Games

'Stellar Blade': um combate primoroso em história mais ou menos

Primeiro jogo Triple AAA da Shift Up estreia envolto de polêmica sobre a protagonista, apesar de ter pontos ótimos como obra.

Review — Stellar Blade desenvolvido pela Shift Up, um estúdio coreano, e publicado pela Sony Interactive Entertainment, é um jogo de ação e aventura em terceira pessoa que traz elementos de jogos soulslike, focando seu combate em entender o padrão inimigo e contra-atacar nos momentos mais adequados. No entanto, não se reserva a ser só mais um do gênero, quando tenta misturar árvores de Hack “n” Slash ao combate do jogo.

A busca pelo alfa

Reprodução/Shift Up - A missão da protagonista é a caçar o monstro supremo conhecido como Naytiba Alfa.

Os dois jogos que saíram no fim de abril trazem mundos desolados pela intervenção do homem: Sand Land, por conta do déficit de recursos e Stellar Blade, por conta de sua guerra contra o inimigo principal do jogo — os Naytibas —, mas ambos têm mundos de paisagem desértica em comum. No mundo do jogo, os seres humanos perdem a guerra contra os Naytibas, criaturas de pedra e carne, e se veem forçados a fugir para o espaço numa colônia que orbita a Terra.

Em Stellar Blade, controlamos EVE, uma robô de batalha que faz parte do 7º Esquadrão Aerotransportado, enviada em mais uma leva para tentar salvar a Terra dos Naytibas, em busca do mais poderoso dos monstros, o Naytiba Alfa. EVE se une a Adam, um humano sobrevivente que vive na cidade escondida de Xion — que na dublagem tem a mesma pronúncia da vista na antologia Matrix. Juntos eles se ajudaram e tentarão salvar o mundo em mais uma cruzada contra os Naytibas.

A história de Stellar Blade talvez seja seu único calcanhar de Aquiles, sendo o fator menos interessante na obra, a trama é uma grande justificativa para tudo acontecer e chega a momentos em que o diálogo se torna genérico e simplório. E claramente com esse estilo estético de futuro distópico, com a Terra já consumida pelo tempo, onde robôs de batalha lutam pelo restante que existe da Terra (mas não apenas isso) podemos traçar um paralelo com outro jogo igualmente famoso, Nier: Automata, game japonês desenvolvido pela PlatinumGames é curiosamente também distribuído pela Sony, traz uma história muito mais impactante com diversos outros finais.

Com essa comparação rápida, 2B traz o jogador para refletir sobre a existência, o que é o corpo e, principalmente, a consciência, algo inerente a personagem, enquanto EVE não tem um desenvolvimento muito complexo além do mostrado na demo. Falta muito carisma na personagem para ser marcada como icônica e talvez isso tenha cansado a experiência de jogo. Boa parte dos personagens tem essa lacuna de encanto, como poucas características de personalidade, o que enfraquece e arrasta a história, principalmente da protagonista, gerando esse sentimento de “Vai logo”.

Por isso o paralelo é importante, em momento nenhum enquanto eu jogava Nier me senti no modo “Volta logo para o jogo” porque cada cutscene era necessária para contar sua complexa história. Em Stellar Blade sinto que no começo da jornada de EVE você pode até ficar engajado com a história, mas conforme ela vai avançando você pode se cansar de tantos de diálogos sem inspiração e queira só partir para ação de uma vez.

A espada estelar

Reprodução/Shift Up - O drone de Adam é o único companheiro durante a aventura de EVE pelas terras áridas.

O combate do jogo chega a ser poético, por ser tão bem feito e polido. Como o jogo mimetiza o combate soulslike, aqui defender é mais essencial do que atacar. Os movimentos contam com diversas oportunidades de defesa, por exemplo, assim como nos souls é possível defender um golpe sem tomar dano, se você acertar o exato momento que golpe iria atingir EVE, ou ainda você pode apertar o Bolinha e evadir do golpe, onde EVE se joga para trás se afastando dos ataques. Ainda existe uma terceira e quarta forma, uma de teletransporte e de repelir, que ambas só podem ser utilizadas em ataques específicos e, se utilizadas no tempo certo, podem evitar muito dano ou até uma possível morte.

