ENTREVISTA

"Estava cercado de nuvens quando vi Brasília", diz Climério Ferreira

Ao Correio,o poeta e compositor relembra do voo que o trouxe à capital do país no início dos anos 1960, dos tempos em que era professor da UnB e da estreita relação com os versos

Climério Ferreira: poeta autografa A música imóvel do tempo no Beirute -  (crédito: Rafael Ohana/CB/D.A Press)
Climério Ferreira: poeta autografa A música imóvel do tempo no Beirute - (crédito: Rafael Ohana/CB/D.A Press)

A cultura de Brasília deve muito a Climério de Sousa Ferreira, um nordestino natural de Angical do Piauí, nascido em 27 de março de 1943. Ele é contemporâneo de outro grande poeta piauiense, Torquato Neto, que veio ao mundo em 9 de novembro de 1944, justamente em Teresina, onde Climério Ferreira viveu parte da infância e da adolescência. Talvez, ainda crianças, tivessem se encontrado em alguma rua da antiga capital piauiense. Mas os dois jovens poetas seguiram destinos diferentes. Enquanto um se alinhou ao tropicalismo de Caetano, o outro enveredou pela vida acadêmica, iniciada justamente na Universidade de Brasília (UnB), aos 18 anos.

"Na verdade, quando resolvi sair de Teresina, tinha como opções o Rio de Janeiro ou Brasília. A minha escolha foi determinada pela UnB. Uma universidade inovadora, ousada e profundamente nacionalista", ressalta Climério ao Correio. Jornalista, professor e poeta, também foi, durante cinco anos, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos (SP), a convite de Fernando Mendonça, mentor e primeiro diretor do instituto criado dos moldes da agência espacial norte-americana, a Nasa.

De gigantesca humildade, o poeta é suave na voz e nas palavras que escreve, sem deixar de ser profundo e pleno — lembra um haicai de Bashô, um deslumbramento de Manoel de Barros ou um conto alefiano de Jorge Luis Borges. "Como tento escrever de uma maneira mais simples, mais direta, alguns versos são musicados por muitos parceiros de várias partes do país. Eu gosto disso!", confessa, sem esconder certa timidez. Depois de ser aluno, aposentou-se em 1992 como professor da Faculdade de Comunicação da UnB, mas a literatura e a música continuam vigorosas. Gosta de publicar poemas nas redes sociais como um exercício de vida.

Entre as décadas de 1970 e 1980, formou, ao lado dos irmãos Clodo e Clésio, um icônico trio que marcou seu tempo. Tem mais de 100 composições gravadas por diferentes intérpretes como Ednardo, Fagner, Belchior, Dominguinhos, Elba Ramalho, Amelinha, Milton Nascimento e Fernanda Takai, segundo registra em sua biografia na Academia Piauiense de Letras, onde ocupa cadeira 36, que tem como patrono Vicente de Paulo Fontenele Araújo.

Muito da história do grupo Clodo, Clésio e Climério será contada na biografia Profissão dos sonhos, livro escrito pelo jornalista Severino Francisco, com previsão de lançamento para este semestre. Confira abaixo conversa com o mestre Climério: 

ENTREVISTA / Climério Ferreira

Como foi ver a imensidão de Brasília pela primeira vez, um rapaz cheio de sonhos vindo do Piauí? Qual imagem que mais te marcou?

Quando eu vim para Brasília (em 1962), era a minha primeira viagem de avião e estava apavorado, desatento, com medo de cair (risos). Mas, lá no alto, cercado de nuvens, senti uma sensação maravilhosamente nova. Algum tempo depois pude me aproximar de uma janela: eis que pude ver desenhado no solo um aeroplano com suas duas asas. E eu, que vinha de uma cidade planejada em épocas passadas (Teresina), com um sistema de ruas entrecortadas, ficava matutando como seriam as entradas e saídas desse inusitado planejamento urbano que via lá embaixo.

Viver na capital do país era diferente? 

No final das contas, não seria aquele Plano Piloto o meu destino inicial. Fui parar no Núcleo Bandeirante, também conhecida como Cidade Livre, mais precisamente na 4ª Avenida. Lá, vivi por uns dois anos quando chegou o resto da família. Fomos morar em Taguatinga. Isso, creio, nos deu uma visão diversificada dessa nova cidade em construção.

