TELEVISÃO

Em entrevista, Emílio Dantas fala de vilões na tevê, feminismo e paternidade

Aclamado pelo público e premiado pela crítica com os machos tóxicos que interpreta na tevê, Emílio Dantas conta como se desconstrói do machismo, credita ao coletivo o êxito das obras em que atuou e celebra os filhos Raul e Roque, de 2 anos de idade

 Emílio Dantas, ator. -  (crédito:  Sergio Baia/Divulgação)
Emílio Dantas, ator. - (crédito: Sergio Baia/Divulgação)

Exibida entre janeiro e agosto de 2023, a novela Vai na fé, de Rosane Svartman, foi um estrondoso sucesso, e boa parte desse êxito veio de Théo Camargo Bastos, um vilão que conduziu a narrativa com potência e carisma. O personagem foi muito bem interpretado por Emílio Dantas, que, não à toa, foi eleito o melhor ator do ano em diversas votações.

Em uma entrevista exclusiva — e rara — ao Correio, o carioca de 41 anos, premiado, credita, modestamente, todo o sucesso ao projeto. "Um êxito muito mais da obra do que do personagem. Considerei uma vitória da novela, do projeto que, sem sombra de dúvida, foi muito coletivo, acho que talvez o mais coletivo que eu tenha participado", argumentou.

Algoz dos protagonistas Sol (Sheron Menezzes) e Benjamim (Samuel de Assis), abusador de mulheres e péssimo pai, Theo era um exemplo nítido de macho tóxico, mas, ainda assim, foi adorado pelo público do sofá, assim como pela crítica especializada. Para Emílio, o júbilo do personagem talvez seja justamente por ser um dos poucos que trazia o contraponto à representatividade negra que marcou a produção.

"Ele era o símbolo do homem branco rico, com privilégios, mimos, crimes, falta de caráter. Por ser um personagem único dentro desse universo tão bem estruturado, e por ser um vilão, que é normalmente o personagem que movimenta a trama, eu acredito que tenha rolado um destaque maior por conta disso", avaliou o ator.

 Emílio Dantas, ator.
Emílio Dantas, ator. (foto: Sergio Baia/Divulgação)

O lugar de "malvado favorito" é um ímã para Emílio Dantas. Algo parecido ocorreu com o traficante Rubinho, de A força do querer, o personagem que, em 2017, lançou o artista aos braços calorosos do público logo no segundo trabalho na Globo. "Eu acho que esses caras agradarem tanto, é o clássico do clássico, né? Essa vontade, muitas vezes, de querer consertar algo que está quebrado, de achar que tem essa possibilidade. Acho que aí vai para a psicanálise, eu acho que essa análise é muito mais profunda. O que a gente faz é trazer as possibilidades dessa maldade. O Rubinho tinha a questão do machismo na ganância, na vontade de ter tudo, de ter a mulher mais gata (a Bibi Perigosa, de Juliana Paes); era um universo um pouco mais de ostentação, de querer mostrar que também pode. Já o Théo, acho que era um agente do caos realmente; ele era um cara que ultrapassou essa barreira da ostentação, e a questão dele estava no psicológico. A maldade lhe fazia bem", descreveu.

Esquerdomacho

Intérprete de dois homens perversos, especialmente na relação com o sexo oposto, Emílio admite publicamente que teve a oportunidade de se desvencilhar do machismo estrutural, recentemente, após protagonizar a série Todas as mulheres do mundo, um clássico de Domingos Oliveira revisitado em 2020 pelo Globoplay. Ele conta que, quando começou o movimento Mexeu com uma, mexeu com todas, foi um dos caras que leu aquilo e achou um absurdo. "Eu queria me incluir nessa batalha: 'não tem que ser para mexer com todos?' Na minha cabeça machistinha, era uma coisa de a gente precisar somar vozes, e a quantidade era o que me parecia importante na época. Tinha muito mais a ver com um ego masculino de me mostrar empático com a situação, do que a empatia em si, de entender que esse movimento precisa de voz, e era importante que fosse completamente feminino", confessou.

