Há cinco anos, um disco entrava para a história da música brasileira. Com uma mistura do rap pelo qual já era conhecido, traços de MPB e samba, Emicida apresentava, em 30 de outubro de 2019, AmarElo. O álbum atravessou a pandemia, ganhou documentário e gravação ao vivo na Netflix, chegou aos palcos, fez mais de 120 apresentações em nove países e 55 cidades. Agora, a apresentação, que é chamada pelo rapper de espetáculo, chega ao que foi intitulada a Gira Final, uma última série de shows com banda completa pelo Brasil para encerrar esta etapa da carreira. Brasília recebe todo este aparato nessa sexta.
O espetáculo é uma despedida de um dos trabalhos mais bem-sucedidos da carreira de Emicida, mas também é um passeio pela trajetória do artista que é, atualmente, um dos mais populares e respeitados do país. "Ele recebeu muitas músicas novas em relação às outras apresentações, tem tudo aquilo que pedem e a gente não toca há muito tempo", brinca o artista em entrevista ao Correio. O cantor adianta que a média da apresentação tem sido três horas e que será muito diferente das últimas três vezes que passou por Brasília no Sesc Rap de Ceilândia, Na Praia e Funn Festival, respectivamente.
O rapper exalta o próprio álbum como necessário, mas não de uma forma pretensiosa. Ele percebe que o AmarElo durou por todo esse tempo. Pois, tanto ele, quanto o público que o acompanha precisavam dessas músicas e dos momentos de comunhão que elas proporcionam. "No momento de retornar a gente refletiu muito se voltava ou não com o espetáculo, ou se já lançava um outro disco. A conclusão a qual à gente chegou vendo a expectativa do público é que a gente fez uma coisa acertada de levar esse espetáculo para rua", afirma. "Acho que as pessoas precisavam dele, o disco precisava ser executado ao vivo, mas do ponto de vista pessoal, eu também precisava", contempla.
Contudo, todo esse processo faz parte de uma despedida de Emicida e do AmarElo. "Pode ser um adeus, em um outro momento, no futuro, de repente a gente faz um revival, se as pessoas precisarem dele, mas eu acho que é bom virar essa página", destaca o rapper. Ele sabe que não é fácil, mas quer mudar. "Com um grande aperto no coração, assim, mas eu acho que o Mário Quintana tem um poema maravilhoso onde ele diz que poesia é insatisfação, o poeta satisfeito não satisfaz", pontua.
Emicida quer viver uma nova urgência de criar. Ele entende que a vez do AmarElo passou, mas o que ele trouxe fica. "Existe uma outra ambição artística de dar continuidade, contar outras histórias também. Produzir outros em estados de espírito com a música, isso é uma coisa que eu tenho sentido vontade há algum tempo", conta.
A capital do rap
Cantar a carreira em Brasília é especial para Emicida. O cantor já passou por praticamente todos os principais festivais da capital e sempre teve uma boa relação com o público. Um dos principais atestados da pureza dessa relação veio dos fãs que esgotaram em horas os ingressos para o show do artista no Sesc de Ceilândia lotando o evento.
Mas, o mais bonito da relação de Emicida com Brasília é o afeto que recebe dentro da cena artística local. "Eu tive a oportunidade de ser muito bem recepcionado por vários artistas de Brasília desde o começo", lembra. O cantor cita a grandeza de Alexandre Carlo, vocalista do Natiruts, e chama X Câmbio Negro de: "entidade viva diante dos meus olhos", e pontua a bonita relação com Japão do Viela17. "Japão, por exemplo, foi um cara que me disse muitas coisas muito valiosas ao longo da minha trajetória nos momentos que a gente se encontra isso é algo pelo qual eu agradeço sempre", confidencia.
"Brasília tem um estoque de rappers que a deixa muito bem assistida", declara Emicida, que espera encontrar esses caminhos da estrada toda vez que sobe ao palco. "Quando o assunto é rap, eu fico muito feliz de ver essa rapaziada nos espetáculos que faço aí. Porque mais do que o espetáculo, também é a chance de dar um abraço em alguns amigos que são colegas de profissão", fala.
