MÚSICA

Filhos de Clodo Ferreira lançam álbum com músicas do pai na levada do forró

Pedro Ferreira e João Ferreira, filhos do compositor, lançam nas plataformas digitais o álbum Recanto, só com canções do pai no ritmo nordestino

No princípio, Clodo Ferreira, o autor do hit Revelação, não queria que os filhos João Ferreira e Pedro Ferreira fossem músicos. Mas a música escolheu os dois pelo talento e ele se rendeu ao destino.João é violonista, professor da Escola de Música e foi arranjador da banda Natiruts. Pedro estudou na escola de música, é percussionista, capoerista, tocou em banda de reggae e lidera a banda Porão do forró. Eles resolveram homenagear o pai com o álbum Recanto, só com composições de Clodo em ritmo de forró ou transformadas em forró. O álbum reúne 10 faixas, marca a estreia de Pedro como cantor e teve arranjos de João Ferreira. É música perfeita para embalar as festas juninas.  Lá, é possível ouvir releituras de Cebola cortada, Por um triz, Carece de explicação e Querubim, entre outras. E,nesta entrevista, Pedro Ferreira fala sobre o álbum Recanto, a cena de forró em Brasília e a música nas festas de são-joão, entre outros temas.

Como surgiu a ideia de gravar um álbum somente com canções do Clodo em forró ou transformadas em ritmo de forró?

Primeiro, essa iniciativa é minha e do meu irmão João, sempre tivemos o desejo de fazer uma homenagem a meu pai. E isso se juntou ao desejo de me lançar como cantor. Aproveitamos e fizemos uma varredura das canções do meu pai, ouvimos de 80 a 100 músicas. Antes da pandemia, realizamos um trabalho de pré-produção, visando fazer um show em homenagem ao Clodo no Feitiço Mineiro. Veio a pandemia e isso não foi possível, mas tínhamos a base do trabalho pronta.Como eu sou da galera do forró nos bailes, juntamos as duas coisas.No finzinho da pandemia, o Alexandre Carlo, do Natiruts cedeu o estúdio para a gente gravar. E isso foi fundamental. O João gravou todas as cordas e eu gravei todas as percussões e vozes e convidamos o Roni Freitas (sanfona) Maísa Arantes (rabeca e canto) Bruno Patrício do Naiturus ( flautas). E meu pai cantou comigo Querubim, parceria com Dominguinhos.

Como foi selecionado o repertório?

Eu e o João ouvimos todos os discos de Clodo, Climério e Clésio, gravações do MPB4, de Dominguinhos, de Elba Ramalho e de Simone. A maioria das canções vinha com uma pegada de baião e de xote. Por um triz, gravada por Nara Leão, é uma valsa que transformamos em xote. Em outra canção, Balé, de Clodo Climério e Clésio, no ritmo de toada, colocamos elementos de capoeira, usamos o berimbau, pois eu sou capoeirista. Uma das características do álbum é que o João não quis fazer arranjos, mas, sim, remodelar ou adaptar os que já existiam. Foi o que aconteceu com Cebola cortada, que teve arranjo original de Hermeto Paschoal. Dizer que modernizamos Hermeto seria uma heresia. Já em Saudade, parceria de Clodo com Cezinha, gravado por Elba Ramalho, eu tive a audácia de cantar. Carece de explicação, parceria de Clodo e Dominguinhos, resgatei de um disco da Fafá de Belém, dos forrós antigos, e regravamos.

Qual o seu envolvimento com o forró?

Sou forrozeiro, dançador e curtidor do forró. Quando estudava na Escola de Música, eu tocava em grupo chamado Forró nas Coxas, no bar Frei Caneca, no Brasília Shopping. Era muito para ganhar uma grana. Mas,certa vez, fui a Caraíva, no sul da Bahia, curtir nas férias, dançar e cantar, e me apaixonei pelo forró. Descobri novos grupos, uma nova maneira de cantar e de tocar. Garimpei muitas coisas novas e descobri essa obra de forró do meu pai. Eu era zabumbeiro, meu pai me pediu para cantar algumas vezes e eu passei a puxar o canto nos grupos de forró e nas rodas de samba. Firmei no forró e não quero mais sair.

