onde exerce sua influência religiosa. A nova personagem desponta como condutora de uma vingança e está acompanhada do filho Kevin (Cauê Campos), um jovem com quem tem uma relação conturbada, o que fica claro já no primeiro episódio.
"Mais uma vez, dou vida a uma mãe, acho que os diretores e produtores de elenco me veem com a mesma maternagem que meu psicanalista. Só que, desta vez, eu vivo uma mãe que não dialoga com o filho e, muitas vezes, parece não ter afeto por ele. É um contraponto da personagem da Adriana Esteves, que busca uma justiça motivada pela dor de uma mãe", conclui Mariana.
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