As árvores de melhorias incluem muitas habilidades, algumas que são carregadas durante o combate. Conforme EVE bate nos Naytibas, uma barra carrega e a permite desferir golpes mais fortes dessa lista de quatro “poderes”, que tiram uma porcentagem maior de vida dos inimigos que os ataques de espada. 

Além disso, existe, um pouco mais na frente do jogo, uma arma que permite dar tiros a longa distância, que não tem um dano muito forte e logo você concluiu que ela não será muito utilizada ao longo do jogo — assim como arco e flecha em Elden Ring, por exemplo —, porém o jogo surpreende colocando uma fase inteira que o jogador exige que apenas a arma pode ser utilizada, colocando em cheque a mira de EVE e estabelecendo uma curiosa nova gameplay e que me surpreendeu pessoalmente com um nível inteiro naquele estilo de jogo de tiro e até um chefe que só podia ser derrotada pela arma.

Jukebox e descanso

Reprodução/Shift Up - O combate é de longe o maior destaque da obra, sendo pólido e complexo na medida certa.

EVE sempre encontra uma “fogueira” de Dark Souls. Aqui ela é um acampamento, onde você recarrega sua cura e salva o jogo, mas toda vez que você descansa os inimigos derrotados retornam. Um acampamento pode ser composto de uma máquina de refrigerantes com baterias, uma cadeira de praia, uma vitrola e um painel para atualizar suas habilidades. Um plus de quando se encontra uma dessas é que EVE sempre comenta alguma coisa ou tem uma cena sobre algum evento que tenha acontecido no jogo.

Os gráficos de Stellar Blade são focados em serem cartunescos e não tão realistas, mimetizando o estilo anime que vemos em jogos como Code Vein e Genshin Impact, por exemplo, sendo uma versão atualizada desse estilo sem tentar ser tão fotorrealista quanto outros jogos da indústria. A trilha existe, mas não possui nenhuma música extremamente marcante, e é facilmente ofuscada em qualidade com os efeitos sonoros, os quais são extremamente bem feitos, principalmente os dos Naytibas que enaltecem suas diferentes características, principalmente nas batalhas de chefe.

Existem também diversos trajes de EVE, que podem ser encontrados explorando o cenário ou comprando com algum lojista NPC, após comprado, o esquema o traje pode ser fabricado no acampamento e é disponível para ser trocado a qualquer momento a partir dali. 

Envolto em polêmica

Reprodução/Shift Up - A hipersexualização de personagens femininas nos jogos voltou fortemente ao debate desde o anúncio de Stellar Blade.

Desde o anúncio do jogo, um enorme debate sobre hipersexualização nos jogos voltou a vir à tona por conta do visual de EVE, e a Shift Up sabia disso utilizando a personagem nos materiais promocionais sensualmente. Na primeira onda de impressões do jogo, esse ponto foi fortemente levantado pela IGN francesa. No texto, o jornalista falou que “isso não é novo, e outros jogos optaram por destacar os atributos de seus personagens femininos, mas onde uma Bayonetta se destaca pelo design de personagem icônico, ou uma 2B de Nier Automata inspira uma geração inteira de cosplayers, Eve de Stellar Blade é simplesmente sem graça. Uma boneca sexualizada por alguém que nunca viu uma mulher”.

O texto gerou muita polêmica e mais tarde foi corrigido para “parece que nunca viu uma mulher”, mas a comunidade respondeu o texto apontando que o design tinha sido feito pelo próprio CEO da Shift Up, Kim Hyun Tae, casado com uma das artistas que trabalhou em Stellar Blade e que o corpo de EVE teria sido baseado na modelo sul-coreana Shin Jae-eun, com apenas o rosto da personagem tendo sido elaborado pela equipe.

