O encontro de gerações do hip hop no EP SANKOFA descreve a colaboração da novidade do rap Thiago Elniño e do pioneiro do gênero em Brasília GOG. A obra de seis faixas retrata memórias, caminhos e trocas dos artistas. O título do EP é uma homenagem aos povos Ashantis: significa olhar para o passado e se alimentar do conhecimento dos ancestrais para assim obter a sabedoria necessária de escolhas no presente e viver no futuro uma realidade próspera.
O artista plástico, poeta e cantor Renato Matos, a cantora baiana Monique Brito e o militante e deputado estadual do Paraná Renato Freitas foram convidados para reforçar a transversalidade do trabalho do EP. O lançamento marca o começo de uma série de trabalhos nos quais Thiago pretende colaborar com artistas de diversas vertentes musicais e gerações.
Thiago narra ter se conectado com a simbologia dos irmãos Ashantis que foram retirados de suas terras e escravizados. Ele teve contato com múltiplas linguagens, espiritualidades e culturas. O artista deseja popularizar a discussão racial com profundidade e normalidade. “A mensagem questiona se o tempo existe para trás, para um lado ou para o outro. GOG começou a fazer rap antes de mim e eu depois. Meu trabalho tem impacto no dele e o dele no meu”, reflete Thiago.
A ancestralidade para Elniño é algo que não deve ser apenas romantizado: “Também tiveram ancestrais que fizeram coisas que não funcionaram. Os antepassados viveram em tempos que também não foram muito bacanas.” O rapper experimenta temporalidade como não linear e traz a energia de cada Orixá nos trabalhos.
Como educador, Thiago teve uma grande dificuldade ao voltar à escola e revisitar o passado. “A molecada se empolgava com o que vinha da rua. Eu também vim da rua e ambos os conhecimentos são importantes”, argumenta. O acesso à educação é limitado em uma realidade em que as prioridades são outras.
A presença de tambores e ritmos de terreiro é marcante no EP. O pedagogo deseja mostrar à sociedade que o terreiro não é endemonizado e bagunçado, e sim um lugar de acolhimento: “É como se eu estivesse convidando um amigo para ir visitar.” Os sons característicos também se misturam com a musicalidade do Boom Bap e referências ao manguebeat.
GOG descreve Thiago como uma oferenda ao hip hop, em quem ele enxerga o próprio passado: “Eu esperava o convite de um Thiago e ele chegou. Eu não sou um rapper maior do que ele é. Eu só comecei antes.” Nascido na região administrativa de Sobradinho, ele define o rap como negro, primeiramente do que periférico, situada na caminhada dos jovens.
O brasiliense traduz o substantivo em verbo nas músicas e faz a poesia andar. A colaboração no EP foi como caminhar seguro na rua ao perceber que a nova geração do hip hop consegue cada vez mais espaço na cena cultural. “Eu sou de um tempo que grafite não era arte visual, DJ não era músico e rapper não era cantor. Somos potencialmente perigosos e presentes. Olha onde a gente chegou mesmo com as tropas de choque simbólicas e literais”, comemora.
Sem vaidade e por amor é como GOG descreve toda a trajetória profissional. “A resistência não é só ir, mas também permanecer. Quando você permanece é porque já está centrado”, declara. Como afro centrado, o rapper luta com preconceitos desconstruindo-se e construindo internamente todos os dias. Insatisfeito com a estagnação, ele diz que mesmo que as conquistas sejam grandes e representativas, elas nunca podem parar.
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