Luciano Mallmann encerra esta semana a participação em Elas por elas como Carlinhos, mas já emenda um segundo trabalho. É que ele entra no ar em Justiça 2, que estreia na quinta-feira (11/4) no Globoplay, e foi gravada no Distrito Federal. O ator gaúcho, que participou, pela primeira vez aos 33 anos de carreira e 52 de vida, de uma novela com um personagem fixo, agora dá vida a Cassiano, um ex-nadador de alta performance que teve uma carreira bastante promissora interrompida porque sofreu um ataque muito violento que o deixou paraplégico.
Ao contrário da releitura da obra de Cassiano Gabus Mendes que chega ao fim na sexta-feira, na produção assinada por Manuela Dias, a deficiência física é explorada como mote do sentimento de busca pela reparação que move o personagem, intimamente ligado ao protagonista Balthazar (Juan Paiva).
Confira a entrevista ao Correio.
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ENTREVISTA / LUCIANO MALLMANN
Seu personagem em Elas por elas não aborda claramente a deficiência física. Qual é a importância disso para você?
Uma das etapas fundamentais para que a inclusão seja efetiva é que haja a naturalização da deficiência. A convivência é muito importante dentro desse processo e nem todo mundo tem a oportunidade de entender que a deficiência não é o que define exclusivamente uma pessoa, é apenas uma de suas características dentre tantas outras. O Carlinhos, personagem que interpreto, está inserido na novela de forma natural. A deficiência não é o que justifica a sua existência na história. Ele trabalha, tem amigos, se apaixona como qualquer outra pessoa. E a novela, através do seu grande alcance e alto poder de impacto, contribui para quebrar paradigmas e preconceitos e aproximar a realidade das pessoas com deficiência de muita gente. Para mim, que sou cadeirante, é incrível a oportunidade de interpretar um personagem como o Carlinhos e poder contribuir efetivamente para este processo. E enquanto ator, consigo mostrar diferentes possibilidades de meu trabalho estando presente em diferentes cenas que vão além do tema deficiência.
Houve uma preparação especial para seu personagem em Justiça 2?
A fase de preparação é uma das etapas que mais gosto no processo. Nosso preparador de elenco foi o Jefferson Miranda. Com ele me encontrei várias vezes, junto com meus colegas, e esse trabalho foi fundamental para estarmos todos no mesmo tom e seguros de nossa cumplicidade em cena.
A preparação corporal foi da Marcia Rubin. O Cassiano, meu personagem na série, é cadeirante por ter uma lesão medular muito parecida com a minha. O foco principal não era construir uma postura corporal diferente da minha para interpreta-lo, mas o trabalho desenvolvido com a Marcia foi muito importante para eu ter consciência da minha presença e do meu corpo em cena. Além disso, tive encontros para trabalhar prosódia com a Íris Gomes.
E em Justiça 2, sua trama nasce de um crime de homofobia. De que forma você acredita que a gente deve lutar contra esses preconceitos ainda tão presentes na sociedade?
Em primeiro lugar, precisamos entender que todos nós somos preconceituosos em desconstrução e estarmos atentos para não reproduzir pensamentos, opiniões e julgamentos dessa natureza. Sempre que possível, deixar claro para quem está ao nosso lado de que esse tipo de comportamento não cabe mais. Estamos em 2024, com acesso a todo o tipo de informação e não temos mais espaço e nem desculpa para isso! Essa mudança cultural é responsabilidade de todo mundo. Acredito também que é fundamental um trabalho de educação e conscientização que envolva todas as instituições que possam fazer parte do processo educacional de uma pessoa (família, escola, igreja, governo...). Ninguém nasce preconceituoso, isso é algo que também é ensinado. A luta contra o preconceito deve ser individual, mas sobretudo um esforço coletivo e organizado. Eu me sinto honrado de fazer parte de Justiça 2, interpretando um personagem que aborde este tema e que, através da arte e do meu trabalho, eu possa contribuir de alguma forma para mudar esta triste realidade.
A série aborda a vingança, e isso se reflete fortemente no seu personagem. Alguma vez você sentiu esse desejo de fazer justiça com as próprias mãos?
Vingança é uma palavra muito forte. Mesmo quando me refiro ao meu personagem na série, não digo que ele quer se vingar e sim que busca fazer justiça de acordo com o seu ponto de vista, de acordo com o que ele acredita ser o certo. Eu, Luciano, acredito que sou uma pessoa justa e por isso sempre vou defender o que acredito e principalmente as pessoas que gosto. Mas nunca gastei e remoí minha energia em tramar e executar qualquer tipo de vingança pessoal por algo que tenha me atingido. Se for preciso, é óbvio que vou tomar as providências necessárias. Mas, principalmente, eu deleto a pessoa da minha vida e isolo pra sempre, como já aconteceu. Eu respeito a lei de causa e efeito e entrar nessa energia só aumenta esse ciclo.
Você gravou em Brasília? Já conhecia a cidade? Como é a sua relação com a capital e como passou a enxerga-la?
Eu adoro Brasília e tenho um sentimento de gratidão imenso pela cidade. Quando eu me acidentei, fui direto do hospital em que fui operado no Rio de Janeiro para a Rede Sarah de Brasília, importante centro de reabilitação e referência no mundo todo. Fiquei seis meses direto internado, recebendo todo o apoio necessário, entendendo o que é uma lesão medular e tudo o que ela implica. Além da oportunidade de troca com outros pacientes de todo do Brasil, conheci muitos profissionais incríveis (enfermeiros, fisioterapeutas, professores, médicos) que foram fundamentais para eu enfrentar esta nova etapa na minha vida. Ser paciente do Sarah e estar em Brasília fez tudo ficar menos difícil. Em 2018, eu participei com muita alegria do festival Cena Contemporânea de Brasília com meu monólogo teatral Ícaro e me apresentei em quatro Sescs: Taguatinga, Ceilândia, Gama e no Sesc Garagem no Plano Piloto. Agora, voltar para gravar Justiça 2 foi um presente que só aumentou a minha relação de carinho com a cidade. Brasília é uma das cidades que mais gosto no nosso país, onde poderia morar com certeza.
Ser cadeirante e estrear na TV em uma novela aos 50 anos. Que mensagem você deixa para as pessoas que podem se inspirar na sua conquista?
Eu não sou muito bom em dar conselhos. Todos nós somos diferentes, cada pessoa tem a sua história e motivações específicas. Nem sempre as coisas acontecem no tempo que a gente gostaria e as oportunidades (ou a falta delas) são justas diante de nosso trabalho e esforço. Mas tenho certeza que uma das coisas que me fortaleceu como artista foi quando eu passei a produzir meus projetos após ter me tornado cadeirante porque acreditei naquele momento que minhas oportunidades teriam diminuído. Ter essa autonomia fez com que eu tivesse a consciência de que podemos trabalhar sem esperar sermos aprovados em um teste ou convidados para um trabalho e, o mais importante, podemos produzir os projetos que desejamos.
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