Sem o sol, não há vida. Todos os astros presentes no Sistema Solar giram em torno desse que é o maior, mais poderoso e volumoso corpo do lado de cá do universo. O detalhe vital é suficiente para a equipe da AYA Estúdio justificar o protagonismo dessa estrela na exposição Luz Æterna — Ensaio sobre o Sol, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. Fruto de uma pesquisa que une arte e tecnologia, a mostra convida o visitante a mergulhar em reflexões poéticas sobre o astro, ao mesmo tempo em que descobre suas dimensões plásticas e míticas. “O Sol é o astro que representa a vida, sem ele a vida não existe e a gente quer mostrar como ele é importante e como pode ser transformado em arte. Não estamos falando do Sol literalmente, é uma construção”, avisa o curador, Antonio Curtí, sócio fundador da AYA Estúdio, responsável pela concepção da exposição.
No total, sete obras imersivas criadas de maneira a proporcionar experiências sensoriais ocupam as galerias 2 e 4 e o Pavilhão de Vidro do CCBB. “São somente artistas brasileiros, um norte da curadoria para mostrar que esse movimento de new media art no Brasil também é ponta de lança”, avisa o curador. São obras que utilizam dados em tempo real de acontecimentos solares, obras em que o visitante se transforma em partículas e faz um entrelaçamento poético com o astro e outras em que a proposta é refletir sobre o universo. “Tem desde obras imersivas, interativas e contemplativas até obras complementares”, explica Curtí.
Tudo começa em Gênesis, instalação que conta, de forma poética, a história da importância do astro para a vida na Terra desde a origem até os dias atuais, incluindo o impacto para a tecnologia, a sustentabilidade e a vida diária. A obra é assinada pelo estúdio AYA. “É uma sala imersiva que cria essa jornada da formação do sol até os dias de hoje”, explica Curtí.
Idealizada pela artista ERO, Fluido solar propõe uma interação por meio de jogos de luz e cria a sensação de um corpo flutuante cujas raízes estão presas ao solo, uma metáfora na qual o homem é, ao mesmo tempo, produto da terra e da luz. Em Continuum, Junior Costa Carvalho e Rodrigo Machado, do Estúdio Sala 28, utilizam dados de fenômenos solares em tempo real para alimentar barras de LED cujas cores e intensidades variam de acordo com as informações recebidas. Em Perihelion, uma projeção em tempo real transforma o céu em uma câmara escura na qual fenômenos como um eclipse, o movimento de rotação e o solstício de verão são marcados por relógios concêntricos.
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A Aquarela de íons de Arthur Boeira e Gustavo Milward narra fenômenos solares a partir de composições de som, luz e imagens. O ambiente imersivo sugere ao público acompanhar como os íons solares são capazes de influenciar corpos muito distantes do astro rei. Photosphere, de Leandro Mendes, é uma teia circular de cores vibrantes criadas a partir de dados coletados do universo e, em Céu zero, Leston propõe pensar sobre a linha do horizonte e seus limites.
Luz Æterna entra em cartaz logo após Studio Drift — Vida em coisas, mostra de artistas holandeses que também trabalham com linguagens a meio caminho entre a arte e a ciência. Segundo Curtí, é uma tendência. A intenção foi, sobretudo, falar do Sol de forma poética e em uma linguagem que engaje o público. “Eu não acredito mais na exposição da arte onde a pessoa vai sem conhecimento prévio e sai vazia. Acredito numa exposição que ela vá gostar e querer contar para alguém, que cria um efeito de bola de neve”, diz o curador.
Luz Æterna - Ensaio sobre o Sol
Curadoria: Antonio Curtí. Visitação até 5 de maio, de terça a domingo, das 9h às 21h, nas Galerias 2 e 4 e no Pavilhão de Vidro, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB — SCES Trecho 02 Lote 22, Ed. Presidente Tancredo Neves). ENtrada gratuita mediante retirada de ingressos no www.bb.com.br/cultura e na bilheteria do CCBB Brasília
Entrevista com Antonio Curtí
Como a arte pode se beneficiar da união com a tecnologia em exposições como Luz Æterna?
A gente tem essa paixão de como a tecnologia e a arte são intrínsecas na sociedade contemporânea e como se ligam para criar poéticas e diálogos que façam sentido na sociedade contemporânea em que a gente vive. A arte está sempre sendo um espelho da vida e esse espelho está contemplando o futuro que a gente está experienciando. A arte é só um espelho da vida e utiliza essas técnicas para se reinventar, como outros movimentos se utilizaram.
No caso dessa exposição, como isso se traduz para o público?
É uma exposição que tem um viés muito interessante. Para o público, não há necessidade de conhecimento de história da arte, ela democratiza, de fato, o acesso à experiência, ao conteúdo. Todo mundo vai sair com uma experiência, um resultado, e isso é que é bacana quando você utiliza essa poéticas imersivas de novas mídias para trabalhar a arte.
Por que o Sol como tema?
O Sol sempre foi reverenciado desde os primórdios como uma entidade que capacitou o ser humano a desbravar, explorar, conhecer mais sobre o mundo. A sobrevivência é intrínseca à existência do Sol. Em muitas culturas, o Sol foi personificado como um deus. E quando o ser humano domina o fogo, tira essa propriedade que faz do Sol uma divindade e se transforma no próprio deus. E quando o ser humano absorve o Sol, cria a luz artificial. A exposição é como esse Sol se transforma no fogo e na luz, que se transformam em arte. As obras utilizam essa matéria luminosa para criar as poéticas. Não é uma exposição de luzinha imersiva. É como a mente de um artista é capaz de se apropriar dessa divindade que é o Sol para transformá-lo em tecnologia e criar obras que têm o intuito de impactar o público, trazer questionamentos.
Como fazer evitar que uma exposição como essa não seja uma reprodução de um museu de ciências?
Isso é uma questão da poética artística do artista trabalhando no projeto. O artista tem um norte e sabe transformar qualquer coisa numa visão artística. A criatividade do ser humano é capaz de utilizar esse tema e transformar numa arte que faça sentido não só para ele, mas para o público como visitante. Claro que daria muito certo num museu de ciências, por exemplo, mas a visão curatorial e geral do projeto é transformar em experiências artísticas em que o conteúdo é passado para o visitante, mas não é explicado. A obra não é didática e isso é a grande diferença para um museu que é mais voltado para o ensino. A gente balança o ensino dentro dessas formas líricas da obra feita pelo artista. E isso se transforma numa experiência muito rica, porque duas pessoas que visitam a exposição não necessariamente terão a mesma experiência. Após a pandemia, um período muito terrível e delicado, eu acredito numa forma de trabalho que leve as pessoas para cima e as deixe felizes após sair do espaço, trazendo conteúdo também. Eu quero fazer um equilíbrio nesse sentido.
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