A Universidade de Brasília foi sua casa desde o começo... Como foi sua trajetória acadêmica?

Na verdade, quando resolvi sair de Teresina, tinha como opções o Rio de Janeiro ou Brasília. A minha escolha foi determinada pela UnB. Uma universidade inovadora, ousada e profundamente nacionalista. Além do mais, oferecia cursos atraentes. Passei no vestibular em duas opções: direito e jornalismo. Tinha de escolher uma. Também fiz curso de cinema, de televisão e de jornalismo, no qual me diplomei e me sindicalizei. No último semestre (na UnB) fui fazer estágio de produção na TV Cultura, em São Paulo. Num seminário da Universidade de São Paulo (USP), assistimos a uma explanação do dr. Fernando Mendonça (fundador e primeiro diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe) sobre um projeto que iria implantar em São José dos Campos (SP) e ele nos ofereceu a oportunidade de participar, ao lado de estudantes de várias partes do país, de um curso que selecionaria 30 para participar da equipe de pesquisadores do Projeto Saci (sigla de Satélite Avançado de Comunicação Interdisciplinar). Lá ficamos por cinco anos produzindo material audiovisual de educação à distância. O Inpe, depois de três anos, montou um curso de mestrado. Cursamos e nos diplomamos lá. De posse do diploma e a desativação do projeto, fui convidado pelos professores Marco Antonio Rodrigues Dias e Salomão Amorim para fazer o concurso de professor da Faculdade de Comunicação da UnB — para a minha felicidade: voltar a Brasília e para a UnB.

A poesia e a música surgiram em sua vida num mesmo momento?

Antes de deixar o Inpe, publiquei meu primeiro livro, Memórias do Bar dos Pedro & Outras Canções. Chegando em Brasília, a coisa desandou e vieram mais livros (risos): Canto do Retiro, A Gente e a Pantasma da Gente, Essa Gente (com o artista plástico Duarte), Artesanato Existencial, Pretéritas Canções, Memorial de Mim, Da Poética Candanga (poesia sobre poesia), Poesia mínima & frases amenas, Poesia de Quinta, O Destino Azul das Estrelas, Canções de Amor & Desespero, A Música Imóvel do Tempo e o inédito Poemas Reunidos (a ser lançado este ano). A propósito: a minha alma não se aceita poeticamente regional. Embora ela esteja impregnada de memória piauiense, ela não se acha poesia piauiense. Embora more e viva desde 1962 em Brasília, não me arvoro de ser poeta local. A minha poesia é imprevisível, às vezes engraçada, outras participante. Ela vem quando e como quer. Como escrevo sempre, algumas vezes não acerto. O fato é que essa poesia imponderável me levou à Academia Piauiense de Letras, mesmo eu não me considerando um acadêmico típico. Teve um tempo que eu até pensei que seria lembrado como um imortal brasiliense (risos). Como tento escrever de uma maneira mais simples, mais direta, alguns versos são musicados por muitos parceiros de várias partes do país. Eu gosto disso!

Como surgiu o trio Clodo, Clésio e Climério?

Eu sou irmão de dois dos melhores compositores da nova MPB: Clodo & Clésio. Não foi difícil juntar-me a eles. Começamos a compor várias canções. Tínhamos na época amigos que traziam as mesmas ideias. Viramos parceiros — mas ninguém era famoso. Ao lado dos meus irmãos fizemos seis Long Plays (LPs), nos quais reunimos 62 canções que compomos.

Nos anos 1970 veio a fama musical, como foi lidar com a vida acadêmica, já professor da UnB e a carreira?

Quando as músicas começaram a aparecer na mídia, por intermédio de amigos parceiros e de intérpretes, os nossos alunos (da UnB) ficaram felizes porque, de algum modo, eles faziam parte disso.

Tem um projeto de livro de poemas em andamento?

Eu sempre tenho projetos de livros em andamento. O livro Poemas Reunidos deverá ser lançado este ano. E tenho pronto, e ainda inédito, um livro de poesia cujo o título provisório que estou lhe dando é: A Carta Lírica.

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postado em 11/04/2024 06:26 / atualizado em 11/04/2024 06:26
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