"Meu amor, quem ficou nessa dança, meu amor, tem fé na dança. Nossa dor, meu amor, é que balança, nossa dor, o chão da praça. Felicidade é uma cidade pequenina, é uma casinha, é uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amor. Beijo a flor, mas a flor que eu desejo, eu não posso beijar. Eu digo e ela não acredita, que ela é bonita demais." Mesmo que não saiba, é muito provável que você tenha ouvido ou cantado alguma canção com letra de Fausto Nilo. Ele fez parcerias memoráveis com Moraes Moreira em Chão da praça, com Geraldo Azevedo, em Dona da minha cabeça ou com Armadinho em Zanzibar.
Fausto Nilo é um dos mais inspirados e prolíficos letristas da canção popular brasileira moderna. Na passagem dos 80 anos de idade e dos 52 de canção, com mais de 100 parceiros, ele apresenta o show Dezembros, somente na quinta-feira, no Clube do Choro. Todos anos, ele faz um show de poeta que canta no Cine São Luís, em Fortaleza, Fausto faz show, com os 1.200 lugares lotados.
Ele é um compositor, realmente, popular com todas as letras. As suas canções foram testadas no carnaval (Chão da praça, Bloco do prazer, Vida boa, Eu também quero beijar), nas telenovelas como trilhas ou músicas-tema (Santa fé, em Roque Santeiro, A Lua e o mar, em Tieta, Coisa acesa, em Final Feliz). Fausto tem altas conexões com Brasília. Em 1971 e 1972, ele foi professor da UnB, escolhido pelos alunos para participar de uma reestruturação da Faculdade de Arquitetura. E, nesta entrevista, ele fala do acaso que o tornou letrista, da diferença entre poesia e letra, das parcerias e da arte de fazer poesia para a boca dos cantores.
Entrevista//Fausto Nilo
Como você começou a cantar e como será esse show de um poeta-letrista?
Quando éramos jovens anônimos, nos encontrávamos no bar, na década de 1970. Havia a turma dos mais velhos e os mais novos; Fagner era da turma dos mais jovens. Fui um cantor de bar, muito ativo, mas não do palco. Certo dia, Amelinha e eu nos encontramos com Núbia Lafayete no centro do Rio de Janeiro. Ela pediu que fizéssemos uma canção para ela cantar. Fiz com os parceiros, ela gravou e me convidou para cantar com ela no Festival Soros. Em seguida, cantei no disco do Petrúcio Maia, pela CBS. Quando fiz 60 anos, um jornal do Ceará me procurou com a proposta de fazer um disco. Fiz o primeiro e mais cinco depois como cantor de minhas músicas.
E como se tornou letrista de canções?
Fui escolhido pelos alunos, depois de um movimento muito forte, para participar de uma reestruturação do curso de arquitetura da Universidade de Brasília. Trabalhei como professor na UnB em 1971 e 1972. Fagner se encontrava muito comigo em Brasília. Estava de partida para o Rio de Janeiro e me pediu que fizesse uma letra para uma música dele. Eu nunca havia feito uma letra. Fiz a canção Fim do mundo, que foi gravada por Marília Medalha, uma cantora de sucesso na época. Essa gravação perturbou a minha cabeça. Fagner pediu outra e eu fiz Dorothy le amour, em parceria com Petrúcio Maia. E daí começaram a surgir muitos convites para parcerias de amigos dos Rio de Janeiro e da Bahia. Fiquei amigo dos Novos Baianos. Veio o ano de 1974, um período muito difícil e triste, pois vários amigos nossos foram presos pela ditadura. Eu aceitei o convite para trabalhar no Metrô de São Paulo como arquiteto urbanista. Nesta época, convivi muito com Belchior. O trabalho das letras estava mais volumoso do que o do metrô. Então, resolvi me mudar para o Rio de Janeiro, passava uma temporada lá e outra em Fortaleza.
Do seu ponto de vista, qual a diferença entre poeta e letrista?
Eu acho que nenhuma. Mas tive a sorte de encontrar um livro que me mostrou que a história da música e da canção não têm a mesma origem. A música era ligada à celebração e à dança e a canção para contar uma história inventada. Eu me tornei muito radical com respeito a isto, trabalho para a boca do cantor. Tanto que, desde o início, eu escolhi colocar letras em cima das melodias. Com a melodia, o âmbito da imaginação do ouvinte funciona melhor. Mas a melodia é anterior à escrita do livro que leva à leitura silenciosa. Aí, me achei com o direito de achar que sou poeta. Na realidade, não gosto de ser chamado de compositor. Sou poeta-letrista.
