Um símbolo da cultura brasileira, o choro é um dos mais originais estilos de música instrumental, próprio do ambiente urbano. Nascido no Rio de Janeiro, na segunda metade do século 19, esse gênero tem como referência nacional e até internacional o Clube do Choro de Brasília. Com mais de 30 anos promovendo e difundindo o gênero, a associação se junta à Escola Brasileira De Choro Raphael Rabello — a primeira escola de choro brasileira — na criação do projeto Choro Popular Orquestra, que visa se debruçar sobre a história desse estilo musical e realizar apresentações musicais na cidade.
Apesar de não ser a primeira orquestra de choro no país, o diferencial desse projeto é a viagem pelo passado do choro, promovendo o encontro com grandes mestres que marcaram esse gênero. A iniciativa receberá músicos tanto da escola Raphael Rabello quanto de todo o DF para ensinar e aperfeiçoar o entendimento sobre esse estilo, elevando o choro da capital a outro patamar e disseminando essa arte. O projeto tem previsão de começar em abril. O Correio conversou com Henrique Lima Santos Neto, diretor da Escola de Choro Raphael Rabello, e com Fabiano Medeiros, um dos maestros convidados para dirigir a orquestra. Fabiano também é responsável pela direção da Orquestra Popular Marafreboi, de frevo.
Entrevista // Henrique Lima Santos Neto, Diretor da Escola Brasileira De Choro Raphael Rabello
Como surgiu a ideia da orquestra?
A gente vem há 25 anos formando jovens músicos. Não só jovens, mas pessoas de todas as idades e , além do ensino, também promovemos a roda de choro, não só lá na nossa sede, mas também em outros lugares da cidade, levando essa música para o maior número de pessoas. Acompanhamos, nesses últimos tempos, um aumento de iniciativas de choro na cidade e ficamos muito felizes. Então, a orquestra é um novo passo que a gente quer dar para criar uma formação de música brasileira, no caso o choro. A gente terá uma formação de orquestra, com sopro, e isso vai dar uma nova dimensão para essa música aqui em Brasília. É uma nova proposta, que vai acolher músicos da nossa cidade. Esse projeto divulgará o choro nessa nova formação, dando uma nova cara para ele.
Como vai funcionar esse projeto?
É um projeto que inclui também essa formação de músicos para ingressar nessa orquestra. A ideia é que seja uma oferta que receba de fato esses alunos que vão se formando na escola, para ter, assim, mais um ponto de inserção no mercado musical. A ideia é que, sim, a gente tenha músicos profissionais e outros que a gente formará para atuar conjuntamente na orquestra. Mas isso está sendo definido conjuntamente entre o Fabiano e nós, da escola do Clube do Choro. Então, estamos definindo quais instrumentos que a gente terá na orquestra, os músicos que tenham essa linguagem do choro — porque não basta somente a pessoa saber tocar, precisa entender a linguagem. Então, a gente está construindo todo o conceito da orquestra, tanto na parte musical como na parte da identidade visual, porque a gente também quer explorar essa conotação bem brasileira do choro. E, ainda, a ideia que a gente conte a história dessa música que começou lá em meados do século 19.
O projeto tem data de início?
Estamos iniciando a pré-produção. Então, elaboramos os arranjos, estamos convocando os músicos e a agenda dos ensaios. Estamos fazendo todos esses trâmites de organização, o plano de atividades do projeto, para a gente dar a largada. Provavelmente, a gente deve inaugurar esse projeto em abril ou no Dia do Choro (23/4) ou no dia do aniversário da escola (29/4). Estamos com essas duas datas em mente para apresentar à orquestra.
Qual a importância dessa orquestra?
Será um show que envolve também um teor didático, que apresente cronologicamente, que fale dos compositores, que traga informações relevantes na medida que vai sendo tocado o repertório, para que a gente também informe a população. Então, é um projeto cultural e educacional também. Acho que, hoje em dia, a partir do trabalho que a gente tem no Clube do Choro e da escola, a repercussão que isso tem dado ao choro no Brasil, pode despertar o interesse de pessoas de diferentes regiões do Brasil e do mundo. Nesse show, a gente procura dar essa grandeza, essa importância e a beleza do próprio choro, mas agora numa nova formação, com uma imponência maior, em uma orquestra, com arranjos bem elaborados. Então, acho que vai trazer uma nova dimensão para o choro.
