Na semana em que se comemora o Orgulho LGBTQIAPN+, entre tantas conquistas e ainda inúmeras batalhas sendo travadas, há algo valioso a se comemorar: a televisão brasileira vive um momento histórico, com pessoas trans ocupando espaços importantes nas três produções de dramaturgia da Rede Globo.
Na novela das 21h, Renascer, uma das personagens de maior relevância da trama, parte do núcleo central, é Buba, uma mulher trans interpretada pela atriz Gabriela Medeiros, que tem a mesma condição. Já no horário anterior, às 19h, Babbo, vivido pelo ator trans Alan Oliveira, é o braço-direito da protagonista Vênus (Nathália Dill) e apresenta, na narrativa de Família é tudo, os dilemas de um rapaz que passou pela transição de gênero e ainda não tem seu nome retificado na certidão de nascimento, gerando, assim, situações de constrangimento com seu nome antigo. Já na produção das 18h, No Rancho Fundo, Ísis Broken interpreta Corina Castello, que, rompendo barreiras, é uma mulher cisgênero.
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"Isso demonstra que as barreiras do preconceito estão sendo desafiadas e quebradas, permitindo que talentos sejam reconhecidos e valorizados independentemente de gênero", avalia a sergipana estreante em novelas, que, além de mulher trans, é uma cidadã afro-indígena. Bisneta de coiteiro de Lampião, neta de repentista e cordelista, iniciou a carreira cantando em uma banda de garagem com seus tios, e lançou o primeiro videoclipe, chamado Clã, gravado apenas com um aparelho celular, que lhe rendeu mais de 27 prêmios no Brasil e no exterior. Na teledramaturgia, ela estreou como Mateusa, em Falas de orgulho: Histórias impossíveis, do Globoplay, em 2023. Para ela, abordar a questão da transgeneridade, agora em novelas, contribui para "um ajuste social necessário".
Além de uma artista múltipla, Ísis é mãe transprogenitora de Apolo, fruto de um relacionamento centrado na experiência trans, em que seu marido engravidou. Para ela, a causa se tornou ainda mais significativa devido às experiências de transfobia que enfrentou em Sergipe, antes de se mudar para São Paulo, durante a gestação de seu esposo. Na época, o casal foi forçado a deixar o estado. "Fomos praticamente expulsos de Sergipe, pois em todos os lugares que procurávamos atendimento médico, havia pessoas transfóbicas, tornando a situação extremamente difícil", contou a atriz, que transformou essa jornada de luta em um documentário, com co-direção da aclamada atriz Tainá Muller.
Entrevista/ Isis Broken
Sua personagem em No Rancho Fundo poderia ser interpretada por qualquer atriz cisgênero, mas foi confiada a uma atriz transexual. Qual a importância disso para você?
É um passo muito importante de inclusão e representação. Isso demonstra que as barreiras do preconceito estão sendo desafiadas e quebradas, permitindo que talentos sejam reconhecidos e valorizados independentemente de gênero. Além disso, essa escolha traz visibilidade para a comunidade trans. É um passo importante para combater estereótipos e preconceitos, mostrando que pessoas transexuais podem e devem ocupar todos os espaços, inclusive no teatro, na televisão e no cinema. Estou recebendo bastante mensagens com o carinho das pessoas, falando o quanto Corina Castello está sendo revolucionária, o que mostra o quão importante está sendo, para mim e para a nossa comunidade.
Como se deu o caminho até chegar a esse papel especificamente?
Eu fui convidada pela Globo para começar a atuar. Eles me deram um curso de atriz, assim fiz o meu primeiro papel, como Mateusa, em Histórias (im) possíveis, e uma coisa foi levando a outra, logo veio o teste para a Corina Castello, meu primeiro papel em novela, e assim aconteceu. Muito importante e significativo para mim, porque consigo trazer um pouco das minhas raízes nordestinas.
Antes desta produção, a anterior (Elas por elas) trouxe uma atriz que é transexual (Maria Clara Spinelli) como protagonista. Pode comentar essa conquista?
Estou amando fazer parte deste momento histórico na televisão brasileira. Ter e ser uma dessas representações desses corpos é muito importante para a nossa comunidade. Porque, além disso, está sendo importante abordar a questão da transgeneridade em novelas, contribuindo para um ajuste social necessário.
Você e seu marido, um homem trans, engravidaram de Apolo. Como é vivenciar essa experiência de maternar de forma transcentrada?
O nascimento de Apolo nos pegou de surpresa, a minha vida e a da minha família mudaram completamente, hoje sou muito grata a tudo isso. Ser mãe transcentrada me permitiu sentir um grande amor, que é a maternidade, me mostrou como era importante levantar uma pauta na sociedade, que os corpos trans não estão limitados ao que as pessoas falam que estão, e que a maternidade trans existe, sim! Mesmo vindo de um lugar de muita luta e preconceito, sempre vou enfatizar que sim, eu sou mãe, e Apolo me fez conhecer um amor inexplicável!
Quais foram os maiores desafios enfrentados no processo dessa gestação física pela qual o seu esposo passou, que será retratado em um documentário?
O maior desafio que enfrentamos foi o preconceito, que resultou em uma falta de acesso aos cuidados de pré-natal e saúde, tanto para meu esposo quanto para nosso filho. Fomos praticamente expulsos de Sergipe, pois em todos os lugares que procurávamos atendimento médico, havia pessoas transfóbicas, tornando a situação extremamente difícil. Conseguimos apoio nacional após eu fazer uma denúncia no meu Instagram. Foi essa comoção que deu início à nossa jornada para São Paulo. Quando chegamos, finalmente recebemos o atendimento médico necessário, quase no final da gestação do Lourenzo. Durante nossa vinda para São Paulo, Tainá Muller nos acompanhou, trazendo uma equipe de gravação. Ela vai retratar toda essa nossa batalha, desde a gravidez até o nascimento de Apolo.
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