Você parece quase que um poeta de estilo diferente ao fazer canções com Moraes Moreira, Geraldo Azevedo, Armandinho. O que a química da parceria permite em termos de criação?
Apesar da diversidade, estilisticamente, as pessoas identificam as letras como de minha autoria. Dizem: "Li uma letra e vi que era tua." Nunca tive vontade de parecer com nenhum outro letrista. Agora, eu tenho mais de 100 parceiros. Tem Roberto Carvalho, Chico Buarque, Fagner, Geraldo Azevedo, Moraes Moreira e e muitos outros. Tenho muitos parceiros com diversidades. Isso me provoca. Agora, fiz a primeira canção com Chico César, é algo que eu não havia experimentado.
As suas letras têm uma fragmentação de montagem cinematográfica que parecem um papo prá lá de marrakeshi. Isso é uma liberdade do tropicalismo que você e outros de sua geração herdaram?
Claro que a Tropicália é importante e teve influência, mas é diferente. Estávamos fazendo música no Ceará quase ao mesmo tempo. Fui muito influenciado pelo cinema, sou de uma geração adolescente quase vizinho montou-se o Cinearte, vi todo o Neorrealismo italiano, toda Nouvelle Vague. Tive o privilégio de estudar a história da arte e ver a linguagem do seu trabalho não pode confundida com a de alguém. O cinema tem o espaço, embora não seja real. Não quero fazer cinema. Na canção Lua do Leblon, a narrativa fala de alguém tocando violão no bairro, se conecta a Guernica e se espalha pelo mundo. Sou um autor de canções populares. Gosto desse desafio de colocar camadas diferentes, que tenham uma transversalidade entre as imaginações. As pessoas simples gostam dessa provocação se for bem arranjada.
Parece que só um cearense poderia colocar o verso "nossa dor balança o chão da praça", tal como você fez na canção de carnaval em parceria com Moraes Moreira...
Chão da praça foi a primeira música de carnaval de minha vida. Moraes provocou: "Vamos fazer uma música para a folia". Fiquei cético e levantei a dúvida: "Não sei de consigo, tem de ser muito alegre, as minha letras misturam alegria e tristeza." Moraes replicou que as letras dos frevos pernambucanos fazem as pessoas chorarem nas ruas. Dei a letra e fui fazer um café, ele botava os dedos nos acordes e perguntava: "O que é isso cara? Que loucura!" Fiquei assustado e perguntei o que era aquilo? E ele disse que a letra coube certinha na música. Só não tinha o introito. Quando ela foi para a rua, o Moraes me ligou para eu ir voando para Salvador ver o que era a nossa música. Fui e fiquei hospedado em um hotel na Praça Castro Alves. Eu estava dormindo e acordei com a minha música na rua como se estivesse sonhando. Desci correndo, de bermuda, fui atrás do bloco, numa caminhonete de subúrbio, com todo mundo cantando. Foi maravilhoso.
E como foi a história de colocar a palavra "apesar" em uma canção?
Gosto muito de caminhar na rua, tem uma que ficou popular. A Cor do Som estava gravando a canção Zanzibar, mas faltava uma palavra. Tenho uma mania, fico teimando com uma frase. Eles gravaram tudo sem a palavra. E essa palavra é aquela que faz a transição para segunda parte, muda a tonalidade da canção. Se escolher mal, estraga tudo, não rola. Aí, eu vinha cantando a música na rua, quando passei em frente um buteco pé sujo, saiu um cara de dentro do barzinho, foi até a calçada e deu uma cusparada que quase me acerta. E volta e disse: "aliás". Falou no tom que eu estava cantando. Fui para o orelhão, liguei para o estúdio e pedi que usassem a palavra "aliás". Armandinho Macedo ficou em dúvida. Será que é uma boa? Aí, me ligaram meia-noite e disseram que tinha ficado perfeito. É o momento que o povo canta junto nos shows.
Como foi o encontro com Glauber Rocha em Portugal?
