MÚSICA

Do forró ao reggae, conheça os sons da música indígena

Artistas de múltiplas etnias se expressam em diferentes línguas nativas e ritmos que vão do forró ao reggae

Heloísa embala a aldeia Kariri-Xocó com composições em português, e na língua tradicional -  (crédito: Divulgação/Thoyane Fulni-ô Kakayurá)
Heloísa embala a aldeia Kariri-Xocó com composições em português, e na língua tradicional - (crédito: Divulgação/Thoyane Fulni-ô Kakayurá)

A música para os povos indígenas carrega a missão de manter tradições vivas, mas não se resume a isso. Dos cânticos tradicionais com maracás a ritmos modernos e bases eletrônicas, artistas de diferentes etnias vão às plataformas digitais para mostrar a versatilidade da música indígena. Além de levarem as línguas nativas, algumas que chegaram até mesmo a serem proibidas no passado, as composições são uma forma de os músicos se expressarem sobre temas importantes, como a preservação dos recursos naturais. 

Na XVI Aldeia Multiétnica, realizada na Chapada dos Veadeiros, talentos de vários povos comandaram o show e dividiram o palco com o cantor Zeca Baleiro, em uma parceria que começou bem antes. 

O produtor musical André Magalhães é um dos responsáveis por orientar os jovens talentos. Ele conta que a aproximação com os músicos começou em 2019, quando ocorreu a Orquestra Multiétnica. "Não foi uma escolha e sim um encontro", conta. 

Atualmente, ele segue em contato com os participantes, além de visitar as próprias aldeias para conhecer mais sobre os ritmos e composições, trabalho que exerce há cerca de 30 anos. Para André, a música indígena pode ser exemplificada por uma palavra principal: diversidade. Tem rap, reggae, cantos tradicionais e hits, como os do músico Towe Fulni-ô, que embalam as noites com violão em volta da fogueira. 

Com o suporte profissional, o produtor quer incentivar os artistas cada vez mais a gravar e lançar suas composições. Um dos frutos desse trabalho foi o lançamento da cantora Tainara Takua, da etnia Guarani Mbyá, que está no Spotify com o álbum Cantos sagrados guarani

Heloísa Tukue Kariri Xocó

Artista alagoana do povo Kariri Xocó, Heloísa Tukue traz, na música, elementos do Nordeste brasileiro e da cultura indígena misturados em diferentes ritmos. No samba, no forró e em variados estilos musicais, Heloisa exibe uma voz potente e uma presença cativante.

"A minha aldeia é muito musical, a gente trabalha muito com a música, tudo que a gente vai fazer a gente gosta de estar cantando", conta. "Na tristeza, na alegria, nascimento, aniversário, no que for", completa.

As composições da artista vão do português até o Dzubukuá Kipeá, língua nativa dos Kariri-Xocó, que foi por muitos anos proibida pelos jesuítas. Agora, a cantora é figura-chave no processo de retomada da língua mãe do seu povo. 

Toda vez que a jovem se apresenta, é uma festa na aldeia. Tukue destaca que o apoio da comunidade é essencial. "Nosso trabalho na cultura também é levar o nome da aldeia nas costas, para representar o nosso povo por meio das canções", afirma. 

No Instagram, Heloísa conta com mais de 40 mil seguidores, com quem compartilha a rotina, o trabalho no artesanato e a música. Composições originais como Pisa na roseirinha também aparecem no YouTube da cantora, com participações especiais de mulheres e crianças da aldeia. Agora, ela vai em busca da nova meta: gravar as canções originais. "Fico só escrevendo no papel para depois postar e divulgar", conta.

Thulnifowá Fulni-ô

Guardião de conhecimentos sobre ervas medicinais, Thulnifowá, do povo Fulni-ô, de Pernambuco, levou ao palco da Aldeia Multiétnica uma música que fala sobre a planta sagrada para a comunidade, a Jurema. “Algumas etnias usam-na em forma de chá e tomam para limpeza e melhorar a visão”, explica.

Thulnifowá contou que a música sobre a Jurema foi a própria entidade que compôs. “Um dia eu bebi um pouco da medicina e ela me mostrou esse cântico enquanto eu dormia. Eu acordei e não esqueci; na mesma hora, peguei a maracá — instrumento musical — e comecei a cantar”, descreveu. A melodia é cantada em dois idiomas, no Yathê, idioma Fulni-ô, e em português. “Assim outras pessoas também compreendem, e é importante que os irmãos brancos entendam”, diz.

Subir no palco e mostrar as músicas para os espectadores é algo que o Fulni-ô está muito entusiasmado. “É algo que eu quero compartilhar com as outras pessoas. Se esse conhecimento e cântico fossem só para mim, eu estaria sendo egoísta. O bom é que eu posso compartilhar com os outros irmãos”, pontua.

A explicação para a melodia ser sagrada, de acordo com Thulnifowá, é devido ao que os outros sentem no momento da canção. “As pessoas sentem cachoeiras de luz e força. Naquele momento, elas não estão ingerindo a medicina, mas escutando, e o cântico levará cada um — ouvintes — para o caminho correto”, fala.

Lappa Kamayura Amarü

Lappa é um multitalento do povo Yawalapiti, do Alto Xingu. Cantor, compositor, arquiteto de casas da aldeia, lutador de huka huka — esporte tradicional xinguano — e ativista.

O despertar de Lappa para a música veio em 2010, no Encontro de Culturas, no Vale da Lua, na Chapada dos Veadeiros. Fã de Bob Marley, ele juntou os novos aprendizados, a influência do reggae, a língua aruaque, falada pelos Yawalapiti, e juntou tudo em um estilo único e cheio de identidade.   

"Aí teve aquela polêmica, eu não podia cantar na língua porque eu estava quebrando a tradição indígena xinguana, os caciques não aceitaram", relembra. "Eu fui o primeiro a levar a música diferente dentro do Xingu, agora todo mundo já tem músicas, tem rap, tem forró".

Com composições autorais em aruaque, ele cria sonoridades com base eletrônica e compõe sobre temas como preservação ambiental. Lappa Amarü tem um EP e singles no Spotify. Em 2023, ele lançou o clipe de Cunha Meré Nopotariter Myran Wana, gravado na Aldeia Multiétnica.

  • Heloísa embala a aldeia Kariri-Xocó com composições em português, e na língua tradicional
    Heloísa embala a aldeia Kariri-Xocó com composições em português, e na língua tradicional Divulgação/Thoyane Fulni-ô Kakayurá
  • Lappa Yawalapiti traz ritmos como o reggae para a língua aruaque
    Lappa Yawalapiti traz ritmos como o reggae para a língua aruaque Fotos: Divulgação/Thoyane Fulni-ô Kakayurá - Divulgação/Thoyane Fulni-ô Kakayurá - Divulgação/Raissa Azeredo
  • Thulnifowá Fulni-ô usa a música para disseminar conhecimento do seu povo
    Thulnifowá Fulni-ô usa a música para disseminar conhecimento do seu povo Divulgação/Raissa Azeredo

*Estagiário sob supervisão de Pedro Grigori

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postado em 07/08/2024 06:03 / atualizado em 07/08/2024 09:52
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