MERCADO

Brasil produziu 2,2 mil games entre 2020 e 2022

Pesquisa da Abragames mostra crescimento na indústria de jogos nacionais e futuro se mostra promissor

Pesquisa mostra que houve um crescimento na quantidade de novos estúdios no Brasil -  (crédito: Reprodução/Freepik)
Pesquisa mostra que houve um crescimento na quantidade de novos estúdios no Brasil - (crédito: Reprodução/Freepik)

A Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos) trouxe dados sobre a indústria brasileira de games. A pesquisa foi feita em parceria com a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos) sendo majoritariamente para recolher dados sobre os estúdios independentes que atuam no Brasil.

A pesquisa revela que de 2022 para 2023 houve um crescimento de 3,2% na quantidade de novos estúdios, sendo inicialmente em 2021 o número de 1.009 e passando para 1.042 em 2023, sendo que a nove anos atrás, em 2015, esse número não chegava a 150. Existem estúdios em todo Brasil, desses 1.042, 891 estão espalhados pelo país, porém, a maior parte deles se localiza em São Paulo com 302 na metrópole, no Rio de Janeiro com 107 na cidade carioca e 69 no Rio Grande do Sul. Sendo assim, 56% das produtoras de games brasileiras estão localizadas na região sudeste do país, 20% no sul, 16% na região nordeste, 6% no Centro-Oeste e 2% na região Norte.

Diversidade nas empresas de games

A distribuição dentro das empresas ainda corresponde a maioria dos colaboradores sendo homens, com 74,2% do total das empresas composto pelo sexo masculino, enquanto em 2022 o número de representatividade feminina nas empresas caiu para 24,3%, por fim, as pessoas que se identificam como não-binárias contabilizam 1,5% do total dentro das empresas.

Produtividade e faturamento

Além disso, a pesquisa relata que 2.600 jogos foram produzidos desde 2020 até 2022, com maioria produzidos em 2022, 12% a mais do que o registrado na primeira pesquisa. Os profissionais na área também tiveram um crescimento grande, saindo de 12.441 para 13.225, um aumento de 6,3%.

O crescimento em faturamento também tem sido exponencial, no período da primeira pesquisa, as empresas brasileiras arrecadaram apenas 32 milhões de dólares, em 2015, já em 2022, esse número cresceu bastante com o ano tendo rendido cerca de 251,6 milhões de dólares.

O Correio conversou com Rodrigo Terra, presidente da Abragames, sobre os resultados e as tendências do mercado dos games no Brasil.

Por que o mercado internacional está diminuindo, com diversos casos de demissões nas empresas de games e o mercado nacional continua crescendo?

Então, o Brasil continua com a tendência de crescimento, e por que isso? Porque querendo ou não a base de estúdios continua aumentando, não é de um ano para o outro, entre um mapeamento e outro, a gente não tá com expectativa de que vá dobrar, de mil estúdios para 2 mil. O que a gente tem a certeza é que muitos estúdios pequenos não estão aparecendo na própria pesquisa, por realmente estarem começando a vida de empreendimento. Nossa indústria é muito formada por micro e pequenos empreendedores. Micro e pequenas empresas e mesmo também muitos aqueles que acabam atuando de uma forma dupla como MEI. Então também presta serviço para estúdios maiores e também desenvolve o próprio jogo. A gente tem uma característica de mercado, a maior base hoje do país é feita de micro e pequenos estúdios e quando a gente olha pela tendência de crescimento, a quantidade de estúdios começa a aumentar {…}.

Qual foi o impacto de fato em 2023, a gente terá na próxima pesquisa. Em faturamento, por exemplo, porque é onde as demissões acabam atingindo em cheio quando a gente está numa perspectiva olhando para PJ. Porque a onda de demissões acabou vindo para cá também. Muitos dos estúdios médios que tinham contratos com publishers (estúdios que publicam jogos), por exemplo, revisitou contratos e tiveram contratos encerrados, com isso, os estúdios menores e mesmo os estudos médios acabaram não tendo fôlego financeiro para, por exemplo, manter uma equipe sem ter um contrato para aquela equipe formada. E aí tem as demissões, olhando para as grandes também, e cada uma vai ter um motivo, a gente pode culpar o modelo de negócio, pode culpar a forma de tocar o próprio negócio. {…}.

