O carnaval tem algumas vozes que ecoam no Brasil inteiro, e uma delas é a de Daniela Mercury. Uma das mais importantes cantoras da música baiana, Daniela continua arrastando multidões com shows que apresentam como principal característica o fato da artista ser incansável no palco. Na chegada de 40 anos de carreira, Daniela está espalhada pelo país como uma figura para além da própria música.
A cantora passou por Brasília como atração principal do encerramento do Festival da Cultura, iniciativa de shows gratuitos disponibilizada nas noites da 4ª Conferência Nacional de Cultura realizada em Brasília. Com mais de duas horas de show, ela fez o público da capital suar. Nem os 58 anos de idade ou 40 de carreira impediram Daniela Mercury de trazer um pedacinho de Salvador para Brasília.
A cidade foi a primeira que tocou fora de onde nasceu. Por este motivo, o carinho é grande. Porém, a artista sabe que é em Brasília que estão as pessoas com quem ela quer dialogar atualmente. Afinal, Daniela é ávida defensora de bandeiras como as da comunidade LGBTQIAP+ e questões sociais que tornam a estar em pauta no atual governo. Ao Correio, a cantora fala da relação com Brasília, da importância de ter tocado na cidade recentemente e dos momentos marcantes de uma bonita carreira
Entrevista // Daniela Mercury
Você tem uma relação longa com Brasília, afinal, se apresenta aqui desde antes da carreira solo. Como você classifica sua relação com a cidade e com o público daqui?
Brasília foi a primeira capital em que fiz shows fora da minha cidade natal, Salvador. No meu primeiro show aqui, em 1988, fui tão bem recebida como artista, que nunca esquecerei do público gritando meu nome e pedindo para eu fazer um bis. Na época, eu cantava na Banda Eva. Depois disso, recebi aqui uma primeira crítica muito positiva sobre show na Boate Zoom. Ibraim Sued elogiou o show de lançamento da minha primeira banda, a Companhia Clic. Percebi, desde aquela época, a afinidade que o povo de Brasília tinha com a música baiana, ajudando a consagrar o axé. Desde esse momento, criei um forte vínculo com o público brasiliense, que se fortaleceu muito quando cantei nos aniversários de 40 e 50 anos da nossa amada capital. Sinto que aqui consigo uma comunicação direta com o coração dos brasilienses e de todos os brasileiros, seja por meio da minha arte ou do meu trabalho pelos direitos humanos. Eu tenho um enorme afeto pela cidade e pelos brasilienses. O meu canto também é da cidade de Brasília.
Você fechou o último dia do Festival da Cultura e de Convenção que juntou a arte e a cultura do Brasil inteiro na capital. Qual a importância de estar nessa posição e fazer parte desta celebração?
É um momento histórico em que nos reunimos para retomada do setor cultural que ressuscita do desmonte intencional promovido nos últimos dois governos. Esse é um espaço crucial para afirmar a força e a importância da cultura para o Brasil e o mundo. Esta 4ª Conferência Nacional de Cultura resgata o respeito aviltado. Nos oferece a oportunidade de repudiar a agressão antidemocrática ao movimento cultural, para que a gente nunca esqueça, e o mal não se repita. Num momento como esse, é muito importante ter um parceiro forte como o Banco do Brasil apoiando a cultura, num momento histórico em que temos uma mulher, Tarciana Medeiros, uma gestora e apoiadora da cultura brasileira.
O país voltou a discutir cultura com mais afinco recentemente após anos de retrocesso. Como você percebe esse movimento? Há uma forma de andar para frente após anos de passos para trás?
Essa conferência é o fórum para reconstruir os pilares fundamentais de nossa cultura e avançar. Nesta 4ª Conferência, reafirmamos a liberdade de expressão, de criação e de reunião; clamamos por segurança jurídica para criar e empreender; e reivindicamos garantias de que o setor terá o financiamento adequado e o apoio estatal que a Constituição lhe assegura. E que todo setor produtivo brasileiro deve receber. Estamos juntos para exigir respeito da sociedade e apoio do povo brasileiro, pois o governo do Presidente Lula compreende a importância da cultura em todos seus aspectos. E temos uma excelente ministra da cultura. Margareth Menezes está empenhada em revolucionar o setor cultural. Ela está unindo o Brasil e, por meio da contribuição de todo o país, está criando novos mecanismos fundamentais para ampliarmos o acesso à cultura e a formação de público.
Você está alinhada com pautas importantes como a causa LGBTQIAP+ e outras discussões cruciais no que diz respeito aos aspectos sociais do Brasil. Qual a importância de usar sua voz e seu palco para lutar pelo que acredita? Você acredita que pode mudar, mesmo que pouco, o Brasil?
Cada mulher que se impõe nos liberta! Para conquistar direitos, precisamos de todos que têm coragem. E temos que somar inteligências, ter organização, nos manifestarmos sobre os temas que nos dizem respeito, e pelas causas coletivas, lutar por avanços e para evitar os retrocessos. Como artista, uso a minha credibilidade, proximidade com o público para falar de temas importantíssimos e gerar reflexão e ação. Somo a minha voz à de muitas brasileiras e brasileiros para transformar o Brasil em um lugar mais democrático e justo na prática. Em toda a história da humanidade, só conquistamos avanços com muito barulho e protesto. E há muito o que conquistar para as mulheres e minorias políticas.
Dentro do contexto da sua carreira musical. você está com a agenda cheia e seus shows têm recebido elogios. Como você mantém um padrão de qualidade por tantos anos? O que te dá vontade de continuar e se reinventar?
O palco e o estúdio são meus lugares preferidos. Me reinvento constantemente, porque criar é uma necessidade pessoal. Sinto necessidade de cantar o que dialoga com o tempo presente. Minhas ideias escritas e cultivadas todos os dias movem minha existência. Tento colocá-las em prática. Os meus 24 álbuns expressam meu compromisso com a arte, a inovação e os direitos humanos. Componho continuamente novas músicas, arranjos, coreografias e roteiros. Na minha arte, faço um roteiro diferente para cada show. Faço intervenções artísticas no trio elétrico em cada carnaval. E quando estou no palco, faço cada show como se fosse o último e o primeiro.
Como estão os seus projetos de músicas? Há alguma movimentação para novos lançamentos em breve?
Lancei, recentemente, o projeto audiovisual Eu sou o carnaval gravado sobre o trio elétrico nos carnavais da Bahia e de São Paulo, estou com duas turnês na estrada, o Oxente Acústico, que divido o palco com meu filho Gabriel Mercury, cantor, compositor, músico e produtor cultural, e o show Baiana, em que celebro também os meus 40 anos de carreira. O próximo projeto a ser lançado é a gravação ao vivo do Oxente e já estou pesquisando para o meu próximo álbum.
No público do seu show, tinha gente de todas as idades. Como você se sente quando vê gerações diferentes da sua, sejam mais novos ou mais velhos, abraçando seu trabalho?
Adoro ver crianças e adolescentes descobrindo meu trabalho. Parece que nasço de novo. E a vida no palco é mesmo eterna, pois está no plano do sonho, da imaginação.
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