Música

Andrea Bocelli traz espetáculo clássico para Brasília

O cantor se apresenta nesta terça-feira (21/5), no Mané Garrincha. O show é o segundo de uma turnê brasileira que celebra os 30 anos de carreira do tenor italiano, que terá especial a participação da cantora Sandy

Andrea Bocelli transforma o Estádio Mané Garrincha, hoje, em palco de uma grande celebração dos 30 anos de carreira com um repertório que já encantou meio mundo e um espetáculo que faz pela música clássica um  serviço  raramente conseguido por uma orquestra ou por um tenor. Bocelli é herdeiro de uma tradição iniciada com os Três Tenores, quando o maestro Zubin Mehta levou ao palco, lado a lado, Luciano Pavarotti, Domingos Carreras e Placido Domingo para cantar os standards do mundo da ópera. Fez tanto sucesso que virou um formato e quase um gênero. Italiano nascido em Lajatico, na região da Toscana, próximo a Pisa, Bocelli, 65 anos, deu um lustre mais popular e performático à ideia. 

São mais de 90 milhões de discos vendidos desde que começou a fazer sucesso ao vencer o Festival de Música de Sanremo, em 1994. Hoje, ele ocupa o palco como um dos maiores nomes do canto lírico quando se trata de lotar estádios. Terá a companhia da soprano romena Cristina Pasaroiu, experiente em cantar as grandes personagens da história da ópera, e da violinista americana Caroline Campbell, que dividiu a cena com nomes como Sting, Steven Tyler, Michael Bublé e Rod Stewart. Pasaroiu será a voz feminina em duetos com árias das óperas Andrea Chénier (Umberto Giordano) e La Bohème (Puccini). "O dueto é uma aposta artística que sempre me intrigou e satisfez. É um dos pilares do teatro musical, além de ser a escolha para muitos clássicos do pop", diz Bocelli, em entrevista ao Correio. Ele gosta tanto dos duetos que vai lançar, ainda este ano, um disco duplo neste formato para celebrar a trajetória. 

O pianista Carlo Benni, colaborador de Ennio Morricone e Laura Pausini, fica responsável pelas harmonias. A cantora e atriz Sandy é a brasileira convidada do espetáculo, com quem Bocelli canta Canto della terra e Vivo Per lei. O filho Matteo Bocelli também estará ao lado do pai para dividir os vocais de Fall on me.  Brasília é a segunda parada de uma turnê que começou em Belo Horizonte e termina em São Paulo, no próximo fim de semana. 

Em todos os concertos, o tenor foi acompanhado pela Orquestra Jovem e pelo Coral Jovem do Estado de São Paulo, uma prática que leva para todos os locais por onde passa para integrar jovens músicos ao espetáculo. A bailarina italiana Angelica Gismondo completa o elenco. No repertório, uma mistura que encanta um público vasto e ajuda a popularizar a música clássica. Cabe ali uma ária de Carmen, outra da Traviata, mas também os clássicos populares italianos como Vivo per lei, a bossa nova de Corcovado ou Garota de Ipanema, os tangos e os boleros inevitáveis do repertório internacional. "O Bocelli tem um pouco desse papel de pegar os clássicos e dar uma roupagem mais popular de forma que aquelas músicas se tornem um produto mais acessível", comenta Claudio Cohen, regente da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro. "É um papel muito importante porque populariza os temas mais clássicos, traz para o grande público."

A voz lírica do tenor dá um ar romântico para clássicos populares e a performance com bailarina e convidados, um aspecto mais dinâmico para um espetáculo que é, também, de música clássica. "Será um show muito bonito", prevê o tenor Alexandre Innecco, idealizador do ECAI em Brasília, um espaço de formação em música erudita. "O Bocelli faz parte de uma geração de tenores que tentam fazer shows com cara de música erudita." Para a soprano Janette Dornellas, é um papel importante para a cena musical de forma geral. "É um repertório mais palatável, que entra na cabeça com facilidade. A música é boa. Tem boa produção, com bons músicos, e isso faz com que conquiste muita gente. Isso é ótimo para o mercado da música clássica", diz a cantora e professora de canto lírico. 

Entrevista//Andrea Bocelli

A versatilidade é uma de suas marcas, e seu repertório sempre inclui composições mais eruditas e música mais popular. Qual a importância de fazer essa mistura para um cantor lírico?

