Pobre é o fã de música pop que não reconhece em Brat um dos melhores álbuns do ano. Despojado e direto ao ponto, é assim que Charli xcx — anteriormente, Charli XCX — quer que o sexto álbum de estúdio seja percebido pelo público. A cantora e compositora britânica, responsável por canções do repertório de outros artistas, como Iggy Azalea, Selena Gomez, Shawn Mendes e Camila Cabello, soube traduzir como ninguém a atmosfera energética do cenário clubber londrino no disco.
Especialmente forjado para as pistas de dança, Brat é escandaloso e contido ao mesmo tempo. O registro de 15 faixas — na versão standard — ganhou três canções bônus na última segunda-feira (10/6). São elas: Hello goodbye, Guess e Spring breakers. A edição de luxo de Brat recebeu o título quilométrico de Brat and it's the same but there's three more songs so it's not, além de ganhar uma capa exclusiva, sem o tom de verde característico da versão padrão.
Anteriores ao lançamento do disco, Von dutch e 360 inauguraram a era Brat com maestria. Disponibilizadas previamente como canções de trabalho, as duas faixas deram um gostinho do que estava por vir. Ambas as músicas ganharam videoclipes caprichosamente produzidos, caso do mais recente deles, o de 360. No vídeo, Charli transita entre diferentes cenários, como um restaurante, um corredor de hospital e uma academia. Acompanhada das mais conhecidas “it girls” da internet, a cantora canta sobre ser experiente em criar tendências. “Legado é indiscutível / Você vai pular se o A. G. produziu”, reverencia o produtor musical e parceiro de longa data A. G. Cook.
Conceito Brat
Em Brat, Charli dá sequência à experimentação que começou anos antes com o EP Vroom vroom. Com claras autorreferências à projetos passados, caso da brilhante mixtape de 2017 Pop 2, o que a cantora propõe com o novo álbum é estender a sequência de ótimos lançamentos que faz desde 2019. O mais recente registro de estúdio é pautado em uma profunda pesquisa sobre os ritmos acelerados típicos das raves de Londres, que em muito se diferenciam da modalidade de festa encontrada no Brasil.
O disco simula uma noitada regada a muita dança, diversão e drogas, dado que Charli fala abertamente sobre o assunto ao longo das faixas. Longe de fingir uma imagem de moça comportada, a cantora é dura e realista nas letras que escreveu para Brat. Assuntos como gravidez, insegurança com a própria imagem e rivalidade feminina são recorrentes, na medida em que representam muito bem os anseios de uma jovem adulta que recém chegou à casa dos 30.
Para emular o cenário clubber onde iniciou a carreira musical, Charli elencou um grupo de parceiros de longa data e produtores experientes da PC Music. A. G. Cook e Easyfun foram os responsáveis por traduzir da melhor forma o conceito planejado pela cantora em batidas dançantes e beats eletrônicos. Contudo, um dos grandes destaques fica para o músico e produtor musical El Guincho, creditado pelo excelente trabalho na faixa Everything is romantic. A canção demonstra complexidade sonora do início ao fim, ao executar com precisão a mescla satisfatória — e surpreendente — entre orquestral e batidas de funk.
Outros pontos altos da audição de Brat são as faixas Sympathy is a knife e I think about it all the time, respectivamente. No caso da última, Charli exemplifica muito bem o aspecto confessional e ao mesmo tempo dançante do disco, ao colocar em voga o conflito interno de continuar ou interromper a carreira para engravidar. Mais do que um dos muitos álbuns lançados em 2024 — ano de retorno para artistas como Beyoncé, Billie Eilish, Dua Lipa e Taylor Swift, por exemplo — , Brat é um presságio de que a música pop, por mais atacada e descredibilizada que seja, merece toda a atenção e aclamação que conseguir.
*Estagiário sob a supervisão de Isabela Berrogain