Dois homens negros, nascidos e criados no estado de Pernambuco, encontraram na teclas do piano a emoção da música e o movimento que precisavam para a vida. Amaro Freitas e Zé Manoel são nomes consolidados para quem acompanha o que há de alentador na novíssima cena da música brasileira. Porém, mesmo sendo do mesmo estado, dividindo o mesmo instrumento, os dois viraram parceiros por conta de um mineiro que entrou para história do cancioneiro brasileiro nos anos 1970: Milton Nascimento. Hoje, às 20h, e amanhã, às 19h, os dois instrumentistas fazem shows na Caixa Cultural, em homenagem aos 50 anos do seminal disco Clube da Esquina.
Amaro é um músico instrumental que lança músicas desde 2016. Aos 32 anos, ele ficou conhecido na cena jazz e participou de alguns dos maiores festivais do mundo, além de fazer colaborações importantes em músicas de Criolo, Manu Gavassi, Sandy e do próprio Milton Nascimento. Zé, por sua vez, é 10 anos mais velho e grava desde 2012, mas só alcançou um público mais substancioso em 2020, com o disco Do meu coração nu, sucesso com a crítica especializada. Desde ontem, ambos juntaram as qualidades e carreiras em Brasília para se dedicarem ao Clube da Esquina.
Fruto de um convite de Amaro para uma gravação de uma coletânea de álbuns que fazia 50 anos em 2023, a apresentação foi a forma que acharam de trabalharem juntos, já que um admirava o trabalho do outro havia muito tempo. Essa admiração está presente quando sobem ao palco para homenagear o célebre disco. “É um show que a gente se namora, a gente fica besta um com o outro no palco. É quase um papo de nerd por meio da música entre a gente, mas ao mesmo tempo com muita dinâmica”, afirma Amaro ao Correio.
A apresentação é o momento em que os dois encontram a congruência por meio de amor a um ícone da música do país. “Um show que traz dois pianistas negros e pernambucanos revivendo o repertório do Clube da Esquina, muito por meio da memória afetiva e dessa adoração e admiração que temos por Milton Nascimento e todo esse movimento que ele criou”, explica Zé.
A ideia que seria materializada em horas de estúdio virou um novo capítulo na carreira dos músicos. “A gente não imaginava que ia girar tanto o Brasil, que tomaria uma proporção tão grande”, diz Amaro. A possibilidade que eles têm é rara, mas é de pagar um tributo para um ídolo ainda em vida. “A gente só está trazendo para um momento atual esse repertório que está muito vivo nas mentes e nos corações de muita gente”, acrescenta Zé Manoel.
Água para o futuro
Amaro Freitas chegou a Brasília para tocar Clube da Esquina no mesmo dia em que havia lançado o disco Y’Y. O álbum, que tem a pronuncia em português “yê yê”, e é fruto da mistura de dois estudos intensos recentes do pianista. Há algum tempo, Amaro pesquisa formas de tocar piano preparado, que consiste em colocar objetos nas cordas internas para que as teclas soem diferente, e uniu essa ideia com uma experiência que teve morando com a comunidade de indígenas amazônica Sateré Mawé. “Esse álbum é uma das experiências mais maravilhosas que eu já tive na minha vida”, conta o artista.
A experiência na comunidade foi rica, ele pôde entender sobre costumes e viver os rituais dos Sateré Mawé. Com esta vivência, encontrou inspiração para adicionar a anos de estudos do piano preparado. O que John Cage fez com parafusos nas cordas do piano quando inventou o método, Amaro fez com sementes e madeiras amazônicas. “Como isso já vinha me tocando de uma forma muito profunda, eu queria que no meu novo disco tivesse uma homenagem à floresta e ao rio. Que trouxesse de uma forma bonita a importância da natureza para nossa vida. Nós somos natureza”, acredita o pianista.
O nome Y’Y significa água ou rio, objeto que o encantou no tempo na Amazônia. Porém, o álbum vai além e escolhe os encantados para essa homenagem. “Conversei com pessoas da comunidade, professores universitários e estudiosos e encontrei os encantados como uma forma bonita de diálogo entre as duas vivências. Ao mesmo tempo, reforça as tradições da cultura popular brasileira e das crenças indígenas”, ressalta Amaro. Os encantados são entidades sagradas nas crenças indígenas que fazem parte do imaginário brasileiro como figuras folclóricas como a sereia Iara, o Boto Cor de Rosa, o Saci Pererê e a Mula Sem Cabeça. “A gente entendeu que essa homenagem não soaria como apropriação. Todos os processos de luta são válidos e é muito importante que a gente não olhe só para o que nós mesmos vivemos”, avalia.
Dessa forma, o novo disco é um clamor de Amaro por meio das teclas do piano preparado. “Já passou do limite. É hora de pensarmos na nossa relação de preservação das florestas, no não desmatamento, no agronegócio sustentável, na preservação das florestas”, pede. “Eu estou incomodado e o papel do artista também está no lugar do incômodo. A gente acaba trazendo isso de uma forma muito bonita por meio da nossa arte, mas também é uma forma de protestar. Estou em um lugar onde posso ter voz e usá-la como instrumento para falar que estou incomodado”, completa.
Simples amor pela música
Em outro momento, Zé Manoel deixou em suspenso o novo disco enquanto sai em turnê com Amaro Freitas. O instrumentista promete que o álbum chegará até maio, mas a ansiedade está muito maior em como ele vai se sair com o público do que para o lançamento. “Para mim, tem sido tranquilo porque ele tem seguido o trajeto do disco anterior. Eu estava com muitas canções prontas, já sabia o que queria. Estou verdadeiramente apaixonado por esse trabalho e curioso para saber como vai ser a recepção dele”, conta Zé
O tempo e a experiência fazem com que Zé não tenha mais a pressa para resolver o disco. Ele quer curtir o processo. “Eu sou compositor de 43 anos, atravessei algumas gerações. Vivo com as gerações mais novas como o Amaro, peguei também o manguebeat, lembro da música que tocava na rádio na década de 1980, como Geraldo Azevedo, Moraes Moreira, Alceu Valença, Milton Nascimento, Elba Ramalho, Caetano Veloso e Gilberto Gil”, diz o músico. Zé Manoel, apesar de ser pianista, tem uma carreira como cantor. No show com Amaro, ele é muito mais intérprete do que instrumentista, por exemplo.
O músico aproveita a vivência e as referências para transformar em algo próprio, uma arte que ele acredita: “Eu vivi a época de alguns movimentos musicais e isso, junto com o piano clássico que eu estudei. Desse balaio de coisas da cultura brasileira, eu peguei um pouco de cada para fazer a minha música”, explica. “Estou sempre tentando me comunicar com a nova geração, não quero me prender à ideia de sofisticação, eu acho isso chato. Não quero ser complexo, quero me comunicar e fazer uma música que acho bonita”, afirma.
A forma que encontrou de progredir a carreira tornou-se uma verdade própria, uma maneira de se revelar para o músico. “Eu acho que eu não saberia fazer música de outro jeito, na verdade eu fico na torcida para que isso tenha uma boa receptividade e que consiga me render o suficiente para eu viver disso”, comenta. “A gente faz o que a gente sabe fazer e fica ligado no que está rolando. A ideia é não se fechar em um mundo próprio. É bom sempre estar aberto a trocar e aprender sempre”, conclui.
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