Era 1976 quando Júlia Juruna começou a publicar artigos sobre o Brasil no jornal Le Monde Diplomatique, então suplemento do Le Monde, um dos jornais de maior circulação na França. Nos textos, a autora arriscava assuntos como a ditadura, a situação política do país e os percalços econômicos enfrentados pela sociedade brasileira. Crítica, ousada, consistente e destemida, Júlia Juruna era, na verdade, o pseudônimo do historiador Luiz Felipe Alencastro, na época estudante numa França que serviu de abrigo para muitos exilados políticos da América Latina e brasileiros sufocados pela ditadura militar. Neste sábado (27/7), quase 50 anos depois, Alencastro lança o livro Despotismo tropical — A ditadura e a redemocratização nas crônicas de Júlia Juruna. Com direito a sessão de autógrafos a partir das 17h, na Livraria Platô, o lançamento também terá um debate no qual Alencastro vai conversar com o público sobre a obra.
O historiador chegou em Paris em 1966 para estudar história, graças a uma bolsa de estudos concedida pelo governo da França, para fugir da repressão, quando era aluno da Universidade de Brasília. Fez graduação e seguiu carreira acadêmica na capital francesa. Em 1976, aceitou o convite de Claude Julien, ex-resistente e militante de esquerda, então editor do Le Monde Diplomatique, para escrever artigos sobre o Brasil. No entanto, com medo da perseguição política — que podia ser uma realidade para exilados brasileiros nos tempos da ditadura que precisassem resolver assuntos burocráticos na Embaixada do Brasil —, o historiador decidiu assinar com um pseudônimo. Escolheu então um nome feminino, o de Júlia Juruna. "A gente fornecia dados da imprensa brasileira para a imprensa francesa", conta o historiador. "E isso foi evoluindo e, em um certo momento, me pediram para escrever os artigos. Eu estava fazendo doutorado em história."
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Os artigos foram reunidos para o livro por Rodrigo Bonciani, que já havia feito um livro de entrevistas com Alencastro. "Quando foi fazer esse livro, ele descobriu essa história dos textos do Monde Diplomatique e foi atrás. Ele e o editor fizeram uma seleção de artigos que falavam do Brasil", conta. "São artigos 50 anos atrás, mas a atualidade é falar da ditadura de novo, porque, com o negacionismo do bolsonarismo e até do Toffoli (Dias Toffoli, ministro do STF) que disse que não era golpe e, sim, um movimento, a gente fica um pouco espantado. Sou professor e vejo que a lembrança é muito longínqua para essa geração mais nova. Achei que isso era oportuno."
Luiz Felipe Alencastro também é autor de O trato dos viventes, publicado em 2000 e dedicado a Paulo de Tarso Celestino e Honestino Guimarães, amigos com os quais enfrentou a ditadura militar nos anos 1960. Como este ano o golpe militar de 1964 completa seis décadas, Alencastro vai aproveitar para fazer uma homenagem a Honestino durante o lançamento de Despotismo tropical.
Despotismo tropical — A ditadura e a redemocratização
nas crônicas de
Júlia Juruna
De Luiz Felipe Alencastro. Organização: Rodrigo Bonciani. Tinta da China, 192 páginas. R$ 74,90