O holandês Frans Post (1612-1680) foi o primeiro desenhista-viajante a registrar a paisagem brasileira no traço. Mas, para além da primazia de pioneiro, nas últimas décadas, a produção de Post foi reavaliada pela relevância estética. Ao comemorar 200 anos de atividade, o Rijksmuseum, maior museu de Amsterdam, incluiu uma obra de Frans Post entre os grandes quadros do Século de Ouro da pintura holandesa, que é o século 17.
O Metropolitan, em Nova York, expõe a obra de Frans Post na sala mais importante de paisagistas holandeses. Depois de 15 anos, a obra completa de Post ganha nova edição, organizada por Pedro e Bia Corrêa Lago. Ela reúne mais dois quadros a óleo e 34 desenhos que representam animais e foram os únicos desenhos preparatórios que sobreviveram do artista. E, nesta entrevista, Pedro Corrêa do Lago fala sobre a relevância histórica da obra de Frans Post, a qualidade estética e as mudanças do olhar sobre o primeiro artista a produzir imagens do Brasil.
Entrevista//Pedro Corrêa do Lago
Quem era Frans Post quando chegou ao Brasil e de que maneira a interação com o país influenciou a sua visão de mundo?
É muito difícil saber qual foi o efeito na obra completa. A gente não tem nenhuma carta do Frans Post, não sabe nada sobre as reações dele. O que se sabe é que ele aprendeu a pintar em Haarlem, que era um centro importante de pintura, de paisagem e, obviamente, aprendeu debaixo daqueles céus. Quando chega ao Brasil, ele tem o choque de uma luz tropical, de uma natureza, de montanhas e de pessoas e indígenas e escravizadas, e tudo era novidade para ele, inclusive a fauna e a flora. O que é fascinante é que nos 18 primeiros quadros, dos quais a gente só conhece sete, que foram pintados nos oito anos que ele passou no Brasil, das províncias de Nassau, a gente vê o reflexo da técnica dele que continua ocupando a superfície do quadro quase que dois terços pelo céu, céus nublados, mas ele tem uma série de aportes, uma originalidade do primeiro plano, os elementos do primeiro plano, um tratamento miniaturista da paisagem. É muito interessante o resultado dessa descoberta, dessa nova luz tropical na formação dele clássica, de pintor europeu.
Ao comentar os artistas europeus que pintaram o Novo Mundo, Alexander von Humboldt afirmou que "o mérito da invenção em termos de pintura de paisagem e estudo da natureza é de Frans Post". O que significa essa afirmação? Em que medida, além de ser o primeiro paisagista europeu do Brasil, Frans Post inovou ao captar a paisagem brasileira?
Eu acho que a observação do Humboldt é muito mais histórica. Ele teve o mérito da invenção porque foi o primeiro paisagista das Américas. Para você ter uma ideia, os Estados Unidos tiveram que esperar quase mais 200 anos para ter um pintor europeu bem treinado pintando a paisagem deles. Então, a paisagem das Américas durante 200 anos na Europa foi a paisagem do Nordeste do Brasil. E é nesse sentido que o Humboldt se refere ao Frans Post. Ele captou a paisagem com a técnica extremamente bem desenvolvida, porque a formação dele era sólida, mas basicamente ele teve uma abordagem nova, sim, ele não abandonou os princípios da paisagem que foram desenvolvidos na Holanda do século 17, apenas incorporou ao esquema básico de retrato da paisagem, os novos elementos e a nova luz que ele descobriu no Brasil.
Qual a singularidade de Frans Post como documentarista do Brasil?
Bom, a primeira singularidade é ele ter sido o primeiro. Reside justamente nessa primazia e também no fato de que não havia nenhum preparo para o que ele ia descobrir no Brasil. Ele aprendeu uma coisa na Europa e chega no Brasil e tem que improvisar uma reação ao choque da nova realidade. E isso dá sete quadros que ainda existem hoje, dos 18 que ele pintou no Brasil para retratar as áreas sobre domínio do Maurício de Nassau, que, quando foram mostrados juntos no Louvre, em 2005, causaram um grande impacto e falou-se numa extraordinária redescoberta de um mestre da arte holandesa. Como documentarista do Brasil, ele é preciosíssimo. Nós conhecemos a paisagem do Nordeste graças ao Frans Post. Durante quase 200 anos, até a chegada da Família Real, ele foi a única referência da nossa paisagem.
Além de documentarista, qual a importância de Frans Post como artista?
Durante muito tempo, o Frans Post foi mal compreendido, porque quadros de uma última fase, em que ele claramente estava decadente nos últimos 10 anos da vida dele, e é mais ou menos uma quarta parte da produção dele, são nitidamente mais fracos que os outros. E são esses que circularam mais no mercado e junto aos estudiosos no decorrer do século 20. Então, havia um certo preconceito dizendo que o único interesse do Frans Post era o fato de ele ter tomado por tema o Brasil, mas que ele era um pintor fraco. Hoje, absolutamente não há essa noção. Quando o Rijksmuseum comemorou 200 anos, o maior museu de Amsterdam, um quadro do Frans Post foi incluído entre os grandes quadros do Século de Ouro da pintura holandesa, que é o século 17. O Metropolitan, em Nova York, expõe permanentemente a obra de Frans Post na sala mais importante de paisagistas holandeses. E todos os grandes museus do mundo querem o Frans Post para sua coleção.
Como ele é visto agora?
Ele é claramente visto como um pintor que vai muito além do privilégio de ter tido um tema muito original e fora do comum. Ele viveu disso, ele viveu do fato de ser o único a poder pintar as paisagens que ele tinha visto das Índias Ocidentais, como se chamava na época, do Novo Mundo, do Brasil no caso. Mas a verdade é que ele é um excelente pintor, ele é um miniaturista extraordinário quando ele quer. Os primeiros quadros sob o impacto da revelação da luz brasileira são extremamente instigantes e os quadros que ele pinta ao voltar também para a Holanda são extremamente precisos ainda no retrato da nossa realidade. Enquanto que, na fase mais comercial dele, em que há cerca de 50 quadros, todos os elementos são brasileiros, mas o rearranjo já é mais imaginativo, mas ainda assim os quadros têm uma qualidade excepcional.
Qual é a fase mais fraca da produção de Frans Post?
Só na quarta fase, são mais ou menos 40 quadros sob 156, é que a qualidade baixa porque ele estava velho para a época, ele morreu com 68 anos. Ele tinha provavelmente um problema de visão e a única carta que nós temos que menciona o Frans Post é dirigida ao Maurício de Nassau e diz que ele é um alcoólatra e que não pode ser apresentado ao rei da França. Nassau pensou, ao presentear o rei com muitos quadros do Post, mandar o próprio Frans Post para explicar os quadros.
Qual a relevância de Frans Post para a história brasileira?
Bom, na medida em que ele é o primeiro artista a retratar a nossa paisagem, ele tem, evidentemente, uma importância novamente da primazia, mas também um papel muito importante como documentarista. Então, ele é um auxiliar da história, quer dizer, as gravuras e quadros de Frans Post trazem inúmeros elementos importantíssimos, como a iconografia sabe trazer para a história.
Serviço
Frans Post (1612-1680) — Obra completa
Organização Pedro e Bia Corrêa do Lago. Ed. Capivara, 446 páginas