Estava com o Fagner na Espanha e ele me disse: "O Glauber está doente em Lisboa e pode morrer. Vamos lá comigo". Fui com ele ao hospital. Ele, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro tiveram de sair e eu fiquei com o Glauber. Estava com a pasta cheio de desenhos que fiz de cidades da Espanha. Ele nu, deitado na cama e gritava muito. Dizia: "Sou um bezerro desmamado do sertão". Uma hora parou de gritar e começou a conversar comigo. Pediu um desenho de Sevilha para colocar ao lado da cama. Quando soube que eu era de Quixeramobim e que tinha morado na mesma casa de Antônio Conselheiro, Glauber ficou exaltado. Delirou que ia fazer um filme comigo e com Fagner como atores. Fiz um desenho do Glauber berrando. Violeta Arraes era muito amiga e queria que a mãe do Glauber visse o desenho. Fiz um jantar em casa, mostrei o desenho para a mãe do Glauber, ela olhou, não disse nada, dobrou o papel e colocou na bolsa. Nunca mais vi o desenho.
E como foi a sua passagem por Brasília?
Foi muito rica, deixou lembranças muito boas e grandes amigos. Fui escolhido pelos alunos, depois de um movimento muito forte, para participar de uma reestruturação do curso de arquitetura da Universidade de Brasília. Trabalhei como professor na UnB em 1971 e 1972. Depois que eu estava no Ceará, fui escolhido paraninfo da turma que se formou, o que me deixou muito honrado. Sempre venho aqui para reencontrar os amigos.
Dezembros
Show de Fausto Nilo, às 20h30, somente quinta-feira, no Clube do Choro
Ingressos à venda pela plataforma Bilheteria Digital
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"Meu amor, quem ficou nessa dança, meu amor, tem fé na dança. Nossa dor, meu amor, é que balança, nossa dor, o chão da praça. Felicidade é uma cidade pequenina, é uma casinha, é uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amor. Beijo a flor, mas a flor que eu desejo, eu não posso beijar. Eu digo e ela não acredita, que ela é bonita demais." Mesmo que não saiba, é muito provável que você tenha ouvido ou cantado alguma canção com letra de Fausto Nilo. Ele fez parcerias memoráveis com Moraes Moreira em Chão da praça, com Geraldo Azevedo, em Dona da minha cabeça ou com Armadinho em Zanzibar.
Fausto Nilo é um dos mais inspirados e prolíficos letristas da canção popular brasileira moderna. Na passagem dos 80 anos de idade e dos 52 de canção, com mais de 100 parceiros, ele apresenta o show Dezembros, somente na quinta-feira, no Clube do Choro. Todos anos, ele faz um show de poeta que canta no Cine São Luís, em Fortaleza, Fausto faz show, com os 1.200 lugares lotados.
Ele é um compositor, realmente, popular com todas as letras. As suas canções foram testadas no carnaval (Chão da praça, Bloco do prazer, Vida boa, Eu também quero beijar), nas telenovelas como trilhas ou músicas-tema (Santa fé, em Roque Santeiro, A Lua e o mar, em Tieta, Coisa acesa, em Final Feliz). Fausto tem altas conexões com Brasília. Em 1971 e 1972, ele foi professor da UnB, escolhido pelos alunos para participar de uma reestruturação da Faculdade de Arquitetura. E, nesta entrevista, ele fala do acaso que o tornou letrista, da diferença entre poesia e letra, das parcerias e da arte de fazer poesia para a boca dos cantores.
Como você começou a cantar e como será esse show de um poeta-letrista?
Quando éramos jovens anônimos, nos encontrávamos no bar, na década de 1970. Havia a turma dos mais velhos e os mais novos; Fagner era da turma dos mais jovens. Fui um cantor de bar, muito ativo, mas não do palco. Certo dia, Amelinha e eu nos encontramos com Núbia Lafayete no centro do Rio de Janeiro. Ela pediu que fizéssemos uma canção para ela cantar. Fiz com os parceiros, ela gravou e me convidou para cantar com ela no Festival Soros. Em seguida, cantei no disco do Petrúcio Maia, pela CBS. Quando fiz 60 anos, um jornal do Ceará me procurou com a proposta de fazer um disco. Fiz o primeiro e mais cinco depois como cantor de minhas músicas.
E como se tornou letrista de canções?