Duas faces
O disco gerou mudanças importantes na carreira de Emicida, mas também para a vida pessoal do cantor. A figura Emicida se divide de Leandro Oliveira, nome de batismo do artista, por razões óbvias. Porém, há dois Emicidas também: o músico e a figura pública. "Eu acho que esse é o nosso desafio. Porque assim, a gente toca pelo planeta inteiro. Tocar pelo planeta inteiro me traz uma reflexão muito bonita que é: olhando friamente, a gente faz música", reflete o artista. " A gente pode ter nossas ideias. A gente pode ter nossos valores e tem eles muito bem demarcados. Porém, a questão é: existe ali também uma experiência artística que tá aberta para quem se identificar com aquilo", complementa
O músico busca sempre fazer a distinção entre o que vem dele e o que vem das expectativas criadas em relação à imposição de uma imagem. "Porque as pessoas criam e idealizam um personagem. Eu também não tenho nenhuma responsabilidade com esse personagem, a não ser minha entrega musical", analisa o artista que vê os dois lados dessa moeda: "O fato de as pessoas se identificarem com esse personagem me deixa feliz. Fico lisonjeado com o carinho que ele recebe".
Entretanto, o rapper está trilhando o caminho para se dividir deste personagem para os fãs. "Eu estou buscando, de várias maneiras, me conectar cada vez mais com essa pessoa de verdade que eu sou, porque minha música nasce das esperanças e das angústias dessa pessoa de verdade", destaca. É uma necessidade o autoconhecimento durante toda esta caminhada. "O volume de coisas que eu vivi, olhar no espelho e me considerar um personagem seria uma derrota", completa.
O fato trouxe um Emicida que é de todos e para todos. Um público muito mais amplo e distinto se identifica com o cantor. "A gente conseguiu expandir algo que a gente faz muito bem desde o começo, que é mostrar que aquela experiência artística pertence a todo mundo que se identifica com ela", exalta o rapper.
Futuro
"Quem segura o dia de amanhã na mão?", pergunta o pastor Henrique Vieira em trecho de poema escrito para canção Principia, que abre o disco AmarElo. Emicida parece gostar de ver o futuro fluir. Mesmo sempre preocupado com os próximos passos, ele não quer resolver imediatamente depois dessa despedida de um álbum que se tornou um amigo para tanta gente. "Anunciar que a turnê vai encerrar é abrir espaço para que a gente observe nossa trajetória também, pensar nos próximos passos. Sabe, também não gostaria de ficar pensando muitas pessoas alimentam a ideia de que é isso quando acabar a turnê do AmarElo, a gente vai colocar já um novo disco na rua e eu não gostaria que essa fosse a conclusão", crava.
O músico adianta que ficará parado entendendo o processo que passou e o momento em que está, sem trabalhos novos. "Preciso de um tempo de reflexão a respeito de tudo que a gente fez e viveu. Eu acho que esse tempo é o próximo semestre", comenta.
Emicida quer viver um dia de cada vez, aproveitar o que há para aproveitar das descobertas e experiências da própria vida e carreira. "Eu acho que a coisa mais deliciosa disso, é estar no meio do processo", acredita. "A questão é o que você construiu para chegar até lá. As mudanças e as transformações que aconteceram com você até chegar até lá", acrescenta.
No entanto, o caminho que ele começou a trilhar no AmarElo tem o DNA que ele gostou para a própria música. "Eu acho que eu encontrei um caminho musical que me apetece. Eu quero explorar ele ao máximo. Porque tem outras formas de fazer isso. O que a gente viu talvez seja a forma mais serena de fazer isso", analisa. "Eu acho que dá pra fazer isso agora com mais barulho mesmo, deixá-la mais pesada. Talvez sincronizar esse Emicida, que as pessoas são saudosas, o Emicida dos primeiros discos", antecipa.
Emicida em AmarElo - A Gira Final
Sexta-feira (12/4), na Arena Lounge do Estádio Mané Garrincha. A partir das 20h30 com abertura dos portões às 19h. Os ingressos custam a partir de R$ 125 mais taxas e estão disponíveis na plataforma Ticketmaster
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