Qual é a percepção musical de vocês das composições de Clodo, Climério e Clésio?

Tem uma coisa que é o seguinte, as levadas de violão e da viola deles trazem uma informação nordestina. Mesmo sem zabumba, têm conexões com o forró. As canções do Clodo não têm o formato tradicional tanto no aspecto melódico quanto por não ter refrão. São canções que contam uma história. As letras são muito bonitas, têm uma poesia muito forte e a gente queria evidenciar isso.

Como é que você vê essa história de festa de são-joão com música breganeja ou com funk?

Bem, a gente vê que há um espaço que foi ocupado por outras manifestaçôes da cultura popular. Nada contra. O que tenho é a favor da cultura popular. O machismo, sexismo, discriminação têm de ser criticados no forró, mas existem outras coisas que precisam ser preservadas. Sou fã de capoeira, de samba, de frevo e de forró. A gente tem de batalhar para manter os forró pé de serra tradicional. Quando sou convidado para fazer shows, aviso logo que não toco qualquer coisa.

Forró é uma música de velho?

De forma nenhuma, defendi uma música do meu pai em um Festival de Forró de Itaúna, no Espírito Santo, em 2022. Existem muitos movimentos que envolvem o pessoal mais jovem. Tem muita dança de salão em ritmo de forró. Existe o Forró do pôr do sol, na Praça do Cruzeiro, que junta para muita gente para dançar forró na rua. A maioria é jovem. E a galera da UnB está redescobrindo o forró.Brasília tem uma produção muito boa de forró e sempre se destaca nos festivais.

Por que você afirmou que dançar forró é um ato de resistência?

Porque somos bombardeados por uma cultura hegemônica. Se na hora de decidirem qual festa irá, escolher um forró, você colabora para a permanência de uma manifestação popular tombada como riqueza imaterial.

Com que regularidade toca a sua banda de forro?

A gente toca semanalmente com a Maysa Arantes, Marcelo Neto e André Vilela na banda Porão do Forró. Fazemos festas particulares, de empresa e de escolas. Tem muita entrada para a gente fazer show no período das festas juninas. Além disso, existem os bailes semanais, que ajudam a manter o forró.

A vivência musical em casa por ser filho do Clodo influenciou na sua formação de forrozeiro?

Influenciou crescer em um ambiente musical, mas não no gosto do forró, que veio quando eu era adulto. Em um momento inicial, meu pai não queria que eu e o João fôssemos músicos. Dizia que era uma carreira de muito esforço e pouco retorno. Logo depois, quando tomamos gosto, ele passou a interferir. Além da música, meu pai é um pensador. Sempre contou histórias de música, de literatura e de filosofia. Em casa, tínhamos muitos discos de Luiz Gonzaga. Mas entrei nesse mundo do forró depois de adulto.

O que representa a festa de são-joão para você?

Primeiro, configura a maior festa popular do Brasil. Claro que você tem carnaval forte em Salvador, no Rio de Janeiro e no Recife, nos quatro dias. Mas são-joão dura dois meses, qualquer escola, condomínio ou empresa tem festa junina. Tem bandeirinha, fogueira, milho assado, baião de dois, o friozinho. Tocar na festa junina é muito bom.

Brasília formou muitos músicos de qualidade. Mas a cidade continua a ter um ouvido musical que não é normal?

Com certeza, o grupo de músicos é muito grande. A gente tem o problema da intolerância com música ao vivo nos bares. Não dependo de música para a subsistência, isso dificulta quem precisa ser remunerado. Mas, independentemente do mercado, a turma do samba, do forró e do instrumental, agrega. Sinto-me feliz de fazer parte do ecossistema musical de Brasília.

 


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