Fui escolhido pelos alunos, depois de um movimento muito forte, para participar de uma reestruturação do curso de arquitetura da Universidade de Brasília. Trabalhei como professor na UnB em 1971 e 1972. Fagner se encontrava muito comigo em Brasília. Estava de partida para o Rio de Janeiro e me pediu que fizesse uma letra para uma música dele. Eu nunca havia feito uma letra. Fiz a canção Fim do mundo, que foi gravada por Marília Medalha, uma cantora de sucesso na época. Essa gravação perturbou a minha cabeça. Fagner pediu outra e eu fiz Dorothy le amour, em parceria com Petrúcio Maia. E daí começaram a surgir muitos convites para parcerias de amigos dos Rio de Janeiro e da Bahia. Fiquei amigo dos Novos Baianos. Veio o ano de 1974, um período muito difícil e triste, pois vários amigos nossos foram presos pela ditadura. Eu aceitei o convite para trabalhar no Metrô de São Paulo como arquiteto urbanista. Nesta época, convivi muito com Belchior. O trabalho das letras estava mais volumoso do que o do metrô. Então, resolvi me mudar para o Rio de Janeiro, passava uma temporada lá e outra em Fortaleza.
Do seu ponto de vista, qual a diferença entre poeta e letrista?
Eu acho que nenhuma. Mas tive a sorte de encontrar um livro que me mostrou que a história da música e da canção não têm a mesma origem. A música era ligada à celebração e à dança e a canção para contar uma história inventada. Eu me tornei muito radical com respeito a isto, trabalho para a boca do cantor. Tanto que, desde o início, eu escolhi colocar letras em cima das melodias. Com a melodia, o âmbito da imaginação do ouvinte funciona melhor. Mas a melodia é anterior à escrita do livro que leva à leitura silenciosa. Aí, me achei com o direito de achar que sou poeta. Na realidade, não gosto de ser chamado de compositor. Sou poeta-letrista.
Você parece quase que um poeta de estilo diferente ao fazer canções com Moraes Moreira, Geraldo Azevedo, Armandinho. O que a química da parceria permite em termos de criação?
Apesar da diversidade, estilisticamente, as pessoas identificam as letras como de minha autoria. Dizem: "Li uma letra e vi que era tua." Nunca tive vontade de parecer com nenhum outro letrista. Agora, eu tenho mais de 100 parceiros. Tem Roberto Carvalho, Chico Buarque, Fagner, Geraldo Azevedo, Moraes Moreira e e muitos outros. Tenho muitos parceiros com diversidades. Isso me provoca. Agora, fiz a primeira canção com Chico César, é algo que eu não havia experimentado.
As suas letras têm uma fragmentação de montagem cinematográfica que parecem um papo prá lá de marrakeshi. Isso é uma liberdade do tropicalismo que você e outros de sua geração herdaram?
Claro que a Tropicália é importante e teve influência, mas é diferente. Estávamos fazendo música no Ceará quase ao mesmo tempo. Fui muito influenciado pelo cinema, sou de uma geração adolescente quase vizinho montou-se o Cinearte, vi todo o Neorrealismo italiano, toda Nouvelle Vague. Tive o privilégio de estudar a história da arte e ver a linguagem do seu trabalho não pode confundida com a de alguém. O cinema tem o espaço, embora não seja real. Não quero fazer cinema. Na canção Lua do Leblon, a narrativa fala de alguém tocando violão no bairro, se conecta a Guernica e se espalha pelo mundo. Sou um autor de canções populares. Gosto desse desafio de colocar camadas diferentes, que tenham uma transversalidade entre as imaginações. As pessoas simples gostam dessa provocação se for bem arranjada.
Parece que só um cearense poderia colocar o verso "nossa dor balança o chão da praça", tal como você fez na canção de carnaval em parceria com Moraes Moreira...
Chão da praça foi a primeira música de carnaval de minha vida. Moraes provocou: "Vamos fazer uma música para a folia". Fiquei cético e levantei a dúvida: "Não sei de consigo, tem de ser muito alegre, as minha letras misturam alegria e tristeza." Moraes replicou que as letras dos frevos pernambucanos fazem as pessoas chorarem nas ruas. Dei a letra e fui fazer um café, ele botava os dedos nos acordes e perguntava: "O que é isso cara? Que loucura!" Fiquei assustado e perguntei o que era aquilo? E ele disse que a letra coube certinha na música. Só não tinha o introito. Quando ela foi para a rua, o Moraes me ligou para eu ir voando para Salvador ver o que era a nossa música. Fui e fiquei hospedado em um hotel na Praça Castro Alves. Eu estava dormindo e acordei com a minha música na rua como se estivesse sonhando. Desci correndo, de bermuda, fui atrás do bloco, numa caminhonete de subúrbio, com todo mundo cantando. Foi maravilhoso.