Logo depois, veio a série — com equipe 80% feminina e histórias de mulheres que orbitavam em torno de um esquerdomacho —, que mostrou a Emílio a importância da causa feminista. "Esse lugar de ser um protagonista secundário também traz muita riqueza. Dando espaço para que as mulheres trouxessem seus personagens, percebi que isso é muito mais rico do que a gente tentar se colocar à frente, de colocar nossa opinião, que, muitas vezes, só parece importante para a gente mesmo. Foi muito positivo para mim me colocar abaixo desse lugar de protagonismo, enxergar essas maravilhas e essas conquistas acontecendo. São milhões de valores que entraram: alguns eu ainda trabalho e outros já estão acertados", resumiu. E acrescentou, sem receios: "Acredito que o start de mudança é pessoal, só a gente sabe qual é o lugar que vai doer na gente para que a gente entenda a dor do outro. Infelizmente, o ser humano trabalha por esse viés egoísta".

  • Como o traficante Rubinho, de A força do querer (2017)
    Como o traficante Rubinho, de A força do querer (2017) Divulgação/Globo
  • O vilão Theo, de Vai na fé (2023), rendeu prêmios
    O vilão Theo, de Vai na fé (2023), rendeu prêmios Globo/Divulgação
  • Um esquerdomacho na série Todas as Mulheres do Mundo (2020)
    Um esquerdomacho na série Todas as Mulheres do Mundo (2020) Victor Pollak/Globo

Paternidade

Ainda sob o figurino do boy lixo, Emílio Dantas também pode ser visto na série Fim, sucesso recente do Globoplay, protagonizado por nomes como Fábio Assunção, Marjorie Estiano e Debora Falabella. A produção — criada por Fernanda Torres — acompanha um grupo de amigos da juventude até a morte e aborda, de forma poética e sarcástica, a finitude da vida, um assunto que, para o artista, próximo à meia-idade, não é uma preocupação. "Zero neurose", ressaltou.

Pai dos gêmeos Romeu e Roque, de 2 anos, do casamento com a também atriz Fabíula Nascimento, entretanto, ele espera estar, daqui para frente, com saúde. "Acho que, com filhos, a gente só pensa nisso", simplificou o também músico, que já foi vocalista de algumas bandas e protagonizou musicais como Cazuza e Leo e Bia, além da novela Segundo sol (2018), em que viveu o cantor de axé Beto Falcão.

Conhecido por ser uma celebridade low profile, recentemente, Emílio surpreendeu o público ao ser revelado como um dos personagens mascarados da quarta temporada do The Masked Singer Brasil. Ele viveu o Pé de Alface no reality musical apresentado por Ivete Sangalo nas tardes de domingo e contou à reportagem que já flertava com o programa havia um tempo.

"Eu achava muito legal essa possibilidade de você ser um personagem que não vai estar em nenhum outro tipo de trabalho. Assim que falaram para eu participar, não importava qual era a fantasia. Eu poderia ser um parquinho de diversão com sete pernas ou um alface, que estava valendo. O negócio era me divertir e trazer características para esse personagem brincar. Essa é uma das qualidades de ser pai aos 40", observou. 

Emilio Dantas deu vida ao Pé de Alface no The Masked Singer BR
Como o Pé de Alface, no The Masked Singer Brasil (2024) (foto: Reprodução)

Para Dantas, o maior desafio foi manter o segredo. "Isso era uma tragédia, porque realmente é uma jornada muito solitária, poucas pessoas sabem quem é você. Na hora de você escolher suas músicas, você não tem com quem debater, você não pode falar com um amigo, não pode falar com ninguém. Foi meio árduo nesse sentido, porque eu gosto muito de trabalhar no coletivo e, de repente, eu me vi meio perdido ali, meio sozinho", desabafou. "Mas foi divertido, porque, muitas vezes, nesses encontros na rua com pessoas que vieram comentar comigo, após a revelação, eu estava com meus filhos, e achei um barato eles poderem ver que o Alfacinho não aconteceu só na casa deles. Eles veem, às vezes, fotos e falam 'Alface', não falam nem 'papai'. Foi muito mágico", finalizou.

 

 


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postado em 24/03/2024 09:00 / atualizado em 24/03/2024 13:38
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