Um dos principais programas dos brasilienses que procuram aproveitar os domingos ao ar livre é o Eixão do Lazer. Desde a década de 1990, a rodovia que cruza a Asa Sul e Asa Norte recebe públicos de todas as idades, que buscam alternativas de entretenimento no fim de semana. Entre opções gastronômicas, musicais e programações infantis, o Choro no Eixo é atração destaque — semanalmente, na altura da 108 Norte, o cavaquinista Márcio Marinho convida músicos do estilo musical para uma roda no coração da cidade, neste domingo (3/3), a partir das 12h.
Com três anos de existência, o projeto surgiu no início de 2021, como forma de escape da pandemia da covid-19. "Devido ao momento que estávamos vivendo, nós não podíamos nos apresentar em locais fechados, então decidimos: 'Vamos fazer um som no Eixão, ao ar livre'", lembra Márcio Marinho. Desde então, as rodas dominicais têm reunido desde idosos a crianças, que, acompanhadas dos pais, se divertem a cada novo acorde musical escutado. "O choro é uma arte muito democrática, uma música muito democrática", afirma o músico.
Tal democratização é um dos pilares do projeto. "O choro tem que estar nas ruas", declara Márcio. "A gente acredita que o choro está nas salas de concerto também, mas ele precisa estar disponível para a população, para que todos tenham acesso e possam conhecer o ritmo", opina. O cavaquinista assegura que o intuito do Choro no Eixo é levar o estilo para todos os públicos, sem exceção. "No nosso choro, qualquer pessoa pode sentar lá e aproveitar o show, com ou sem dinheiro, e ter um contato mais próximo com a cultura do Brasil", garante.
Com o propósito de propagar ao máximo o estilo musical, o Eixão é visto como o espaço ideal para receber as apresentações do grupo. "A gente faz questão de colocar o choro lá, porque é um lugar em que transitam muitas pessoas. Elas vão ao Eixão fazer uma corrida ou andar de bicicleta, e ainda de quebra podem curtir a cultura do choro", conta. Ao redor das rodas, é comum encontrar transeuntes desavisados que, ao serem surpreendidos pelo som dos instrumentos, ficam hipnotizados pela magia do ritmo tipicamente brasileiro.
Ao ocupar um dos principais espaços públicos da capital federal, a atração dominical do Eixão tem aberto portas para outros projetos semelhantes. "O Choro no Eixo está sendo exemplo para outros coletivos culturais no Eixão, como o Jazz no Eixo e o samba, que está começando por lá também", exemplifica Márcio. "Além de Brasília ser uma cidade museu, cheia de monumentos culturais tombados, ela é uma cidade parque. Ela foi feita para a população ocupar seus espaços", complementa.
Consolidado como uma das principais alternativas culturais do centro da cidade, o Choro pretende expandir suas fronteiras. "A gente está com um projeto em mente de levar o choro para as regiões administrativas, porque ele está presente no Plano Piloto, mas nós queremos que outras pessoas também tenham acesso", adianta o músico.
Patrimônio Cultural
Hoje, a festa será mais que especial. A partir das 12h, a tradicional roda do Choro no Eixo se transforma em celebração, após a decisão unânime do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em conceder o registro do choro como Patrimônio Cultural do Brasil. "Hoje é dia de comemorar. Vamos comemorar, porque não é sempre que o choro vira patrimônio cultural do Brasil", comemora Márcio.
Chorões e músicos dos mais diversos ritmos foram convidados a participar da roda desta tarde. "É uma comemoração deste momento histórico tão importante, que abrirá mais caminhos e espaços não só para artistas do choro, mas também para a população ter acesso a esse ritmo e entender um pouco mais das suas raízes por meio dele. O choro agora poderá entrar até no ensino público das escolas", analisa o cavaquinista.
Criado em meados do século 19, o ritmo foi essencial na construção da música nacional. "O choro está presente na base de todos os gêneros musicais brasileiros. O choro vem antes do samba, do maracatu, do bumba-meu-boi, do forró, da bossa nova, de todos esses estilos", lista. "O choro é a música que está nas nossas raízes", confirma o artista.
Em Brasília, o estilo chegou junto de seu idealizador, Juscelino Kubitschek. "A história do choro se mescla com a história de Brasília", aponta Márcio. "Quando Juscelino Kubitschek veio para Brasília, ele trouxe Dilermando Reis, um exímio violonista brasileiro que já fazia sucesso na época tocando choro. Juscelino já curtia o choro e Dilermando veio para Brasília para tocar nas noites do Catetinho", relata. "Avena de Castro, Waldir Azevedo, nomes como esses, moraram em Brasília. Bide da Flauta, Hamilton Costa e Tio João do trombone são outros baluartes do choro", relembra o instrumentista. "Nós temos a primeira escola de choro do mundo aqui. Um clube de choro feito por Oscar Niemeyer no coração do Brasil", destaca.
Para Márcio Marinho, a cidade é centro propagador do choro para o resto do mundo. "Muitos falam que Brasília já foi a capital do rock, e agora virou a capital do choro, justamente por essa difusão e divulgação que o choro tem aqui na capital, tanto por parte do público como dos músicos", explica. Com a decisão do Iphan da última quinta, o integrante do Choro no Eixo já almeja a próxima conquista: "Agora vamos rumo a tornar o choro patrimônio histórico da Unesco!", torce.