No teatro lambe-lambe, tudo se passa dentro de uma caixinha que pode ter os mais variados formatos e recebem cenas que duram cerca de três minutos. É rápido, mas é direto e, na maioria das vezes, surpreendente. Praticamente uma instituição nacional, esse gênero teatral ganhou corpo graças a duas professoras da Bahia que resolveram romper tabus para falar do parto. É um pouco desta história que será oferecida ao público até o dia 12 de julho, na praça central do Espaço Cultural Renato Russo, durante o 3º Encontro de Teatro Lambe-Lambe.
Com um total de 26 espetáculos, sendo cinco de Brasília, cinco de outros países da América Latina e 16 de todo o Brasil, o encontro reúne uma variedade de bonequeiros, atores, diretores e dramaturgos que fizeram desse micro espaço um universo capaz de emocionar o público em espetáculos apresentados, a cada vez, para uma única pessoa. Durante os dias 6 e 7 de julho, as apresentações são contínuas, de 17h às 20h, na praça central do local. Basta entrar na fila e aguardar a vez. "São espetáculos reduzidos em formato e tempo. Eles trazem a síntese poética, é uma dramaturgia da síntese. Em três minutos, você faz a pessoa chorar, sorrir, sair chateada, brava. E um dos grandes desafios é transformar uma ideia, um sonho, uma reflexão em cena de três minutos com início, meio e fim. As caixas não são só caixas, são casas de espetáculo", avisa Amara Hurtado, idealizadora do encontro ao lado de Mariana Baeta e Jirlene Pascoal, todas integrantes da As Caixeiras Cia. de Bonecas. Palestras e oficinas com os grupos convidados ocupam a programação até 12 de julho.
Hoje, o teatro lambe-lambe tem ocupado cada vez mais espaço e se tornou um gênero que fascina tanto profissionais da área quanto o público, além de ser reivindicado como uma criação genuinamente brasileira. O teatro lambe-lambe surgiu no Brasil em 1989, quando as professoras baianas Ismine Lima e Denise dos Santos criaram A dança do parto. Pensada para falar do momento do nascimento para as crianças, a peça faz parte da programação do encontro no Espaço Cultural Renato Russo. "Enquanto educadora, me incomodava muito aquela história de que a criança vinha trazida pelo bico da cegonha. A cegonha foi muito difamada pelos nossos antepassados, existia uma hipocrisia para falar de amor. Para nascer, tem que ter um ato sexual e o patriarcado e o preconceito sempre omitiram a relação sexual da vida feminina, o prazer da sexualidade na vida feminina", conta Denise.
Ela criou então uma bonequinha de espuma que paria um bebê e Ismínia, que morreu em 2022, teve a ideia de montar a cena dentro de uma caixa de fotografia lambe-lambe, para ficar mais intimista e permitir que cada criança tivesse uma experiência particular. O projeto foi apresentado aos pais, na escola na qual as duas trabalhavam, e acabou aprovado. Elas começaram então a levar A dança do parto para encontros e festivais. A ideia agradava, o espetáculo formava filas e Denise precisou se transformar em bilheteira, além de realizar manipular os bonecos dos personagens. "Esse trabalho está sendo visto até hoje, é muito requisitado, um carro-chefe do teatro lambe-lambe", garante. "A mágica dele é o segredo. Quem não quer ver o segredo? A mágica é a intimidade. Quem não quer conhecer? É um trunfo. A mágica, na verdade, é o poder da vida. Foi criado para ser visto por um único espectador, é como se ele estivesse adentrando na casa de teatro e ele se torna a quarta parede."
O pioneirismo de Denise e Ismínia ganhou corpo Brasil afora e em outros países. "Hoje tem uma rede nacional e internacional de pessoas que estão fazendo, estão difundindo o lambe-lambe. E a gente defende mesmo como uma criação brasileira. Hoje em dia está no mundo", celebra Amara Hurtado. Conheça alguns dos espetáculos que podem ser vistos a partir de hoje no 3º Encontro de Teatro Lambe-Lambe.