E como foi a história de colocar a palavra "apesar" em uma canção?
Gosto muito de caminhar na rua, tem uma que ficou popular. A Cor do Som estava gravando a canção Zanzibar, mas faltava uma palavra. Tenho uma mania, fico teimando com uma frase. Eles gravaram tudo sem a palavra. E essa palavra é aquela que faz a transição para segunda parte, muda a tonalidade da canção. Se escolher mal, estraga tudo, não rola. Aí, eu vinha cantando a música na rua, quando passei em frente um buteco pé sujo, saiu um cara de dentro do barzinho, foi até a calçada e deu uma cusparada que quase me acerta. E volta e disse: "aliás". Falou no tom que eu estava cantando. Fui para o orelhão, liguei para o estúdio e pedi que usassem a palavra "aliás". Armandinho Macedo ficou em dúvida. Será que é uma boa? Aí, me ligaram meia-noite e disseram que tinha ficado perfeito. É o momento que o povo canta junto nos shows.
Como foi o encontro com Glauber Rocha em Portugal?
Estava com o Fagner na Espanha e ele me disse: "O Glauber está doente em Lisboa e pode morrer. Vamos lá comigo". Fui com ele ao hospital. Ele, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro tiveram de sair e eu fiquei com o Glauber. Estava com a pasta cheio de desenhos que fiz de cidades da Espanha. Ele nu, deitado na cama e gritava muito. Dizia: "Sou um bezerro desmamado do sertão". Uma hora parou de gritar e começou a conversar comigo. Pediu um desenho de Sevilha para colocar ao lado da cama. Quando soube que eu era de Quixeramobim e que tinha morado na mesma casa de Antônio Conselheiro, Glauber ficou exaltado. Delirou que ia fazer um filme comigo e com Fagner como atores. Fiz um desenho do Glauber berrando. Violeta Arraes era muito amiga e queria que a mãe do Glauber visse o desenho. Fiz um jantar em casa, mostrei o desenho para a mãe do Glauber, ela olhou, não disse nada, dobrou o papel e colocou na bolsa. Nunca mais vi o desenho.
E como foi a sua passagem por Brasília?
Foi muito rica, deixou lembranças muito boas e grandes amigos. Fui escolhido pelos alunos, depois de um movimento muito forte, para participar de uma reestruturação do curso de arquitetura da Universidade de Brasília. Trabalhei como professor na UnB em 1971 e 1972. Depois que eu estava no Ceará, fui escolhido paraninfo da turma que se formou, o que me deixou muito honrado. Sempre venho aqui para reencontrar os amigos.
Dezembros
Show de Fausto Nilo, às 20h30, somente quinta-feira, no Clube do Choro
Ingressos à venda pela plataforma Sympla
"Meu amor, quem ficou nessa dança, meu amor, tem fé na dança. Nossa dor, meu amor, é que balança, nossa dor, o chão da praça. Felicidade é uma cidade pequenina, é uma casinha, é uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amor. Beijo a flor, mas a flor que eu desejo, eu não posso beijar. Eu digo e ela não acredita, que ela é bonita demais." Mesmo que não saiba, é muito provável que você tenha ouvido ou cantado alguma canção com letra de Fausto Nilo. Ele fez parcerias memoráveis com Moraes Moreira em Chão da praça, com Geraldo Azevedo, em Dona da minha cabeça ou com Armadinho em Zanzibar.
Fausto Nilo é um dos mais inspirados e prolíficos letristas da canção popular brasileira moderna. Na passagem dos 80 anos de idade e dos 52 de canção, com mais de 100 parceiros, ele apresenta o show Dezembros, somente na quinta-feira, no Clube do Choro. Todos anos, ele faz um show de poeta que canta no Cine São Luís, em Fortaleza, Fausto faz show, com os 1.200 lugares lotados.
Ele é um compositor, realmente, popular com todas as letras. As suas canções foram testadas no carnaval (Chão da praça, Bloco do prazer, Vida boa, Eu também quero beijar), nas telenovelas como trilhas ou músicas-tema (Santa fé, em Roque Santeiro, A Lua e o mar, em Tieta, Coisa acesa, em Final Feliz). Fausto tem altas conexões com Brasília. Em 1971 e 1972, ele foi professor da UnB, escolhido pelos alunos para participar de uma reestruturação da Faculdade de Arquitetura. E, nesta entrevista, ele fala do acaso que o tornou letrista, da diferença entre poesia e letra, das parcerias e da arte de fazer poesia para a boca dos cantores.
