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Céline Devaux, da comédia 'Todo mundo ama Jeanne', traz visão caótica

Um mundo de incertezas e com várias camadas de problemas pessoais está estampado na comédia 'Todo mundo ama Jeanne', em cartaz na cidade

Céline Devaux:
Céline Devaux: "Exerço o humor para que as pessoas não saiam do cinema apelando para coisas drásticas" - (crédito: AFP)

A depender da diretora estreante em cinema, a jovial francesa Céline Devaux, 37 anos, que trouxe para o Brasil a comédia romântica Todo mundo ama Jeanne, cinema não preconiza integral trabalho de equipe. "Fui para escola de artes, estudei animação e esta é minha formação de origem. Mais do que adotar as linguagens de tirinhas ou dos quadrinhos, cultivo a ideia de que você pode fazer cinema com qualquer coisa, inclusive com desenhos. Você não precisa de uma equipe inteira. Se você tem pouco dinheiro, você começa a desenhar, e aí está a solução. Isso é o que realmente me motiva. Nisso, há uma independência muito grande quando você desenha, você está sozinho e não precisa estar com uma equipe. Você não precisa estar com atores: você simplesmente desenha, e isso é o suficiente", dispara. Além de formada pela Escola Nacional de Arte e Decoração (Paris), Céline teve estudos aprofundados em literatura e história.

Os desenhos trazem uma solução  criativa no filme, mas Devaux não dispensou atores, claro. Em cena, estão Blanche Gardin e Laurent Lafitte, na pele de um casal com muitos ponteiros desencontrados. "Eles se conheciam de leve, e logo notei o quanto eu queria trabalhar com eles juntos. Sabia que  estariam felizes da reunião e realmente criaram um dueto muito bom e que funciona", avalia a diretora.

Além de amor, Céline queria falar de coisas tristes. "Pensei que seria bom ter sensibilidade com o público ao falar sobre o fim do mundo, a depressão e a morte. Exerço o humor para que as pessoas não saiam do cinema apelando para coisas drásticas", diverte-se. Num balanço de vida, a protagonista, algo frustrada no aspecto profissional, tem que lutar com as contas a pagar, especialmente, depois da morte da mãe. Um humor muito peculiar, por vezes, mórbido e ácido poderia assustar? "Pessoas gostam do filme, sejam jovens ou velhos. Na maioria das vezes, o público se identifica por causa da voz interna da personagem Jeanne. Nisso, o filme carrega realmente algo universal: o sentimento. Sempre escrevi pensando que o humor deveria ser diferente, um pouco provocativo, surpreendente, mas nunca cruel. Até porque elementos cruéis envelhecem, caem de moda, sem perdurar", avalia a cineasta.

Uma espécie de alter-ego, assemelhado ao Capitão Caverna (da Hanna-Barbera) invade inúmeros pensamentos e ponderações da protagonista, numa rápida conexão. Ideias esquisitas se multiplicam na mente de Jeanne, sempre estressada. "Quando eu comecei a escrever o roteiro, percebi que não existia uma coisa como um singelo momento. A singularidade se aplica para as situações em que experimenta uma emoção muito forte. Cada momento, na vida, são, na verdade, 10 momentos. Agora, por exemplo, estou na casa de uma amiga, te conhecendo na videochamada, há reformas no prédio, reflito se eu estou bonita! Tudo, de pronto, num segundo. O cinema, geralmente, traz ação de catarse, com algo com que as pessoas se identifiquem. Eu quis estar na cabeça de uma pessoa e fui adiante: em cima de uma situação, percebi que 20 coisas distintas chegavam na minha cabeça", conta Céline.

Exibido na Semana da Crítica no Festival de Cannes, Todo mundo ama Jeanne tem grande parte das cenas em Portugal. "É uma época realmente muito dura para o cinema, mas estou muito satisfeita de que o filme alcance o Brasil. Estava até impaciente, pois já foi mostrado em Lisboa, e eu queria que estivesse aí logo. De propósito, eu não queria filmar na França. Cresci falando alemão e inglês, e, por diversas razões, muita gente ao meu redor falava espanhol. No cinema, queria falar em inglês e com outra língua que eu não dominasse. O cinema e a literatura em português são próximos a mim por diferentes motivos. Desde criança, tive facilidade em aprender línguas. Me ver falando um português quebrado seria uma frustração, mas acho linda a língua portuguesa", sintetiza.

Numa análise pessoal, a diretora de cinema Céline Devaux conta que artisticamente se identifica mais com artistas plásticos e escritores do que com cineastas. "Gosto das obras de Camille Henrot e da literatura de Jennifer Egan (A visita cruel do tempo). Ainda que goste da diretora italiana Alice Rohrwacher (de Le pupille, sobre estudantes rebeldes de escola católica), entre outras, Paul Thomas Anderson e cineastas homens foram os que, infelizmente, dominaram meu imaginário, por causa do quantitativo. Ganhamos com criadoras audaciosas, que não estão nem aí, por não precisarem defender algum status. Elas, no passado, abriram frentes muito importantes. Mas não agiam com arrogância. Geralmente, homens defendem coisas: seja lá por honra, ou por outra coisa para qual não estou nem aí (risos). Na voz feminina, se gerou o interesse pela liberdade. Vem justamente da condição de marginalizadas por tanto tempo", completa.

 

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postado em 19/02/2024 11:29 / atualizado em 19/02/2024 12:30
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