Minha formação é clássica, e eu prefiro a ópera lírica: amo as grandes árias de Puccini, Verdi, Mascagni, mas também de Bizet, Gounod e muitos outros autores. No entanto, também frequento um repertório "mais leve", que inclui a grande romanza popular, assim como a canção. Não inventei nada de novo, porque há 100 e mais anos, meus excelsos colegas como Enrico Caruso e Beniamino Gigli faziam isso. Quanto aos gêneros, geralmente procuro não misturá-los, mas justapô-los, sem preconceitos, em busca de momentos artísticos que sejam capazes de emocionar o público.

Para você, há fronteiras entre o clássico e o erudito? Qual seriam essas fronteiras?

No âmbito da música, e, portanto, do intangível, é sempre complicado dar definições precisas e estabelecer limites. A ópera lírica é, fisiologicamente, uma forma de arte popular e, em geral, o repertório clássico pode falar ao coração de todos. Da mesma forma, alguns grandes sucessos do pop são tão belos que se tornam "clássicos" em todos os sentidos. É verdade que a fruição de uma ópera lírica ou de uma sinfonia nem sempre é imediata. Estamos falando de um repertório que se desenvolveu profundamente ao longo do tempo, e cada grande compositor o renovou e fez crescer ao longo dos séculos. Mas essa "complexidade" — que exige sim um esforço, mas não uma erudição particular — é amplamente recompensada, porque é uma música que oferece sensações tão profundas que permanecem no coração por toda a vida, contribuindo potencialmente para o desenvolvimento espiritual de cada um de nós.

Muito se ouve de que a música erudita  é algo de nicho, mas é uma música que, quando as pessoas ouvem, adoram. Por que se faz essa separação?

A única distinção realmente significativa, o único critério que adoto pessoalmente, é distinguir entre música bonita e música feia. Claro, ainda persiste o equívoco que rotula o repertório clássico como "para poucos", elitista... Naturalmente, é uma insinuação de fato falsa e anti-histórica. Não esqueçamos que, na época de Giuseppe Verdi e Giacomo Puccini, uma grande parte do público dos teatros era composta por pessoas pouco ou nada alfabetizadas. Se conduzido pela mão, qualquer público pode descobrir um repertório que é capaz de oferecer alegria e exaltação saudável, evocando emoções primárias com uma intensidade que pode anular qualquer barreira cultural e geracional.

Você é uma das vozes que ajudam a música erudita a atingir todos os públicos. Qual o desafio disso?

Nós, profissionais da área, temos a responsabilidade de dar o primeiro passo, se necessário, saindo dos teatros e encontrando os iniciantes, fazendo-os ouvir peças clássicas mesmo que não estejam habituados a esse repertório. A nós cabe o ônus e o prazer de ampliar os horizontes, para que o público possa realmente escolher o que quer ouvir, sem se submeter ao que o show business tende a impor por intermédio dos meios de comunicação, mas decidindo por conta própria. Sempre lembrando que, na música, e na arte em geral, o que é belo e tem valor não envelhece, independentemente de ter sido criado ontem ou há 200 anos. As arenas, onde muitas vezes me apresento, são lugares onde tenho a oportunidade de alcançar grandes públicos. Mas, naturalmente, seriam os teatros os locais ideais para este repertório. É certo que a ópera dificilmente "funciona" na televisão. É preciso ir ao teatro, ou pelo menos ter um contato direto, visceral, presencial, com esta forma de arte extraordinária. Arte que, em alguns casos, infelizmente, correu o risco de esquecer, nas últimas décadas, a sua vocação, que é, vale reiterar, popular. Da minha parte, há 30 anos tento dar a minha modesta contribuição para trazer um sopro de ar novo à ópera.

Como é sua relação com a música brasileira? Haverá música brasileira no repertório?

Tenho um relacionamento especial com esta parte do mundo e com a sua — a vossa — música. Amo o repertório brasileiro desde quando tocava em bares de piano no interior (da Itália). Estudei e cantei a vossa música, admirei as obras-primas e o equilíbrio perfeito entre a riqueza rítmica delas e a língua extraordinária, sensual e harmoniosa que lhes dá voz. Acredito que a música é uma parte fundamental do tecido cultural e social do Brasil. Apaixonei-me por ela quando era jovem e nunca deixei de amá-la.

Depois de tantos anos, qual o seu maior desafio quando sobe ao palco?

Quanto mais os anos passam, mais sinto a necessidade de comunicar emoções positivas, de transmitir energia positiva no palco: a música, afinal, é a voz da alma e pode, e deve, levar consigo uma mensagem forte de paz e fraternidade. Acredito que todo artista deve perceber a função essencial que desempenha na sociedade. A beleza, hoje mais do que nunca, acredito que é fundamental praticá-la, incentivá-la e divulgá-la.

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