Com forte criatividade e absoluto suspense quanto ao destino final de uma sanguinolenta epopeia, o filme de terror O mal que nos habita é um dos destaques das estreias de cinema. É o próprio diretor, o argentino Demián Rugna que, em entrevista internacional, confirma: "Não sei como meus filmes avançam para o final". De pronto, ele adianta que tem queda por finais nem tão felizes. Nem mesmo na vida real, Rugna consegue escapar do azar. Foi o produtor mexicano Guillermo de Toro, aclamado no exterior, que se interessou pelo remake de um longa de Rugna, Aterrorizados (2017), e até o contratou para a refilmagem. Com a pandemia, tudo foi por água abaixo. Mas é pelo quinto filme da carreira, O mal que nos habita, com arrecadação de US$ 546 mil nos Estados Unidos (e acúmulo de US$ 1,5 milhão, mundo afora), que o diretor tem se projetado. O novo filme caiu nas graças dos círculos de críticos de Chicago, Phoenix e Las Vegas, conquistou o Prêmio (latino-americano) Blood Window, venceu o título de Melhor filme no festival catalão de Sitges e, claro, caiu nas graças dos espectadores de terror, especialmente depois de ter integrado o Festival de Toronto (Canadá).
"Tentei, por todo o tempo, oferecer um choque para o público e, claro, relaxamento também. Preciso deste descanso para, novamente desferir outro soco — o humor é um bom caminho para isso", comentou Rugna para site Collider. Ele calcula que esperou cinco anos para colocar em prática o filme apegado em escapadas, perseguições, cenas externas com claridade e o desafio de ter animais e crianças em cena. À frente do roteiro, que revela uma maldição cada vez mais entranhada na vida dos irmãos Pedro (Ezequiel Rodríguez) e Jimi (Demián Salomón), Rugna exagera: "Quando eu escrevo, sou deus: decido quem sobrevive e quem vence na trama".
Dono de um toque estranho, que gera riso nervoso, o diretor fala da pronta inspiração derivada de cinema, que nasceu de filmes como Uma noite alucinante — A morte do demônio (de Sam Raimi), O lamento (da Coreia do Sul) e A estrada, segundo ele, "um road movie, cruel e bem atuado, com Viggo Mortensen, e adaptado da literatura de Cormac McCarthy (morto no ano passado). Sucesso no streaming Shudder, O mal que nos habita, na Argentina, superou o sucesso de Não dormirás, com público superior a 110 mil, nos primeiros 11 dias de exibição. O filme foi exibido em 145 salas da Espanha. Para alcançar o sucesso, o diretor contou com outro elemento, além do humor negro, visto por ele como "pedra fundamental": a confiança do mercado (o filme tem coprodução entre os Estados Unidos e a Argentina). "Tive a sorte de cada produtor na Argentina confiar totalmente em mim. Entreguei o roteiro e eles disseram: 'vá em frente!'. Fizeram um ou outro comentário, mas o resultado foi integralmente o que sempre pretendi fazer", explicou à imprensa internacional.
Tiros de revólver, num ambiente ermo, de vegetação bastante espaçada, chamam a atenção dos irmãos Pedro e Jimi. Até a chegada ao extremo, que toca o canibalismo, muita coisa acontecerá: o cachorro Roger será inclemente, até mesmo com as crianças; a luz elétrica deverá ser evitada a todo custo; perversas crianças serão agredidas, e uma ameaça putrefata rondará o passo de muitos personagens, desde que o proprietário de terras Ruiz (Luis Ziembrowski) resolve tomar uma atitude drástica e conjunta contra um homem vítima de possessão.
Depois de encontrar um corpo dilacerado no campo, a dupla de irmãos carrega uma maldição com desdobramento frenético e misterioso. Gerada a partir de um homem disforme e "embichado" (como diz a crença culturalmente forte no interior da Argentina), que em português remete à condição de parasitado, a ação mexe com o emocional de Pedro, cada vez mais agitado e perdido com a dinâmica da aldeia adulterada. Isso depois que um corpo, que exala uma conexão malévola, é deixado a mais de 300km de distância da pequena aldeia argentina.