A instabilidade política de uma Jamaica dividida, em 1976, armou o cenário para o transcorrer de um emblemático show, que apelava para o poder do sorriso — o Smile Jamaica. Artesão de uma desejada ponte de união entre plataformas políticas conflitantes, Bob Marley — vivido na tela por Kingsley Ben-Adir — desponta como um potencial reparador de feridas nacionais. Mas, isso em tese, uma vez que não será poupado do fogo das armas de compatriotas, logo no início do filme Bob Marley: one love, dirigido pelo cineasta Reinaldo Marcus Green (King Richard — criando campeãs).
Tendo por eterna semente de renascimento a alegria do grupo Wailers (com o qual ascendeu), Bob Marley sobreviveu a atentado e absorveu a ideia de que, urgentemente, seria melhor seguir para a Inglaterra, num exílio produtivo e que, segundo planejado, renderia turnês mundo afora, incluindo o desbravamento do interesse de público africano. Já consagrado como ídolo que propagava a paz, sem dispensar um nebuloso ambiente (no qual as fumaças de entorpecentes se avolumavam), Bob Marley ganha uma cinebiografia que seleciona um período produtivo e dramático para o músico, apoiado, em muito pela esposa (sem contar dos outros muitos envolvimentos de Bob) interpretada, na telona, por Lashana Lynch, a Rita da trama.
A convite do Correio, alguns regueiros analisam a influência de Bob Marley em suas carreiras, desvendam os elementos do icônico cantor e compositor e contam também das expectativas que cercam o filme que tem estreia oficial hoje, no país inteiro.
O olhar dos regueiros
"Sempre uma honra falar de Bob Marley. É um dos nossos favoritos tanto na música, quanto na mensagem e na postura, em atitudes fora dos palcos. Isso fortalece a figura dele. Quem pensa em reggae já associa, imediatamente, à figura dele. Há pessoas que eu conheço que são roqueiros, nem são regueiras, mas gostam dele, por ser universal. Ele transcendeu e a música tem uma ligação espiritual, daí ser imortal. Atravessa o tempo, as eras e continua atual até hoje, nas mensagens. Ele trazia críticas ao sistema, mas sempre com a postura positiva e sempre emanando muito amor. Vejo como pura terapia a música dele. Às vezes, estando para baixo, saio para uma caminhada, e boto um Marley no headphone. Aquilo levanta o meu astral na hora. Eu o vejo ao lado do Jimi Hendrix. Quanto à expectativa do filme, há ansiedade total, desde que eu fiquei sabendo que iam lançar. Finalmente, um dos nossos heróis será visto na tela grande do cinema. Como vi que família dele está envolvida na produção, terá capricho no repertório. Só de ter um filme com músicas do Bob Marley é garantia de sucesso. Certamente, vou me emocionar muito."
Kiko Peres, guitarrista do Natiruts
"Cheguei, em Brasília, há 50 anos e, na música, sempre ouvi a minha mãe (a escritora Maria Matos), em Salvador, cantar Elza Soares e Dalva de Oliveira. Foi nos anos de 1970, em Brasília, que ouvia muito Marley. Ele é imortal e me inspirou, como ícone incontestável. Marley falou que o reggae um dia seria um sentimento de toda a humanidade. Ele tem o valor de um ícone como Pelé, daqueles que aparecem de mil em mil anos. Noto algo dele no revigor da minha regravação de Malê de balê e, hoje em dia, faço uma bossa nova reaggada, com menos elementos. Bob Marley talvez traga uma das músicas mais políticas que temos. Tenho discos de vinil dele, que comprei nos Estados Unidos e na França — não chego a ser DJ — mas faço dub com ele, de vez em quando. A simplicidade (como a dele) exige muita coisa — é como nosso João Gilberto. Os hinos do Marley eram para todo o mundo: não se tratava de protesto. Ele era minimalista e tem um lugar definitivo, e não há quem o tire do posto. Lembro que, da morte acompanhei notícias: o corpo saiu dos Estados Unidos e veio até o mausoléu dele, na Jamaica (em Nine Mile). Tudo com intensa participação popular. Vivenciei aquilo que era uma coisa ao mesmo tempo triste e fantástica."
