Na expectativa pela exibição de cada novo filme do mestre nipônico Hayao Miyazaki, 83 anos, o videografista e animador Jansen Raveira conta os minutos para assistir ao longa O menino e a garça, que estreia hoje. "Desde que eu comecei a trazer mostras dele para o Brasil, sempre alguém pergunta do eterno anúncio da aposentadoria de Miyazaki. Respondo com uma expressão até bem antiga: 'ele sofre de síndrome de Bibi Ferreira — toda vez que anunciava um espetáculo, dizia que era o último'. Trata-se da personalidade do artista. Acho que Miyazaki vai morrer na prancheta, nunca em casa, ele estará desenhando. O que acontece é que ele diminuiu o ritmo. Desde Castelo animado (2004), há intervalos passando de 10 anos. Espero que ele viva muito, e deixe mais uns três filminhos para a gente", observa Raveira.
Vencedor de melhor storyboard (prévias esboçadas de cenas), no Annie Awards (instituído em Los Angeles em 1972), e premiado pelo Círculo de Críticos de Nova York, pelo Globo de Ouro e ainda pelo britânico Bafta, O menino e a garça disputará o Oscar de melhor animação ao lado dos peso-pesados Elementos, Homem-Aranha: Através do aranhaverso e Meu amigo robô, no dia 10 de março. Vale o peso, nesta conjuntura, do tracejado onírico de Miyazaki, vencedor, em 2015, de Oscar honorário, ao lado do roteirista de Luis Buñuel Jean-Claude Carrière e da icônica atriz Maureen O´Hara (de Como era verde o meu vale e Depois do vendaval).
Bastante difundido, no Ocidente, especialmente depois do sucesso de A viagem de Chihiro (2003), premiado com o Oscar, Miyazaki se tornou sinônimo de qualidade, com o emblemático estúdio Ghibli. "Ele foi um alento muito grande para quem trabalha com animação: no meio da superdigitalização, numa atmosfera muito ameaçadora, como tem sido agora, com o advento da inteligência artificial, que surpreende e traz um certo medinho, Miyazaki deu uma super valorizada no artesanal. Ele desconstruiu aquela previsão de futuro absoluto e tecnológico, de tudo em 3D e criado em computador. Ele celebra uma arte baseada em desenho manual. Da mesma forma que o estúdio Laika exacerbou a relação com stop-motion (com usos de arte manual e fabricação de bonequinhos), Miyazaki é meio vintage, num mundo ultramoderno", pontua Javier Raveira.
Muito antes de uma revolução encenada no filme, num mundo habitado por Duch e uma leva de periquitos maldosos, o enredo se detém em Mahito, garoto que passará por rito em direção ao amadurecimento. Não é por acaso que um clássico livro de Genzaburo Yoshino, dado como um incitador de filosofia entre jovens, surge como norte do garoto que, em momento crítico da Segunda Guerra, perde a mãe, que estava internada em um hospital incendiado, em Tóquio. Junto com o pai, Mahito chegará ao meio rural, em que uma estranha garça-real lhe tira o sossego na mansão que, nos arredores, conta com uma torre de acesso interdito. Conduzido para uma armadilha, Mahito adentra um universo sustentado no equilíbrio de peças de madeira, dispostas segundo normas aleatórias. Visitação a túmulo, conspirações e feitiços capazes de transformar corpos em substâncias líquidas atordoam o rapaz já perturbado pelo novo casamento do pai, justo com a tia dele, Natsuko.
O novo filme é considerado um dos mais pessoais do animador Miyazaki que trata de situações de proteção e da calmaria do meio agrário e remonta, à sombra, o pretenso desenvolvimento alcançado com construções de aviões de combate. Ainda que hostilizado, Mahito vai topar com o progresso que tanto deslumbra o pai, apoiador de uma sociedade estratificada. Para dar uma amenizada na atmosfera, povoam as cenas, alguns bichinhos brancos — os wareware — que, flutuantes, trazem leveza à trama, associados ao nascimento de seres humanos. Bastante adulterado, diante da interferência da estranha garça, o destino do protagonista passa ao largo da contemplação, um constante elemento na filmografia do mestre.
» O que eles disseram
"Sou grande fã da Ghibli, e dos mestres Miyazaki e Isao Takahata, e tive o prazer de visitar o estúdio e conhecê-los pessoalmente. Nos filmes da Ghibli, questões como ecologia, espiritualidade, amizade e amor têm como traço comum a coragem de seus personagens. A sensação é de que há um espaço de conexão com o sagrado na infância, tão percebido quanto respeitado pelos adultos. Já assisti algumas vezes a O menino e a garça. O filme é uma obra-prima. Mostra os enfrentamentos do luto de uma mãe, dialogando com questões do diretor e do futuro do estúdio Ghibli, com uma incrível trilha sonora"
Alê Abreu, cineasta brasileiro que
competiu pelo Oscar com o filme
O menino e o mundo
"Os estúdios Ghibli são uma das maiores referências da animação japonesa com filmes reconhecidos no mundo todo como A viagem de Chihiro ou O castelo animado. Hayao Miyazaki é um diretor que consegue tecer histórias marcantes, profundamente relacionadas à cultura oriental, mas que, ao mesmo tempo, possuem interesse e apelo universais. Mantida a tradição, seu novo filme O menino e a garça é uma promessa de lirismo e sensibilidade atrelados a uma grande aventura"
Ítalo Cajueiro, diretor premiado, no Anima Mundo,
por O lobisomem e o coronel
"Como um apreciador de animações japonesas, O menino e a garça é um projeto que estou ansioso para ver. Hayao Miyazawki, com seu histórico de filmes como Castelo animado, Viagem de Chihiro e Serviço de entregas da Kiki provam suas habilidades artísticas em criar narrativas envolventes e visualmente deslumbrantes, com personagens icônicos e memoráveis, além de mensagens poderosas em suas obras. Miyazaki é um ícone dos animes e uma lenda viva, por isso tenho altas expectativas para O menino e a garça"
Krishna Schmidt, diretor de fotografia
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