Um interesse de infância, que se tornou uma paixão de adolescência e passou a ser uma referência na vida adulta. Esse é Bob Dylan para a cantora Cat Power. A artista vem ao Brasil para uma apresentação única em que revive o repertório do histórico show do ídolo em 1966 no Royal Albert Hall. Ela sobe ao palco no C6 Fest, em São Paulo, e espera fazer uma homenagem à altura do amor que sente pelo cantor e vencedor do Nobel da Literatura. O show será no domingo, 19 de maio, no Parque do Ibirapuera em São Paulo.
Cat Power, nome artístico de Charlyn Marie "Chan" Marshall, é uma artista da cena alternativa norte-americana que está na estrada desde 1995. Atualmente, com 52 anos, ela já experimentou diferentes formas de música dentro da própria trajetória: são 12 projetos de estúdio contando versões e coletâneas. A mais recente é a de cantar Dylan, no álbum intitulado Cat Power sings Dylan: the 1966 Royal Albert Hall concert.
Apesar de sempre fazer parte do movimento underground, Cat Power acumula mais de 1,5 milhão de ouvintes mensais no Spotify e centenas de milhões de reproduções nas próprias músicas. A faixa mais bem- sucedida no streaming é Sea of love, que conta com mais de 100 milhões de plays nas plataformas. O disco de maior destaque da obra dela é The Greatest, lançado em 2006.
No entanto, antes mesmo de ser uma artista, Chan já desenvolvia uma relação bonita com as músicas de Bob Dylan. "Quando ouvia Dylan, eu sentia que tinha um parceiro, alguém falava coisas com as quais eu me relacionava", lembra a cantora em entrevista ao Correio.
Cat Power lembra que se interessou por ele principalmente pelo fato de não considerá-lo uma unanimidade. "Eu fui criada pela minha avó e, quando conheci meus pais, eles tinham um estilo de vida que era drogas e rock n' roll o tempo todo. Eles faziam parte de bandas, eu vivi com artistas que me apresentaram todo o tipo de música. Porém, percebi que toda vez que tocava Bob Dylan, os adultos agiam estranho", conta a cantora. "Aprendi desde cedo que havia uma controvérsia sobre esse cara que fazia os adultos discutirem. Ninguém falava coisas ruins do Jimi Hendrix, dos Beatles ou dos Allman Brothers, mas com o Bob as pessoas ficavam na defensiva", explica.
"Com o Bob é tudo profundo, as pessoas amam ou odeiam. Eu mesma achava ele muito incrível", destaca a musicista, que, aos poucos, foi intensificando os sentimentos por ele. O que era um estranhamento na infância mudou aos 19 anos, quando assistiu Don't look back, documentário de 1967 que acompanha a turnê britânica de Dylan após ele trocar o violão pela guitarra elétrica, e se apaixonou pelo homem que tomava a tela. "Achei ele bonitinho, atraente e inteligente. Eu, realmente, desenvolvi sentimentos pelo Bob Dylan do passado", recorda.
Porém foi na poesia que o cantor a ganhou. Quando pequena, ela não entendia as palavras, só questionava as críticas, mas, com o amadurecimento, ela encontrou o parceiro de quem tanto fala. "Conforme envelheci, eu já tinha afinidade por ele e pela rebeldia dele, sentia que ele escrevia para mim. Ele explicava coisas que eu não enxergava antes", revela. Chan passou por mais de 13 escolas, afinal era "rebelde demais", ela também começou a trabalhar muito cedo. Muitas vezes, o único companheiro que tinha estava na agulha da vitrola. "Ele canta sobre a sociedade, uma sociedade que eu tive que lidar desde cedo", destaca.
Para a cantora, havia algo de tão distinto na alma do trabalho de Dylan, uma aura única em um trabalho capaz de mudar o mundo, assim como ele fez quando decidiu plugar o instrumentos elétricos na música folk norte-americana. "Eu me apaixonei por esse cara jovem que, com maestria, dominava a elegância e a potência da humanidade sozinho, apenas portando um violão e uma gaita. Tudo isso de forma muito rebelde", conta.
Porém, agora é a hora da Cat Power dar a própria voz a um trabalho que marcou gerações. A gravação de Dylan no show do Royal Albert Hall, em Londres, em 1966, é considerada um marco na música e tem algumas das versões mais amadas pelo público. A cantora decidiu em 2023 fazer a mesma setlist no mesmo local décadas depois. A procura foi tão grande que ela viu a necessidade de gravar o momento. "Eu estou muito empolgada porque não imaginava que ia sair em turnê com esse show. Eu só gravei porque meu selo pediu , porque o show do Royal Albert Hall teve uma demanda muito alta", pontua.
Necessidade de revolução
A possibilidade de um show cantando Bob Dylan no Brasil anima Cat Power não só pela relação que tem com o país. "Eu amo o Brasil, mal posso esperar para voltar", brada a cantora no momento em que o país foi citado em uma das perguntas. Porém, ela acha que o país precisa das palavras do poeta folk, porque elas inspiram mudança. "Essa gravação veio em um momento antes de várias revoluções ocorrerem. A juventude atual precisa saber que não deve ter medo olhando para as adversidades."
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A cantora mostrou estar consciente da situação política e social do Brasil e citou o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. "Parte do meu motivo de ser artista é auxiliar pessoas mais jovens a se sentirem destemidas. Pessoas como vocês do Brasil precisam disso, vocês lidaram com um horror no governo Bolsonaro e foram para as ruas", reflete. Chan percebe que a obra de Dylan é capaz de reduzir esse medo. "Um dos meus principais objetivos é levar essa música pelo mundo para que os mais jovens possam aprender quem era o Bob Dylan na época."
Cat Power se sente uma pequena gota em um mar. Portanto, não exagera na importância do que tem feito nesta turnê. "Não necessariamente essas músicas vão gerar essa mudança. Porém, se olharem para o passado e entenderem o contexto trazendo para atualidade os jovens vão sentir menos medo", pontua. "Os mais novos precisam ser lembrados de quão poderosos são. Toda revolução começa pela juventude e estamos precisando de uma revolução", exalta.
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