Não existir, ao abdicar de uma história de amor vivida ao lado um homem, agora morto, vem quase como uma imposição para Tom, protagonista da peça Tom na fazenda, vivido por Armando Babaioff, responsável ainda pela idealização da produção da peça (dirigida por Rodrigo Portella) que ainda teve tradução do ator para o texto do canadense Michel Marc Bouchard. "Toda a ação acontece numa fazenda, rígida na disciplina com a terra e os animais. Impiedosa com descuidos. É um cenário ao nosso alcance, nem tão distante, que reproduz práticas de trabalho associadas a um modo de viver que distancia cidade e campo", conta Babaioff, em exclusiva ao Correio. A peça o remodela, como cidadão e artista.
Segundo o ator, o texto, alicerce denso para a encenação, e escrito em 2011, tem muita vida. "O texto provoca discussões, cheio de camadas. Fala de conflitos familiares, homofobia, mentiras capazes de manipular relacionamentos. É atual, urgente, sobretudo no Brasil, o país que mais assassina a população LGBTQIAPN+", reforça. Num ambiente hostil, a dor do luto (pelo homem que Tom amou) imanta todos personagens. "Cada um lida de uma forma: a mãe, o irmão e o namorado. Depois, o público constata diferenças, distanciamentos e aproximações", detecta. Passada a estreia, em 2017, com apenas 47 lugares na plateia, a montagem foi acolhida em lugares intimistas e, em outros, enormes. França, Bélgica e Suíça foram países que receberam turnê da peça por 130 dias na Europa.
"As reações são muito similares. O público brasileiro, que se renova, é extremamente atencioso e generoso. Na Europa, tivemos depoimentos emocionantes de pessoas que nos viram mais de uma vez, de famílias que ficaram para um abraço pós-espetáculo, algo incrível", explica o ator. Cíclica também é a violência referendada por Tom e a fazenda, vencedora de mais de 25 prêmios. Babaioff destaca o vigor dos momentos físicos que surtem fortes efeitos. "Há monólogos lindos dentro dessa peça. Sem cortes, sem close, sem movimento de câmera", diz, ao tratar de comparação com filme franco-canadense de 2013, outra adaptação.
Antevendo "futuras gerações mais aliados" nas lutas contra homofobia, machismo, misoginia e racismo — "pelas quais não podemos baixar a guarda", Babaioff alerta para nosso momento de extrema violência. "Não se trata de vencer a guerra, mas de sobreviver a ela, com trabalho árduo". Conflitos, catarses, opressão pelo patriarcado se afunilam num cenário tomado por lama. "O momento mais impactante, quando Tom é pendurado de cabeça para baixo na “vala das vacas”, um lugar de onde atiram as carcaças dos animais. Nós só reproduzimos. O choque está na violência daquela história, na forma como aqueles personagens se relacionam, nessa linha cruzada, complexa", conclui.
Tom na fazenda
Teatro Royal Tulip (SHTN Tr. 01). De hoje (6/6) a sábado, às 20h, e Domingo, às 19h. Com Armando Babaioff, Camila Nhary, Gustavo Rodrigues e Denise Del Vecchio. Ingressos, de R$ 80 a R$ 160. Bilheteria virtual
120min, não recomendado para menores de 18 anos.
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