O que o choro propícia para o público que o acompanha?
O choro, para o brasileiro, acho que é sempre um reencontro com as suas próprias raízes. Toda vez que a gente escuta um Pixinguinha, uma Chiquinha Gonzaga, um Ernesto Nazareth, tem esse reencontro com as nossas origens musicais. O choro é a primeira música urbana do Brasil e está no nosso DNA, na nossa origem de povo.
Entrevista // Fabiano Medeiros da Costa, um dos maestros da orquestra
Como músico, qual a importância dessa orquestra para o choro e para Brasília?
Esse projeto está gerando uma coisa muito importante para a cidade que é uma orquestra com muita personalidade, criada para se dedicar única e exclusivamente ao choro brasileiro inteiro. Então, essa orquestra nasce para fazer uma leitura sobre essa literatura, desse gênero que é uma das grandes pérolas da música brasileira instrumental. O chorinho, é importante frisar, em Brasília, tem uma grande representação que é o Clube do Choro, por ser hoje a meta, vamos dizer assim, da música instrumental brasileira. O Clube do Choro já faz um trabalho de base maravilhoso, um trabalho de educação, que precisava ter essa orquestra que pudesse fazer leitura sobre esse gênero musical. Ela vai agregar o valor da educação musical que já existe, mas que vai formar tanto músicos que vem dentro da educação musical como músicos da cidade que já tocam choro e que tem a vivência e o trabalho de pesquisa dentro da literatura do choro.
Por que fazer uma passagem pela literatura do choro?
Esse é o ponto de partida. A gente não começa uma conversa sobre alguma coisa sem passar pelo passado, as bases. Então, as bases, elas são ancestrais. E trazer a literatura contemporânea. Quem são os contemporâneos? Então, passar pelo passado é necessário para motivar a galerinha nova que tá chegando. Brasília já tem uma das melhores escolas de música do país, que é a Escola de Música Raphael Rabello. Então o Clube do Choro, inteligentemente, conseguiu ter esse entendimento que era necessário criar uma orquestra que pudesse passar pela literatura do choro, do gênero musical que não começa agora. Na verdade, começa lá atrás com o Joaquim Calado, com a própria Chiquinha Gonzaga — que foi uma figura emblemática do primeiro momento do choro — e vai chegar até os anos que estamos vivendo, nossa contemporaneidade, passando por Pixinguinha, grande figura.
Qual a relação entre o gênero do frevo e do choro?
Hoje, minha responsabilidade sobre a orquestra é me dedicar, me debruçar sobre o choro e há algumas, eu não diria, similitudes, mas algumas coisas muito personificadas nesses dois gêneros: frevo e choro. Dentro da música brasileira são dois gêneros que têm um lugar de reserva na música instrumental, tanto que existe choro instrumental puramente sem letra e existe frevo sem letra, que é o frevo de rua. Então a gente está dentro da música instrumental brasileira mais pura que você possa imaginar. Todo músico, de uma maneira geral, vai passar por essas duas escolas. Existem duas músicas muito emblemáticas, importantes, para dar esse cheiro, esse traço, essa cor, que são a música instrumental do frevo e, sobretudo, do choro. Por isso, me sinto bem à vontade em transitar por essas duas linguagens instrumentais brasileiras.
Qual o diferencial dessa orquestra de choro, tendo em vista a existência de outras orquestras desse gênero pelo país?
A orquestra vai se dedicar única e exclusivamente ao choro brasileiro. E aí, talvez seja a grande atipicidade do momento, que já existe orquestra no Brasil, que toca dedicado ao Pixinguinha. Mas essa orquestra vai se dedicar à literatura do choro de uma maneira geral. Essa que talvez seja a grande pérola que o Clube do Choro tá inovando. Então fico feliz porque eu estou participando desse projeto.
*Estagiária sob à supervisão de Severino Francisco.
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