Um dos nomes que emergiu do underground do rap brasileiro com mais personalidade nos últimos anos, Febem mostrou para o mundo mais um passo da própria consolidação como rapper. O músico lançou Abaixo do radar, sexto trabalho longo de estúdio entre discos e EPs. O novo álbum conta com 10 faixas produzidas por CESRV, com quem Febem trabalha desde o início da carreira.
“Acima da média, abaixo do radar”, canta o rapper no refrão da faixa-título do disco. O artista se acostumou a estar nesta posição de grande potencial na música, mas apelando apenas para nichos de rap. Porém, em 2020, pouco antes da pandemia, tudo mudou. Junto com o produtor CESRV e o parceiro de rima Fleezus, ele lançou o EP Brime, com músicas que juntavam o Grime britânico com o funk brasuileiro. O trabalho não só foi um sucesso como influenciou uma geração de novos artistas.
Dono de uma levada única muito referenciada pela história do rap de São Paulo e pelo flow de artistas britânicos e norte-americanos, Febem se destacou por versos afiados em um ritmo único. Agora, ele conta as próprias histórias em um caráter muito pessoal em um álbum curto, de apenas 25 minutos, mas denso de mensagem e lírica. “Minha missão é contar a minha vida para mostrar que ser vulnerável não é um problema. A gente é ser humano”, explica o artista. “Nós estamos precisando de mais gente falando sobre vulnerabilidade. Nós crescemos na quebrada e na periferia aprendendo que depressão e ansiedade era doença de rico, tendo que ser muito forte”, acredita.
O rapper espera que com a mensagem e o alcance que tem possa fazer a diferença, mas sem abrir mão de se vestir como acredita e representar de onde veio. “É um estigma de como a estética periférica ainda é mal vista. Eu sou um poeta de camisa de time, não rimo de terno e gravata”, pontua.
Durante as músicas, Febem lembra do passado e critica a indústria. “Talvez essa seja a minha guerra contra a burguesia. A questão é falar o quanto o sistema joga sujo”, afirma. Porém, ele mostra que entende o valor das conquistas que conseguiu pelo caminho. “Como a gente nunca teve nada, a gente brinda com o pouco que a gente tem conquistado”, pontua o músico que tem mais de 300 mil ouvintes mensais e músicas e faixas que alcançaram mais de 10 milhões de reproduções nas plataformas de streaming.
No entanto, reduz o poder que tem, já que acredita que tem muitos como ele que apenas não conseguiram subir ao palco. “Esse é o resumo da minha carreira, como diz a música: ‘ era só mais um silva que a estrela não brilha’. Eu não sou diferente de ninguém que veio de onde eu vim”, exalta.
Essa vontade de representar está no som que CESRV produz para ele também. “O disco tem influências de ritmos e batidas de diversos gêneros dos guetos do mundão preto, da música preta de periferia. Seja da música eletrônica da Inglaterra, ou reggaeton aqui na América Latina ou até o funk brasileiro”, explica.
Intelectual e contra o sistema
O que sempre chamou atenção no trabalho de Febem é a quantidade de referências culturais que o rapper insere em suas letras. Cheio de bordões de músicas, filmes e livros, Febem parece uma enciclopédia de frases de efeito até mesmo durante a entrevista. Ele se auto-intitula um eterno aprendiz e atribui essa intelectualidade à cultura hip-hop. “A cultura hip-hop nunca deu ouvidos para nada. Por isso é uma das únicas que mantém a sua intelectualidade e a sua dignidade intacta, está na própria essência”, clama.
O músico acredita que há um trabalho por parte de quem detém o poder de diminuir a cultura periférica como um todo. “O sistema branco está tentando desvalorizar a inteligência de quem eles acham que são inferiores a eles, de quem eles colocaram como inferiores”, levanta o rapper que vê o sucesso que faz já como uma resposta. “Essas pessoas aí nunca fizeram nada por nós e vão fazer só se elas tiverem algum lucro. Infelizmente, elas estão sentindo o karma dos filhos delas serem influenciados por nós. Entrei pelo seu rádio, tomei e você nem viu”, cutuca Febem.
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