Cada empresa vai acabar dando um motivo para poder fazer os cortes, sei que nos estúdios aqui do Brasil, principalmente os médios, a gente tem poucos, grandes estúdios aqui também acabaram fazendo seus layoffs (demissões) também por conta desse impacto vindo do encerramento cedo dos contratos com publishers ou mesmo as empresas de serviço, (que) tiveram contratos interrompidos, porque as empresas que os contrataram também tiveram contratos interrompidos “uma bola de neve”, mesmo nesse cenário, o crescimento ainda continua.

A gente provavelmente vai ter uma remodelação a partir da análise dos números de 23 em 24, em relação ao tipo de crescimento que foi, mas ele continua, então a gente consegue entender da pesquisa uma tendência que mesmo com as crises, o Brasil continua tendo uma tendência de crescimento no setor.

Principalmente na parte de produção de jogos. O consumo aqui nem se fala, só aumenta e aumenta na parte de produção de jogos. A gente vai olhar muito para o que aconteceu durante esses movimentos do ano passado e desse ano também, mas a tendência é que o Brasil continue crescendo.

O senhor vê algum motivo para a indústria ser consumida majoritariamente por mulheres, mas ainda ter pouca representatividade feminina nos estúdios?

É um problema que a gente tem na indústria de tecnologia e na indústria de games também. Eu digo tecnologia porque é parte da indústria de tecnologia também, está ligado à indústria de games, assim como também as outras indústrias, economia criativa também estão dentro de games. Então a gente tem que olhar meio transversal, entre a cultura dessas áreas e por que isso acontece com o estúdio de games. Acho que tem muito a ver primeiro com questões históricas, aqui do país. Sou da geração dos anos 80, quantas vezes não ouvi que videogame não é coisa de menina, primeiro começa a incutir já desde uma base, hoje, donos de estúdios, é algo estrutural, em relação ao gênero, isso no mercado de tecnologia, acontece muito também.

Não é só uma questão de contratação, tá? Digo, numa questão de estímulo, por exemplo, da mulher seguir uma carreira na área, também não houve um momento em que esse estímulo não foi ou é feito, pelo contrário, ele era desestimulado. A gente tem um problema estrutural, infelizmente é um dado que a gente tem que lidar, e construir ações para conseguir formar mudanças geracionais e dentro dos estúdios que a gente tem hoje, ou seja, promover a diversidade de forma prática.

Isso através de cada estúdio poder criar o seu mecanismo de contratação. Não é só uma questão de abrir vaga e contratar, mas é busca também, onde está buscando os profissionais, se está buscando numa bolha, você vai achar só da bolha. Então, ter essa mudança de paradigma na cultura empresarial é muito importante e também a questão de ações de capacitações, de formação também. Quanto mais cursos, sejam universitários, técnicos, livres, etc., que possam ser públicos também, principalmente e se puderem incluir a população na sua forma maior, principalmente mulheres e outros gêneros.

A gente entender essa questão do estigma do homem branco, classe média, é uma coisa do passado, que a gente tem que transformar cada vez mais isso como uma coisa do passado, e toda a população preta entrar de fato em cargos de liderança dentro dessas empresas, também que não é só uma questão de entrar no mercado, mas também liderar esse mercado, tudo isso vai se gerando inspirações e aspirações para novas gerações. Eu gosto sempre de falar que diversidade, se você for olhar numa questão apenas de resultado financeiro, não numa questão social, um jogo diverso, uma equipe diversa traz ideias muito mais e frescas, traz ideias muito mais originais aos processos, são muito mais isonômicos.