Como você começou a cantar e como será esse show de um poeta-letrista?
Quando éramos jovens anônimos, nos encontrávamos no bar, na década de 1970. Havia a turma dos mais velhos e os mais novos; Fagner era da turma dos mais jovens. Fui um cantor de bar, muito ativo, mas não do palco. Certo dia, Amelinha e eu nos encontramos com Núbia Lafayete no centro do Rio de Janeiro. Ela pediu que fizéssemos uma canção para ela cantar. Fiz com os parceiros, ela gravou e me convidou para cantar com ela no Festival Soros. Em seguida, cantei no disco do Petrúcio Maia, pela CBS. Quando fiz 60 anos, um jornal do Ceará me procurou com a proposta de fazer um disco. Fiz o primeiro e mais cinco depois como cantor de minhas músicas.
E como se tornou letrista de canções?
Fui escolhido pelos alunos, depois de um movimento muito forte, para participar de uma reestruturação do curso de arquitetura da Universidade de Brasília. Trabalhei como professor na UnB em 1971 e 1972. Fagner se encontrava muito comigo em Brasília. Estava de partida para o Rio de Janeiro e me pediu que fizesse uma letra para uma música dele. Eu nunca havia feito uma letra. Fiz a canção Fim do mundo, que foi gravada por Marília Medalha, uma cantora de sucesso na época. Essa gravação perturbou a minha cabeça. Fagner pediu outra e eu fiz Dorothy le amour, em parceria com Petrúcio Maia. E daí começaram a surgir muitos convites para parcerias de amigos dos Rio de Janeiro e da Bahia. Fiquei amigo dos Novos Baianos. Veio o ano de 1974, um período muito difícil e triste, pois vários amigos nossos foram presos pela ditadura. Eu aceitei o convite para trabalhar no Metrô de São Paulo como arquiteto urbanista. Nesta época, convivi muito com Belchior. O trabalho das letras estava mais volumoso do que o do metrô. Então, resolvi me mudar para o Rio de Janeiro, passava uma temporada lá e outra em Fortaleza.
Do seu ponto de vista, qual a diferença entre poeta e letrista?
Eu acho que nenhuma. Mas tive a sorte de encontrar um livro que me mostrou que a história da música e da canção não têm a mesma origem. A música era ligada à celebração e à dança e a canção para contar uma história inventada. Eu me tornei muito radical com respeito a isto, trabalho para a boca do cantor. Tanto que, desde o início, eu escolhi colocar letras em cima das melodias. Com a melodia, o âmbito da imaginação do ouvinte funciona melhor. Mas a melodia é anterior à escrita do livro que leva à leitura silenciosa. Aí, me achei com o direito de achar que sou poeta. Na realidade, não gosto de ser chamado de compositor. Sou poeta-letrista.
Você parece quase que um poeta de estilo diferente ao fazer canções com Moraes Moreira, Geraldo Azevedo, Armandinho. O que a química da parceria permite em termos de criação?
Apesar da diversidade, estilisticamente, as pessoas identificam as letras como de minha autoria. Dizem: "Li uma letra e vi que era tua." Nunca tive vontade de parecer com nenhum outro letrista. Agora, eu tenho mais de 100 parceiros. Tem Roberto Carvalho, Chico Buarque, Fagner, Geraldo Azevedo, Moraes Moreira e e muitos outros. Tenho muitos parceiros com diversidades. Isso me provoca. Agora, fiz a primeira canção com Chico César, é algo que eu não havia experimentado.
As suas letras têm uma fragmentação de montagem cinematográfica que parecem um papo prá lá de marrakeshi. Isso é uma liberdade do tropicalismo que você e outros de sua geração herdaram?
