O encontro entre Hiromi Nagakura e Ailton Krenak foi providencial. O primeiro, japonês, se encantou com a Amazônia há muitos anos e o segundo tem a floresta como berço. Nagakura é um fotógrafo muito conhecido na Ásia. Registrou desde guerras no Oriente Médio até belezas naturais de várias regiões asiáticas, mas sonhava em fotografar a Amazônia. Ele foi apresentado a Krenak durante o início dos anos 1990 e, juntos, os dois percorreram a floresta entre 1993 e 1998. O resultado desse encontro chega finalmente ao público a partir de hoje em Hiromi Nagakura até a Amazônia, com Ailton Krenak, em cartaz na Galeria 1 do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Durante os encontros ao longo dos anos, a dupla visitou aldeias no Acre, Roraima, Mato Grosso, Maranhão, São Paulo e Amazonas. Nagakura fotografou os ashaninka, os xavante, os krikati, os gavião, os yawanawá, os huni kuin e comunidades ribeirinhas no Rio Juruá e região do lavrado em Roraima. As viagens alcançaram os estados do Acre, Roraima, Mato Grosso, Maranhão, São Paulo e Amazonas. "Essa exposição é a realização de um sonho que foi cultivado por mais de 30 anos", conta Krenak, que esteve no Japão para o lançamento do livro com as imagens nos anos 1990. "Nós visitamos muitos territórios indígenas, comunidades ribeirinhas, unidades de conservação. O Nagakura teve a oportunidade de fazer um mergulho na Amazônia quando aquela paisagem era muito bela e bonita."
Krenak, que é curador da exposição junto com Angela Pappiani, lembra que, na época, projetos como a hidrelétrica de Belo Monte e obras de infraestrutura e estradas, além do que classifica como "intervenções violentas na Amazônia" ainda não haviam maculado certas regiões, por isso o fotógrafo pôde realizar registros que hoje seriam impossíveis. "Belo Monte foi uma desgraça para todo mundo e não melhorou a produção de energia hidrelétrica. Criou uma situação de desordem e caos. Isso não existia quando o Nagakura olhou a Amazônia, ele teve a vantagem de olhar aquele mundo quando não estava tão torcido pela ocupação violenta do garimpo e pelos projetos de infraestrutura do próprio governo brasileiro", explica Krenak, que destaca o olhar amoroso do fotógrafo. "Ele tinha uma coisa amorosa de conhecer esse lugar do mundo que, para os japoneses, é um paraíso. E esses lugares foram vistos por um olhar sem julgamento."
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Outro detalhe apontado por Krenak é a dedicação ao focar na beleza. "Acredito que o olhar do Nagakura para a Amazônia já é uma surpresa. Alguém que visita a exposição vai dizer 'nossa como são bonitos esses lugares'. É impressionante porque a ideia que muita gente tem da Amazônia é a ideia da destruição da floresta, de uma violência direta sobre os territórios indígenas, uma disputa constante. E quando alguém olha nas imagens selecionadas, a beleza sobressai", diz. Ele ressalta ainda que uma comparação entre as imagens realizadas pelo japonês e a realidade hoje é capaz de revelar um rastro de destruição.
As imagens foram selecionadas pelo próprio Nagakura, que tem 71 anos e mora no Japão, e depois trabalhadas por Ailton, Angela e por Eliza Otsuka, intérprete e jornalista que trabalhou no projeto. A concepção da mostra é de Krenak e do próprio fotógrafo, que decidiram levar para o centro da galeria uma instalação na qual se pode ouvir uma conversa entre os dois, além de fotos feitas por Nagakura ao longo da carreira em locais como Afeganistão, África e América Central. "Ele tem um acervo imenso e muito relevante e nós tínhamos uma limitação de fazer uma exposição que conseguisse abordar a questão da Amazônia, mas não deixasse de fora a grande expressão da obra do Nagakura. Quem dera a gente pudesse fazer uma exposição à altura da obra dele", explica Krenak.
Angela Pappiani conta que uma das motivações de Nagakura em todo o projeto é a busca pelo que o ser humano tem de bonito e essencial, mesmo em situações extremas e de conflito. Mostrar a diversidade e o melhor da humanidade é um compromisso do fotógrafo. "Ele sabia dos povos indígenas do Brasil, da sua luta, da grande dificuldade diante do avanço do progresso desse modelo de civilização", conta a curadora. Mas foi a imagem de Ailton Krenak pintando o rosto no Congresso Nacional enquanto discursava em defesa da Assembleia Nacional Constituinte, nos anos 1980, que o impressionou e mobilizou para vir ao Brasil.
A curadora trabalhava com Ailton Krenak no Núcleo de Cultura em 1993, quando ele conheceu Nagakura. Ela conta que, no total, foram sete viagens e pelo menos três visitas a terras ianomami. O material rendeu reportagens para a NHK, rede de televisão japonesa, e para jornais e revistas, além do livro e de uma exposição. "E sempre quisemos que este material chegasse ao público brasileiro", conta Angela. "É uma visão muito particular desses povos. Ele consegue uma cumplicidade com as pessoas fotografadas, consegue enxergar minúcias", garante. "Ele tem um momento muito especial na hora de clicar, sempre de maneira muito discreta a integrada na vida da comunidade. Não são fotos posadas, nem criadas, nem situações artificiais. É sempre o cotidiano, com gestos muito simples, mas que ganham um poder." Para a curadora, as fotos revelam a relação de amor e respeito entre o fotógrafo e os povos indígenas.
Além da exposição, o CCBB recebe também uma série de atividades, incluindo um bate-papo de Krenak com lideranças indígenas e uma programação de oficinas e vivências. Na quinta-feira, o curador divide a mesa com Maria de Fátima de Souza Yawanawá e Maria Luiza Yawanawá. Eles vão refletir sobre temáticas como a presença feminina e o poder de cura na floresta. Na sexta-feira e no fim de semana, o público pode se inscrever para oficinas com representantes dos povos xavante e krikati para aprender sobre rituais, música e técnicas artesanais.
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