Temos essas lideranças cada vez mais presentes dentro das empresas. Então de novo aquela conversão do interesse em presença, se estiverem presentes cada vez mais no dia a dia do estúdio e fazer um jogo mais diverso, vende mais, porque é um jogo muito mais original e o mundo hoje está consumindo conteúdo que seja fora dos eixos que consumia antes. A gente está vendo isso acontecendo, economia criativa como um todo, estamos olhando séries de televisão mais assistidas, cada vez menos norte-americanas.

Por que os estúdios nacionais não conseguem desenvolver tantos títulos licenciados?

Licenciar é caro. Então, quem está começando tem uma paixão latente e quer construir conteúdo original, isso é uma tendência que a gente tem no mercado brasileiro. O produtor brasileiro de videogame ama contar as próprias histórias, então isso é uma característica nossa de mercado, então as empresas originais acabam sendo uma forma de entrar no mercado quando você está empreendendo. Licenciar é um outro ponto, porque licenciamento não é assim, você não vai conseguir uma grande marca batendo na sua porta, e os detentores de IP sejam estúdios de videogame, seja um estúdio de cinema, televisão ou sejam também fabricantes de brinquedos que estão querendo construir o primeiro videogame, em relação a uma IP, vão buscar estúdios com experiência porque querendo ou não é uma marca que foi construída e que vale milhões de dólares, está indo para um estúdio desenvolver.

Então vão buscar um estúdio com experiência e capacidade de entrega. Além disso, é caro e cobra-se muito e quando eu falo cobrar não quer dizer que é só necessariamente que você como estúdio vai pagar, mas assim, o preço do licenciamento às vezes vai ser na recuperação, na hora que você está vendendo o jogo, esse dinheiro vai ser cobrado de você, cobrado do seu retorno.

Então é caro o licenciamento, um modelo de negócio caro, então também nem todos os estúdios acabam tendo fôlego aqui no Brasil para poder absorver. E assim, na verdade, isso acontece no mundo inteiro. Como a nossa base de micro e pequenos empreendedores de fato tem uma porcentagem menor de estúdios, ele tem a capacidade de absorver, por exemplo, a produção de um jogo com uma Big IP (Grande propriedade intelectual). Então isso é um trabalho nosso para games que está buscando ajudar a reverter um pouco esse quadro.

Acho que está mudando isso. Porque tem o outro lado da moeda, os estúdios brasileiros estão mostrando que conseguem ter uma originalidade grande, uma diversidade narrativa, de gameplay, das histórias, e da originalidade de como se contam as histórias, como se propõe a forma de jogar nos jogos, que cada vez mais tem sido reconhecido pelos players lá fora. Tanto foi reconhecido que a gente foi o país homenageado na Gamescom ano passado, na Gamescom em Colônia, o país homenageado do evento foi o Brasil por conta também desse reconhecimento internacional, de que os estúdios brasileiros estão fazendo a diferença na hora de entregar jogos para o mundo.

Brasil incluído nessa história, mas para o mundo, então isso faz com que a gente comece a mudar a percepção de que é um mercado que ainda não está amadurecido, não dá para trabalhar para: “Opa, é um mercado muito interessante, dá para trabalhar e tem gente de fato que está lá agora entregando”, então é possível fazer, a gente não tem escala. Eu acho que o nosso grande trabalho daqui para frente é a escala nesse interesse dos grandes estúdios. Vamos trabalhar com os estúdios daqui, seja um estúdio pequeno, médio ou etc, e converter esse interesse em presença. Essa presença de estarem aqui no país, estarem operando aqui, com mais contratos com os estúdios brasileiros, presente no nosso dia a dia. Eu diria que a gente “Tá na pista de decolagem”.

Por que o smartphone é a maior plataforma de games no Brasil?

