Música

Sertanejo raiz, Jacarandá e Braúna lançam o álbum 'Herança de Violeiro'

No segundo trabalho da carreira, parceria faz uma bela exaltação à música de viola caipira, em 12 faixas de grande inspiração. Tradição e primor técnico são valorizados na execução das canções, que apresentam belas poesias e arranjos sofisticados

A autêntica música de viola caipira acaba de ganhar um valoroso tributo. Após cinco anos de espera desde o álbum de estreia, a dupla Jacarandá e Braúna lança, agora, 'Herança de Violeiro', um trabalho de 12 faixas, sustentado pela tradição do gênero raiz e incrementado por sensível sofisticação técnica na gravação, com poesias de profunda inspiração. São 10 composições inéditas, sendo sete autorais, além de quatro canções assinadas pelo célebre Zé Mulato e uma em parceria com Marinho. Para apreciadores do estilo e ao público de ouvidos atentos, trata-se, sem dúvida, de uma obra para acalentar a alma com alegria, boas reflexões e um singelo sentimento de paz.

"Nosso primeiro álbum foi gravado em 2018 e lançado em 2019, com apenas duas composições de nossa autoria. Logo após o lançamento, veio a pandemia, o que acabou deixando o projeto pouco visível. Aproveitamos aquele momento para trabalhar novas composições e fazermos um álbum autoral. Esse exercício prazeroso nos trouxe confiança e muitas alegrias, pois despertamos um dom que até então nem sabíamos que tínhamos. Trabalhar em cima de composições nossas foi como gerar filhos, outra dedicação, outra satisfação e o trabalho intenso nos recompensou com um belíssimo álbum, cheio de homenagens e histórias emocionantes", comenta o violeiro e cantor Jacarandá, empolgado com a nova obra.

O entusiasmo é justificado. Nas 12 faixas do álbum, são apresentadas composições muito bem elaboradas, tendo a viola caipira como ponto de destaque, acompanhada por violão, contrabaixo e percussão. A sanfona toma a frente em três músicas, oferecendo um clima mais descontraído e dançante. O dueto vocal da parceria marca presença constante em formulações harmônicas, melódicas e afinadas, ressaltando letras de mensagens sinceras e, por vezes, contundentes, como nos versos "viver com muito amor é mistura que combina, a morte não faz acordo, nem aceita propina", da motivacional canção 'Caindo e levantando'.

Dessa forma, é desenrolado um roteiro que tem como temas a exaltação à viola e aos violeiros e violeiras ("nos braços de uma mulher, viola não desafina", diz um trecho da sétima faixa); a saudade, de um amor perdido ou da terra natal ("daquela vida simples, eu me lembro da fartura. Um paiol cheio de milho. Na dispensa, a rapadura", canta em 'Minhas lembranças'); o valor da humildade ("coberto pelo dinheiro, tenho visto em desespero, rico pagando pecado", cita em 'Reflexão'); entre outras temáticas, que vão da sofrência aos dias mais festivos.

"Por causa do estilo musical que defendemos, éimpossível não falar de viola, violeiro, carro de boi, boiada, Sertão. A saudade está dentro de cada um de nós. Todos temos saudade de alguma coisa ou de alguém. A música tem de mexer com a emoção das pessoas", comenta o violonista e cantor Braúna. "Para mantermos a cultura caipira viva, precisamos preservar as histórias da vida no campo presentes na memória do nosso público atual. Logo, serão apenas histórias cantadas ou contadas pelos mais velhos, que têm a 'Alma Caipira', como narra uma linda canção do nosso primeiro álbum", completa Jacarandá.

O álbum 'Herança de Violeiro' foi patrocinado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC/DF), lançado nas principais plataformas de streaming pelo selo Viólêta Produções — representado pela violeira e produtora Karen Parreira — em parceria com o estúdio Grillo Rocha Produções — coordenado pelo instrumentista e produtor musical Grillo Rocha — responsável por gravar e produzir trabalhos de artistas importantes do cenário sertanejo do DF, como Zé Mulato e Cassiano; Vanderley e Valtecy; Chico Rey e Paraná; Pedro Paulo e Mateus; Roniel e Rafael, dentre outros. "O processo de gravação se deu a partir do momento da contemplação do nosso projeto no FAC. Tínhamos um esboço das canções e uma boa parte delascomeçou a tomar forma no estúdio. O maestro Grillo deu algumas sugestões importantíssimas na parte técnica, ajustando campo harmônico, melodias e arranjos", explica Jacarandá.

"É a segunda leva de gravações desses artistas. Estamos muito felizes com o resultado desse álbum, pois trata-se de uma renovação expressiva da música caipira, na qual contamos com 70% de faixas autorais e inéditas, além da contribuição do nosso poeta Zé Mulato, com obras também inéditas. Agora, partiremos para a inscrição do álbum em grandes prêmios de música, como o Prêmio da Música Brasileira e o Grammy Latino, e torcemos, sobretudo, para que esse trabalho seja agraciado e possamos mostrar aos quatro cantos a qualidade da música produzida aqui", completa a violeira e produtora Karen Parreira.

A capa do álbum traz ainda uma comovente imagem feita pelo artista gráfico Luiz Borges. A ilustração mostra um velho violeiro ao lado de uma criança, também com uma viola nas mãos, sentados à sombra de uma frondosa árvore. "O Luiz conseguiu entender bem a proposta. 'Herança de Violeiro' é a faixa que dá título ao álbum e conta a história de como fui iniciado no mundo da música. Meu pai não era violeiro, mas foi meu principal incentivador. A imagem, então, mostra um Jacarandá ainda garoto, recebendo aulas de um professor, enquanto a árvore representa meu pai, que ofereceu a sombra, o patrocínio, para que eu pudesse aprender a arte da viola caipira", explica o violeiro.