Claro que a Tropicália é importante e teve influência, mas é diferente. Estávamos fazendo música no Ceará quase ao mesmo tempo. Fui muito influenciado pelo cinema, sou de uma geração adolescente quase vizinho montou-se o Cinearte, vi todo o Neorrealismo italiano, toda Nouvelle Vague. Tive o privilégio de estudar a história da arte e ver a linguagem do seu trabalho não pode confundida com a de alguém. O cinema tem o espaço, embora não seja real. Não quero fazer cinema. Na canção Lua do Leblon, a narrativa fala de alguém tocando violão no bairro, se conecta a Guernica e se espalha pelo mundo. Sou um autor de canções populares. Gosto desse desafio de colocar camadas diferentes, que tenham uma transversalidade entre as imaginações. As pessoas simples gostam dessa provocação se for bem arranjada.
Parece que só um cearense poderia colocar o verso "nossa dor balança o chão da praça", tal como você fez na canção de carnaval em parceria com Moraes Moreira...
Chão da praça foi a primeira música de carnaval de minha vida. Moraes provocou: "Vamos fazer uma música para a folia". Fiquei cético e levantei a dúvida: "Não sei de consigo, tem de ser muito alegre, as minha letras misturam alegria e tristeza." Moraes replicou que as letras dos frevos pernambucanos fazem as pessoas chorarem nas ruas. Dei a letra e fui fazer um café, ele botava os dedos nos acordes e perguntava: "O que é isso cara? Que loucura!" Fiquei assustado e perguntei o que era aquilo? E ele disse que a letra coube certinha na música. Só não tinha o introito. Quando ela foi para a rua, o Moraes me ligou para eu ir voando para Salvador ver o que era a nossa música. Fui e fiquei hospedado em um hotel na Praça Castro Alves. Eu estava dormindo e acordei com a minha música na rua como se estivesse sonhando. Desci correndo, de bermuda, fui atrás do bloco, numa caminhonete de subúrbio, com todo mundo cantando. Foi maravilhoso.
E como foi a história de colocar a palavra "apesar" em uma canção?
Gosto muito de caminhar na rua, tem uma que ficou popular. A Cor do Som estava gravando a canção Zanzibar, mas faltava uma palavra. Tenho uma mania, fico teimando com uma frase. Eles gravaram tudo sem a palavra. E essa palavra é aquela que faz a transição para segunda parte, muda a tonalidade da canção. Se escolher mal, estraga tudo, não rola. Aí, eu vinha cantando a música na rua, quando passei em frente um buteco pé sujo, saiu um cara de dentro do barzinho, foi até a calçada e deu uma cusparada que quase me acerta. E volta e disse: "aliás". Falou no tom que eu estava cantando. Fui para o orelhão, liguei para o estúdio e pedi que usassem a palavra "aliás". Armandinho Macedo ficou em dúvida. Será que é uma boa? Aí, me ligaram meia-noite e disseram que tinha ficado perfeito. É o momento que o povo canta junto nos shows.
Como foi o encontro com Glauber Rocha em Portugal?
Estava com o Fagner na Espanha e ele me disse: "O Glauber está doente em Lisboa e pode morrer. Vamos lá comigo". Fui com ele ao hospital. Ele, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro tiveram de sair e eu fiquei com o Glauber. Estava com a pasta cheio de desenhos que fiz de cidades da Espanha. Ele nu, deitado na cama e gritava muito. Dizia: "Sou um bezerro desmamado do sertão". Uma hora parou de gritar e começou a conversar comigo. Pediu um desenho de Sevilha para colocar ao lado da cama. Quando soube que eu era de Quixeramobim e que tinha morado na mesma casa de Antônio Conselheiro, Glauber ficou exaltado. Delirou que ia fazer um filme comigo e com Fagner como atores. Fiz um desenho do Glauber berrando. Violeta Arraes era muito amiga e queria que a mãe do Glauber visse o desenho. Fiz um jantar em casa, mostrei o desenho para a mãe do Glauber, ela olhou, não disse nada, dobrou o papel e colocou na bolsa. Nunca mais vi o desenho.
E como foi a sua passagem por Brasília?
Foi muito rica, deixou lembranças muito boas e grandes amigos. Fui escolhido pelos alunos, depois de um movimento muito forte, para participar de uma reestruturação do curso de arquitetura da Universidade de Brasília. Trabalhei como professor na UnB em 1971 e 1972. Depois que eu estava no Ceará, fui escolhido paraninfo da turma que se formou, o que me deixou muito honrado. Sempre venho aqui para reencontrar os amigos.
Dezembros
Show de Fausto Nilo, às 20h30, somente quinta-feira, no Clube do Choro
Ingressos à venda pela plataforma Sympla