Renato Matos, cantor e compositor
"Estou muito animada com o filme, que é aguardado por milhões de fãs que amam o rei Bob Marley. Tem muita história para contar: ele foi um homem muito especial. Criou um dos estilos mais fortes, e que também é um estilo de vida e não para de atrair adeptos, pela mensagem revolucionária de paz, de questionamento do sistema. Uma mensagem que o Natiruts carrega. Eu, como regueira, posso dizer que o Bob Marley nos influenciou completamente. Bob foi precursor e trouxe engajamento fortalecedor para adolescentes e pessoas maduras, que se identificam com as canções. Ele morreu jovem, aos 36 anos, mas a mensagem é imortal e se perpetua com outros artistas do clã Marley. Estou ansiosa pelo filme, que será um sucesso, com audiência gigantesca. Tenho certeza de que a família dele (envolvida na produção) deve ter escolhido muito bem o diretor. Além da história, a certeza é de que vai ter muita música boa no filme."
Izabella Rocha, cantora solo e vocalista do Natiruts
"Bob, simplesmente, dentro do reggae, foi o artista que fez mais pelo reggae, em toda a trajetória. Ele é icônico porque influenciou todos os músicos que tocam reggae no planeta. A história dele impressiona. Como conseguiu ser um popstar mundial, numa rota cravejada de ataques à sua pessoa? Desde menino, era atacado por 'não ser tão preto' quanto os outros... Foi um artista mundial, inclusive politicamente. E, na Jamaica, ele quase morreu, numa história muito terrível de pessoas que chegaram dentro da casa dele e saíram atirando! Ele teve a sorte de não ter morrido, e queria fazer a paz entre os políticos da Jamaica! Uma história muito delicada. Bob sempre quis fazer com que a paz fosse uma coisa presente, e tentou resolver isso nas letras das músicas, na forma dele ser com a vida. O reggae, para mim, traz prazer e amor, por inspirar as pessoas a sentirem a sua plenitude, e aprenderem a conviver da melhor forma possível. Na Tijolada Reggae — a banda que tenho como a minha vida musical — a gente consegue ter amizade entre nós e ter tudo isso que profetiza-se na música reggae. Marley foi o melhor desse profetas: temos um grupo legal e conseguimos fazer coisas bacanas, isso vem da interferência da música tirada pelo Marley."
Rogério Fagundes, vocalista e guitarrista do Tijolada Reggae
"Bob Marley foi, e continua sendo, uma das maiores vozes que emergiram do Terceiro Mundo. Ele foi uma espécie de embaixador de pessoas e povos que nunca tiveram voz. Ecoou essa voz para o mundo inteiro, através das músicas, e interessante que fez isso com tanta maestria, em melodias únicas, e poderosas letras. Tudo forte e autêntico, usando o reggae como um ritmo novo. Nisso, conquistou não só os oprimidos, que eram as pessoas a quem dava voz. Conquistou a Europa, os Estados Unidos e o mundo inteiro. No Japão, com certeza, você encontra grande fãs de Bob Marley, por causa das mensagens universais. Nós, do Alma Djem, tivemos música muito influenciada pelo Bob. Depois dos covers, entendemos as mensagens: através disso, começamos a construir letras de protesto, letras falando sobre igualdade, letras filosóficas tratando do ser humano. Acho que o filme será uma grande oportunidade de mostrar para as novas gerações que um cara que viveu só 36 anos deixou um legado enorme, falando sobre igualdade, denunciando o racismo e as desigualdades sociais, e falando sobre enlevação. Tudo isso através de mensagens de amor e não de guerra."
Marcelo Mira, cantor, compositor e um dos fundadores do Alma Djem