Isso é um conjunto de fatores. Temos enfim um jogo mobile, ele entra nas nossas vidas no final da década de 2000 e começo da década de 2010, porque ainda não se precisava ter um smartphone capaz de rodar alguma coisa. Com o próprio lançamento do iPhone em 2007 houve uma guerra da concorrência para aqueles celulares que só ligavam e recebiam mensagem de texto e começavam a ser computadores de bolso praticamente, e começa a corrida dos chamados smartphones, eles evoluíram até o ponto para conseguir rodar cada vez mais jogos com gráficos melhores, com menos latência, jogos que você pudesse jogar multiplayer online nas redes de telecomunicação.

Foram evoluindo, a gente saiu do 2G pro 3G, do 3G pro 4G, e do 4G tá indo pro 5g. Então a gente vê isso impactando também ter acesso a um jogo, principalmente na questão do Hardware, do Smartphone, mas a gente também teve uma questão econômica local. A fabricação de smartphones aqui no país, em que você conseguiu derrubar o preço, o preço que se paga na Índia, na Coreia do Sul, ou mesmo nos Estados Unidos no Smartphone, você conseguiu trazer para uma realidade do nosso equipamentos com melhor capacidade, ou seja, de processamento, de conexão e tal. Então teve um movimento também de barateamento, poder de acesso a esses equipamentos isso na década de 10.

Então você tem a população brasileira tendo acesso a equipamentos de ponta, com capacidade na mão das pessoas e isso é como videogame, console é caro, o console é específico, um smartphone você usa para muitas outras coisas além de jogar, então o valor agregado talvez na hora que alguém vai investir: ’vou comprar um celular ou vou comprar um console’, você acaba falando “só tenho dinheiro para uma das coisas”. Então você tem também o PC, que entra um pouco nessa linha, apesar de que PCs hoje, você pode montar PC gamer, por exemplo de tudo, quanto é forma.

Você não vai ter como montar um PC gamer de ponta por 500 reais, mas você consegue hoje ter equipamentos diversos, inclusive também as próprias laptops e tal, mas o smartphone é imbatível em termos de acesso, de pulverização, de como você pode acessar e ter detalhes, ser portátil levar para onde você quiser, então você joga onde você quiser.

Um console, um PC — tirando a categoria notebook—, em termos de portabilidade o telefone carrega no bolso e o notebook você tem que carregar na mochila, é diferente, tem uma tendência que foi construída ao longo dos anos para o jogo portátil, o tal do jogo mobile, não necessariamente porque ele roda num telefone, mas porque você tem um console de videogame portátil, é possível você jogar de fato onde estiver, acho que isso tem sido uma tendência muito grande para pulverização dos jogos por Smartphone aqui no país, e isso fez com que a gente virasse o tal do mobile força, ou seja, a gente olha o consumo da nossa perspectiva de produtor de videogame, como consumo a gente ainda tem uma boa estrada, de smartphones sendo usados para jogar.

A gente vê o Mercado Global de uma certa forma também entrando numa certa crise, em relação à saturação de mercados, tem muito título de mobile, a competição nas lojas de apps é muito grande, então você precisa de muito recurso para conseguir fazer um jogo mobile, por exemplo, novo ou mesmo para fazer a manutenção da comunidade, o custo, o tal do custo de aquisição de usuário — que é um termo específico que nós da indústria de tecnologia fica mais caro —, porque você tem que fazer grandes investimentos em relação à marketing para conseguir ter sucesso.

Então, a gente tem um “grande chão” ainda, o mercado hoje de consumo no Brasil é 3,5% do mundo em termos de videogame. Claro que a gente pode, tem muito chão ainda para crescer e o smartphone tem de fato um papel importante. A gente vai lidar com a saturação de mercado, e trazendo isso parece um grande ônus, mas existe um bônus, como a gente tem muito mercado ainda pra ser endereçado aqui no país e muitos estúdios e jogos que tem a base, por exemplo na Ásia ou mesmo nos Estados Unidos ou Europa, estão olhando para a América Latina e obviamente estão olhando para o Brasil como o próximo mercado, porque nesses locais a gente está vendo uma saturação muito grande.

 

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postado em 05/03/2024 17:35 / atualizado em 05/03/2024 18:00
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