Encantamento
A gaúcha Nina Vogel é formada em piano e, durante muito tempo, cantou em ópera e espetáculos musicais, até se encantar com o lambe-lambe durante uma especialização em teatro de animação contemporânea em Montréal, no Canadá. Como trabalho final do curso, ela criou ConCordis, espetáculo no qual o personagem Titilo habita um coração que Nina carrega pendurado no pescoço, na frente do peito. "Não tem palavras, só com uma trilha sonora. A pessoa acaba navegando por esses universos até chegar no momento, no fim do espetáculo, quando apresento um estetoscópio e a convido a escutar o coração", avisa a diretora. ConCordis não dura mais que três minutos, mas as pessoas se emocionam tanto que podem ficar na companhia de Titilo por mais de 15 min. "A pessoa fica ouvindo o coração e não interrompo. O espetáculo é também uma experiência sensorial e sai um pouco do tempo-espaço do que o lambe-lambe normalmente propõe, que é um tempo reduzido", avisa Nina, que já apresentou o trabalho em mais de 120 países.
Palhaçaria
Palhaço também tem vez no teatro lambe-lambe. Para a Família Santiago Santos Circo Teatro, de Goiânia, esse personagem tão comum no mundo circense ganhou protagonismo na caixinha cênica do lambe com o espetáculo O destino de Croquete. "Trago memórias de nomes, pessoas e personalidade que tive na vida, quando criança, adulto, personagens que marcaram. Na dramaturgia, a gente trabalha a história de Croquete, o personagem principal, É um espetáculo pensado na estética do circo grotesco", explica o palhaço Bulacha, criador da obra junto com Izabela Nascente. Com a chegada do circo na cidade, Croquete se apaixona pela filha do dono da lona, o que dispara uma grande confusão na vida do palhaço. "O espetáculo vai falar sobre fake news, bullying, a sociedade do espetáculo, como são criadas as histórias", avisa Bulacha. "É a história de um artista que entra no circo e tem uma vida complicada com todos os desafios do picadeiro."
História nordestina
Foi ao ver um espetáculo de teatro lambe-lambe sobre a história do Brasil que Geraldo Toledo, da Cia. Articum (DF), decidiu contar a trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 3 minutos e 20 segundos, o ator e diretor apresenta a saga do sindicalista que virou presidente. De retirante a presidente foi criado em 2002, para ser apresentado em uma tenda em frente à Catedral durante a festa de posse do primeiro mandato de Lula. "As pessoas olhavam pelo buraquinho da caixa e viam a história do Lula. Foi emocionante porque estava aquele clima festivo", conta Toledo, que há quase 30 anos trabalha com teatro dedicado às tradições brasileiras e protagonizado por bonecos.
Saberes e memórias
Formada por Larissa Miyashiro, Felipe Zacchi e Pedro Cobra, a Cia. PlastikOnírica, de Santos (SP), nasceu em 2014 depois de os integrantes se apaixonarem pelo teatro lambe-lambe. Durante o encontro, eles apresentam os espetáculos Saudade e Fiandeira. "Cada espetáculo está inserido numa temática e traz uma atmosfera específica, mas a ideia é que estejam abertos para a pessoa projetar os saberes dela, as memórias dela", explica Costa. "A intenção de Saudade não é contar minha história, é trazer uma atmosfera de saudade na qual a pessoa que assiste possa contar a saudade dela e revisitar esse sentimento. Recolhemos histórias muito diversas e parecidas em diferentes locais do mundo sobre as saudades que mais nos atingem e tocam nesses tempos." Em Fiandeira, a proposta é viajar pelo mundo das aranhas em um ambiente assentado na potência criadora da força feminina. Referências de sonhos de Larissa, que tem formação em moda, são a base do espetáculo, que também explora mitologias de diversos locais do mundo e a figura das deusas aracnídeas. "O que me encanta no lambe-lambe é a possibilidade de reencontro que ele apresenta com o público, com a cidade, com os espaços públicos. Ele se converte numa plataforma de encontro, uma ponte para o desconhecido, um exercício de conhecimento e cidadania", diz Pedro Costa.
3º Encontro de Teatro de Lambe-Lambe
Até dia 12 de julho, no Espaço Cultural Renato Russo, das 16h às 21h. Os espetáculos são apresentados dias 6 e 7 de julho, das 17h às 20h. As oficinas ocorrem até dia 12 de julho. Não recomendado para menores de 16 anos. Entrada gratuita.
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