Os Estados Unidos não são mais um só país. As regiões ao oeste do país se unem e formam exércitos para tomar a Casa Branca e instaurar uma nova realidade social após o presidente exercer mandatos autoritários e piorar a qualidade de vida dos norte-americanos. O país vira um grande campo de guerra e jornalistas de todas as partes e veículos precisam acompanhar de perto essas batalhas sangrentas que se desenvolvem em vários pontos da nação. Esse é o enredo de Guerra civil, novo longa da A24 dirigido por Alex Garland e protagonizado por Kirsten Dunst e Wagner Moura.
O longa segue uma fotógrafa e um repórter da Reuters que estão em busca de fazer o que ninguém teria coragem, uma entrevista com o presidente dos Estados Unidos horas antes de Washington DC ser invadida pelos exércitos rivais que têm o intuito de executar o líder máximo do país. Lee, personagem de Dunst, vive um impasse, uma vez que não entende mais o sentido de viver e fotografar tantas desgraças; enquanto Joel, interpretado por Moura, se entorpece da adrenalina da guerra, além de álcool e remédios controlados. Se juntam à jornada Jessie, uma jovem que sonha em ser uma fotógrafa de guerra como Lee, vivida pela atriz Cailee Spaeny; e Sammy, um repórter idoso que nunca conseguiu largar o osso do jornalismo e serve de ancião para o grupo. O grandioso Stephen McKinley Henderson interpreta esse personagem.
O filme, para além do drama dos personagens, é uma discussão sobre a forma como os Estados Unidos e o mundo como um todo estão passando por um período sombrio de dois lados muito bem delimitados em constante conflito. "Esse é um filme que fala de muita coisa, mas é, sobretudo, um alerta para os perigos da polarização, de tratar tudo como preto no branco", afirma Wagner Moura em entrevista ao Correio. "Na minha opinião, a maior ameaça às democracias modernas hoje é essa dicotomia", pontua o ator, que garante que de preto e branco só as fotografias da personagem de Spaeny.
A base do filme é a crítica aos dois lados, a todo momento são mostradas as dimensões perversas dessa dicotomia que Wagner Moura menciona. Os jornalistas que estão na caminhada pela notícia se mantêm neutros na situação que é crítica e não tomam qualquer posição. Afinal, a ideia não é levar o público a dizer o que é certo ou errado e, sim, mostrar as mazelas desta guerra na perspectiva de quem entende os campos de batalha como civil e não como soldado. "Este é, evidentemente, um filme político, mas não toma partido, ou tem nenhuma orientação ideológica, se não jamais seria um filme anti-polarização ou anti-guerra da forma como se propõe", destaca Moura. Guerra civil não toma um lado, mas em momento nenhum se mantém em cima do muro.
Segundo o balanço de 2023 do portal Repórteres Sem Fronteiras, ao menos 45 jornalistas morreram no exercício da profissão e, aproximadamente, 521 outros profissionais da comunicação estão presos em situações arbitrárias por puramente exercerem a própria profissão. A importância de um filme como Guerra civil é justamente despertar a consciência de um público sobre como o jornalismo tem sido tratado em uma era de extremos e polarizações. "A polarização é também bastante influenciada pelo declínio do jornalismo como instituição importante da democracia e o avanço das narrativas falsas, fake news e das bolhas em que conservadores só consomem conteúdos conservadores e progressistas da mesma maneira", afirma o ator.
Os personagens dos filmes vivem um cotidiano de maldade que os deixa mal acostumados ou até anestesiados, mas, ao mesmo tempo, isso é parte do trabalho. "É um pouco contraditório, porque um jornalista como Joel está no front há muito tempo, já viu muita coisa. Ele, de certa forma, está anestesiado, as imagens não o chocam mais. No entanto, o trabalho dele é trazer essas histórias e imagens para de alguma forma sensibilizar as pessoas sobre os horrores da guerra", analisa o ator, que estudou para passar justamente o ponto de vista por Alex Garland, que além de dirigir, roteiriza a história. "Li muitos livros e conversei com vários jornalistas que estavam no front de guerra, principalmente para saber o que eles sentiam. Não era para saber como eles faziam o trabalho deles, mas o que o cara sente sendo um civil no meio dos campos de batalha", comenta.
Wagner Moura faz um paralelo do longa que se concentra na realidade que o mundo vive após a pandemia e com acesso maior, mais fácil mais rápido à informação a todo tempo. "A discussão é mais profunda, porque tem tanta imagem. Às vezes, fico vendo meus filhos com os aplicativos que ficam passando uma imagem atrás da outra. Isso me faz pensar se, nessa saturação, o trabalho de sensibilizar ainda afeta as pessoas", reflete.
Wagner compara a vida do jornalista de guerra a de um soldado, ou de um policial do Bope que sobe os morros, como Capitão Nascimento, que interpretou em Tropa de elite. Para o ator, é preciso encontrar um estado mental que impeça que os questionamentos sejam maiores que o retorno que um trabalho tão frio e difícil traz. "São vários questionamentos que passam por esses personagens e eles não podem sucumbir a eles: 'o que eu estou fazendo tem algum sentido? Vai ter alguma importância? Eu vou transformar alguma coisa com isso? Ou nada vai mudar?'", explica Wagner Moura. "Embora as imagens já não mudem muita coisa, tem uma hora que bate uma viagem existencial. Os soldados também têm muito isso", percebe.
Amor à vida
Jornalista de formação, Wagner Moura interpreta o segundo repórter recente na carreira. "Antes de fazer Guerra civil, eu fiz uma série que se chamava Iluminadas, da Apple TV , em que eu interpretava um jornalista investigativo. Foi um barato, porque eu tive a oportunidade de me reconectar bastante com o jornalismo, os jargões e todas essas coisas", lembra o ator, que aprendeu novidades no novo personagem. "O jornalismo de guerra é um negócio muito diferente. Eu nunca tinha conhecido um correspondente de guerra e olha que a maioria dos meus amigos em Salvador são jornalistas. Mas é, realmente, outro mundo", pontua.
Essa vontade de seguir e aprender de Moura se reverte nos papéis que aceita fazer. Seja na vontade de lutar do Capitão Nascimento, no bom humor de John Smith, na série Sr. e Sra. Smith, ou no apetite pela pauta de Joel, os personagens de destaque do ator são enérgicos e gostam de viver. "Eu gosto muito de personagem que quer viver. Gosto muito de assistir filmes nos quais vejo que o personagem tem uma vontade de estar vivo. Gosto muito de ver personagem dançando, gosto de cenas de sexo, quando bem filmadas. Porque tudo isso tem uma coisa de vida, de estar vivo, de querer seguir existindo", conta. "Eu tenho tesão pela vida e pelo que faço e gosto de ver isso no cinema, nos filmes", complementa.
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