Foram 10 anos de produção e buscas da perfeita combinação de instrumentos para chegar a Humilde heresia. A primeira produção do baixista e baterista Marcus Finin é totalmente independente, artesanal e gravada no estúdio Zimmer Collen, em Ceilândia. A informação é importante porque o álbum é resultado de uma lapidação cuidadosa e minuciosa.
O título do EP é uma espécie de aviso com vários significados. "As músicas trazem uma certa crítica, por isso humilde heresia", avisa o músico. A crítica social está na maior parte das seis faixas. A aglomeração urbana ganha ares caóticos em Formigueiro do asfalto, no qual o compositor, em busca do novo, se depara com um planeta superpopulado, uma babilônia que é um "verdadeiro chiqueiro'"..
Em A Copa, a crítica é voltada para a desigualdade social. "Questiono como, na Copa do Mundo, alguns grupos têm acesso aos jogos e outros assistem de longe", explica o cantor. A própria faixa título, Humilde heresia, mistura uma série de disfonias com uma melodia ora festiva, ora apocalíptica, que serve de base para uma reflexão sobre a dificuldade de diálogo e a busca de amor. Também faz parte do que Finin chama de heresia a combinação de instrumentos. "Misturar fagote, clarinete, flauta, que são da música clássica, com bateria e teclado, é quase uma heresia. Fazer um disco independente hoje, em que a indústria da música está plastificada, é quase uma heresia", garante o músico.
Finin contou com o baixista André Gurgel, do Trio Protofonia, como produtor. O trio também serviu de referência, já que boa parte da formação do músico vem das aulas com os integrantes do Protofonia. Se o rock e a música eletroacústica estão na base da formação de Finin, o samba e a MPB estão na origem. Neto de Julinho do Samba, um dos fundadores da Aruc, o baixista cresceu rodeado de diversidade.
No programa Bom é o samba, que Julinho comandava na rádio, ele conheceu os clássicos. Com 12 anos, começou a fazer aulas particulares de bateria e, mais tarde, encarou o baixo. "Nas aulas de baixo, fui compondo as músicas com o André. Um dia, ele falou 'vamos fazer um álbum'. Fui fazendo e a gente foi gravando. Mas nunca fui para a escola de música nem nada, aprendi mesmo com Gurgel, com Janari (Coelho, do Protofonia) e com o meu avô", conta. "A gente começou a produzir em 2014. Foi uma produção própria minha, não contei com nenhum tipo de apoio, é um disco 100% independente, desde estúdio até participação dos músicos. Fiquei nove anos gravando."
Um dos fios que unem as composições é a postura crítica de Finin. Praticamente todas as letras trazem uma crítica à sociedade. Além do Trio Protofonia, a inspiração também passeia por gêneros como rock, forró, samba e MPB. O tropicalismo de Gil, Gal e Bethânia é referência importante para o músico, que também traz para a sonoridade de Humilde heresia as distorções dos Mutantes. "Tem muita guitarra distorcida, alguns teclados. É importante a gente trazer de volta o tropicalismo, hoje tem esse conceito da nova MPB, então tem muitos contemporâneos meus explorando esse estilo", avisa.
A nova MPB, Finin entende como um movimento que tenta resgatar o meio termo entre a utilização de instrumentos eletrônicos e estrangeiros e a forte presença de manifestações tipicamente brasileiras, como o forró e o samba. "A nova MPB é esse movimento que surge, hoje, em meio a tanta música pop, funk, todas essas músicas que estão saindo do computador", diz. "É exatamente isso que tento fazer, trazendo uma crítica social na letra, que é algo que acontecia muito na MPB, letras que trazem uma reflexão, que têm um contexto. Hoje em dia, às vezes, não dá nem para ouvir o que a pessoa está falando na música", explica o músico, que também desenvolve um trabalho de samba e tem uma origem roqueira. "Tento misturar tudo isso", garante.
Finin faz uma crítica também ao que considera "música plastificada". "Que é essa música feita em série que temos hoje", explica. "A indústria da música é muito monopolizada por grandes produtoras. O artista independente tem que batalhar muito para conseguir ser visto por alguém que vai apoiar o trabalho, é quase um trabalho de guerrilha fazer música independente, ainda mais em Brasília." Na capital, ele aponta a falta de espaços e a lei do silêncio como barreiras que dificultam a carreira dos músicos independentes. A consumação, ele explica, também é diferente. Falta ao público brasiliense consumir mais música local, algo que diferencia a capital da região Sudeste. "E a música plastificada é essa música feita em série para conseguir likes. Hoje, não se pensa mais no conteúdo, na melodia e na harmonia, preocupa-se mais com dancinha do Tik Tok e com as curtidas", lamenta.
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