Luiz Borges/Divulgação - Capa do álbum 'Herança de violeiro', da dupla caipira Jacarandá e Braúna

Parceria celebra 15 anos

Jacarandá e Braúna, dupla caipira conhecida como "Madeiras de Lei", comemoram 15 anos de carreira em 2024. O violeiro Ismar Resende (Jacarandá) é instrumentista há mais de 20 anos, neto de capitão de Folia de Reis e sócio fundador do Clube do Violeiro Caipira de Brasília. Durante seis anos, foi aluno do professor Reis Moura, com quem fez diversas apresentações em programas de rádio. Depois, estudou ainda com o professor Marcos Mesquita. Foi premiado com a música 'Genuinamente Caipira', composta em parceria com a dupla Kleuton e Karen, no Prêmio de Música Brasileira .

Geraldo de Oliveira (Braúna) tocava desde pequeno nos cultos da igreja.Vindo de família mineira, repleta de músicos, o gosto pela canção surgiu no berço. Ismar e Geraldo se conheceram em 2007. Algum tempo depois, descobriram a afinidade que tinham pela música. O primeiro encontro sonoro ocorreu na casa de Geraldo, em janeiro de 2009. Desde então, praticam uma rotina de reuniões regadas a queijos, biscoitos e muita viola, a famosa 'queijadinha metodista'. Logo, começaram a se apresentar publicamente. O nome da dupla foi retirado do Sertão brasileiro: Jacarandá e Braúna são madeiras de lei, ambas ameaçadas de extinção. Foram escolhidas para representar o nome da parceria, mostrando o quanto admiram as coisas da terra.

ENTREVISTA - Jacarandá & Braúna

Como foi o processo para a gravação deste novo álbum? Em linhas gerais, como surgem as composições; como são desenvolvidos os arranjos; e qual o critério para seleção de músicos que acompanham as gravações no estúdio?

Jacarandá: Cada música carrega uma história, uma bagagem de sentimentos e um esforço peculiar até ficar pronta. Algumas chegam na inspiração, já bem adiantadas. Outras, uma semente tão pequena, que chegamos a duvidar da germinação, mas ao colocarmos os instrumentos no colo e começarmos a solfejar algumas sílabas da letra, a própria história da moda nos conduz a movimentos melódicos de maneira que, quando em algum momento o braço arrepia, sabemos que estamos trilhando o caminho correto. Com relação à escolha dos músicos, o critério que mais damos importância não é o nível técnico e tampouco o valor do instrumento, mas a sensibilidade em interagir com a melodia e a mensagem da música.

Braúna: Geralmente, não durmo muito bem. Por isso, quase sempre é durante as madrugadas que tenho alguma inspiração. Às vezes, uma estrofe completa. Às vezes, só uma frase e, gradativamente, com o passar dos dias, a moda vai ficando pronta. As introduções geralmente ficam por conta do parceiro. No estúdio, colocamos viola e violão. Demais instrumentos são providenciados pelo nosso amigo Grillo Rocha (dono do estúdio).

Quanto tempo se passou desde a gravação do primeiro álbum da dupla? Neste tempo, o que a parceria percebe em termos de evolução da carreira musical?

Braúna: Aproximadamente cinco anos se passaram entre o primeiro e o segundo álbum. O aprendizado nesse período foi notável. No primeiro, fomos apenas intérpretes, com exceção de uma música, composta pelo Jacarandá. No segundo, temos oito composições nossas. Hoje, nos sentimos mais seguros em nossas apresentações, temos trabalhado duro para melhorar o dueto, afinação e execução dos instrumentos.

Qual é o sentimento em relação ao trabalho feito no novo álbum? Quais são as expectativas e planos em torno deste projeto?

Jacarandá: Ao ouvirmos o resultado de quase dois anos de dedicação, sentimos gratidão a Deus por nos permitir externar nossos sentimentos cantando. Enquanto tantos só conseguem se expressar chorando, nós cantamos e levamos uma mensagem de esperança àqueles que escutam o álbum 'Herança de Violeiro'. Nosso desejo é que as músicas cheguem aos corações para os quais elas foram compostas, nosso desejo é que a cultura da música raiz sobreviva por mais um tempo em meio a tanta tecnologia e melodias fabricadas até por inteligência artificial.

Braúna: Gratidão a Deus, em primeiro lugar, e a algumas pessoas que Ele tem colocado em nosso caminho, que muito têm nos ajudado. Posso citar a Karen Parreira, o Zé Mulato, o Reis Moura...E a expectativapara o futuro é trabalhar para que o próximo projeto fique ainda melhor.

Alguns dos temas tratados nas canções são a exaltação à viola e violeiros; a saudade, de um amor perdido ou da terra natal; o valor da vida simples, entre outros. Nos dias atuais, qual é a importância dessas mensagens e que público a dupla pretende atingir?

Jacarandá: Está cada vez mais difícil ouvirmos músicas genuinamente caipiras. As razões são as mais diversas, desde o êxodo rural à substituição da vida no campo por máquinas teleguiadas por satélite. Quem vive no campo, hoje, não sabe o que é carro de boi, não imagina como é conduzir uma boiada e as histórias de amor nem de longe recordam os romances narrados nas modas de viola. Para mantermos a cultura caipira viva, precisamos manter as histórias da vida no campo presentes na memória do nosso público atual.

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