“Gênero musical é um conceito interessante. Na teoria eles têm definições simples e fáceis de entender, mas, na prática, algumas pessoas se sentem confinadas”, fala Linda Martell, a primeira artista negra de sucesso comercial no campo da música country nos Estados Unidos, no início da faixa Spaghetti de Beyoncé. A diva pop lança o disco Cowboy Carter justamente em uma contradição entre esse jogos de caixas da música. A maior artista pop da atualidade não quer se ver presa a nada e no novo álbum decide explorar as raízes da música norte-americana com a própria interpretação do country.
Cowboy Carter foi apresentado ao mundo como o segundo ato de um processo que começou no disco Renaissance em 2022. O disco, contudo, não tem uma relação muito clara com o antecessor. Em comunicado à imprensa, a própria cantora confirmou que este, inclusive, deveria ter saído antes, mas por conta da pandemia preferiu liberar primeiro o trabalho mais dançante, ao invés do estudo sobre country de 27 faixas disponível em todas as plataformas esta sexta-feira (29/3).
O álbum, assim como antecessor, é lotado de participações especiais e artistas convidados, Beyoncé nunca trabalhou sozinha, mas tem exaltado cada vez mais os processos colaborativos. Porém, no novo disco, a ode não é apenas a quem a ajudou. Beyoncé ultrapassa e homenageia as próprias referências em um entendimento próprio de como aqueles que vieram antes fazem parte do que ela se tornou. A cantora Linda Martell é apenas parte de uma longa lista que conta com Dolly Parton, Willie Nelson, Lee Dorsey e até Paul McCartney.
Parton, McCartney e Dorsey são os que têm maior destaque na homenagem, uma vez que a cantora fez versões próprias das músicas Jolene, Blackbird e Ya ya, respectivamente dos três artistas. Dolly Parton, assim como Willie Nelson, também participa dando a voz em uma faixa e um interlúdio.
Todas essas colaborações e referências fazem parte de uma forma muito específica que Beyoncé parece entender a música. A artista é uma figura central da união de apelo popular, impacto social e aclamação crítica. Com Cowboy Carter, Beyoncé parece pedir o aval dos mais velhos para transmitir as próprias ideias sobre o lendário gênero musical para os mais novos. Beyoncé ocupa o lugar de uma ponte entre gerações.
Desde de figuras já muito famosas como Miley Cyrus e Post Malone, até nomes menos badalados como Brittney Spencer, Tanner Adell, Tiera Kennedy, Reyna Roberts, o rapper Shaboozey e até a filha caçula da própria Beyoncé, Rumi Carter, fazem parte do álbum e dessas gerações para quem a artista quer entregar o country que estudou e passou a fazer da própria forma.
Este neo-country proposto no disco é um grande achado da cantora. Ela não se prende aos violões, batidas acústicas, gaitas e vozes roucas do gênero. O caminho dela foi de desmembrar as características deste estilo musical e organizá-las com um toque próprio. Cowboy Carter é definitivamente um álbum country, mas com a interpretação única que Beyoncé dá com o estilo de música que ela faz. A artista não é uma das mais populares e respeitadas do planeta a toa, a forma como ela entende e faz música é única e novo álbum é mais um atestado desse fato.
A artista coloca traços do R&B, do hip-hop e do próprio pop que já está acostumada a transitar na lógica do gênero musical estadunidense. Samples como o de Aquecimento das danadas do brasileiro Dj Mandrake, na faixa Spaghetti, se misturam com características country para justamente tirar sempre as canções da caixa citada por Linda Martell quando comenta sobre os gêneros musicais. Assim como é country, Beyoncé também é tudo que sempre foi. A cantora já havia até flertado com o gênero do álbum em Daddy lessons, lançada no Lemonade de 2016. Não seria um exagero falar que nestas intersecções, ela encontrou, ou criou, um novo gênero musical.
O novo Cowboy Carter é cheio de detalhes que continuarão sendo descobertos e comentados nos próximos dias, afinal 27 músicas totalizando 1h18 de duração podem esconder muitos pequenos pontos. Porém, neste lançamento é claro que Beyoncé é o epicentro da música popular no mundo atualmente. A artista entendeu que pode ser importante para que outros artistas e fãs encontrem por meio dela novos amores, interesses e visões de mundo. Responsável, criativa e única, Beyoncé não só é, como se faz necessária. No trabalho lançado a cantora mostrou que pode ser o elo entre o passado, o presente e o futuro do que o mundo entende como música.