Acredito que a intenção desde o início fosse fazer uma nova 2B, que também tivesse esse apelo para quem curte o design de personagens, mas a Shift Up perdeu a mão na construção da personagem com o apelo voltado para o público masculino, por isso essa grande quantidade de material promocional. O impacto foi tanto que na primeira atualização do jogo roupas da personagem foram modificadas e jogadores chegaram a pedir reembolso em um protesto patético.

Coreia no topo

Reprodução/Shift Up - As lutas chefe contra os Naytibas mais poderosos são extremamente desafiadoras.

Stellar Blade juntamente com Lies of P foram dois jogos Triple AAA desenvolvidos por estúdios coreanos que alcançaram o mundo do todo, um com distribuição da Sony e o outro com distribuição da Microsoft. É curioso notar como as produções coreanas têm se tornado cada vez mais relevantes, com a chegada dos serviços de streaming desbancando a hegemonia de consumo de conteúdo americano e tendo hoje a série mais assistida da história da Netflix (Round 6) e a expansão cultural da Coreia do Sul para o resto do mundo parece cada dia mais interessada no mercado de games. 

Numa entrevista recente ao The Korea Times, o Ministério da Cultura, Desporto e Turismo do país disse que investirá pesado em novas produções para os games e que sua meta é que, em 2028, a Coreia esteja entre as principais produtoras e desenvolvedoras de games do mundo. Ou seja, a visão de que videogame é o mercado mais rentável do mundo e que o abraço da comunidade em torno de Lies of P e Stellar Blade foram o sinal verde para a Coreia definir uma rota pública para o futuro dos games na península, podemos esperar então novas obras com ainda mais qualidade e polimento do que esses dois jogos.

Considerações finais

Reprodução/Shift Up - A protagonista EVE carece de motivação e tem um desenvolvimento fraco, comparado a outas protagonistas femininas no mundo dos games.

A polêmica que o jogo se envolveu traz novamente um debate importante sobre a retratação de personagens femininas no mundo dos games, já vimos a indústria americana entendendo que esse apelo sensual hoje é defasado e em alguns casos até ofensivo. Um exemplo forte são os visuais mais recentes de Lara Croft em Tomb Raider e Jill Valentine em Resident Evil 3, ambos têm comparativos apelativos no passado, mas mostraram maturidade quando foram trazidos para a nova geração.

Com um combate forte de diferentes níveis de complexidade, utilizando inspirações como Devil May Cry e Dark Souls, Stellar Blade carece de história e carisma dos personagens, mas compensa com uma boa luta durante as fases, contendo diferentes métodos de gameplay ao longo da sua campanha que podem surpreender o jogador, algumas missões paralelas divertidas, uma exploração decente, uma movimentação ótima, além de uma árvore funcional de evolução de habilidades. 

Stellar Blade chegou com dublagem e legendas em português do Brasil no final do mês de abril e o jogo está disponível exclusivamente para PlayStation 5.

*Esta review foi feita com uma cópia enviada pela Sony PlayStation Brasil

 

Mais Lidas

Reprodução/Shift Up - As lutas chefe contra os Naytibas mais poderosos são extremamente desafiadoras.
Reprodução/Shift Up - A missão da protagonista é a caçar o monstro supremo conhecido como Naytiba Alfa.
Reprodução/Shift Up - A hipersexualização de personagens femininas nos jogos voltou fortemente ao debate desde o anúncio de Stellar Blade.
Reprodução/Shift Up - O drone de Adam é o único companheiro durante a aventura de EVE pelas terras áridas.
Reprodução/Shift Up - O combate é de longe o maior destaque da obra, sendo pólido e complexo na medida certa.
Reprodução/Shift Up - A protagonista EVE carece de motivação e tem um desenvolvimento fraco, comparado a outas protagonistas femininas no mundo dos games.
Reprodução/Shift Up - O primeiro jogo grande do estúdio coreano traz muita ação e um combate refinado para os jogadores.