Por José Humberto Fagundes
Especial para o Correio
A receptividade e a identificação do público cubano com a música instrumental produzida em Brasília, traduzidas em fervorosos aplausos, não por acaso refletem a criatividade nas trajetórias profissionais do gaitista Pablo Fagundes e do violonista Marcus Moraes. Expressam sobretudo o resultado da parceria de 12 anos dos primeiros músicos na história do Distrito Federal a participar do Festival Internacional Jazz Plaza Cuba, que teve sua 39ª edição em Havana de 21 a 28 de janeiro de 2024.
O evento é o maior do gênero na América Latina, dos mais longevos e importantes do mundo. Desde sua primeira edição, em 1984, registra apresentações memoráveis de músicos consagrados, como Dizzie Gillespie, Stan Getz, Herbie Hancok, Wynton Marsalis, Gerry Mulligan, Carmen McRae, Ry Cooder, guitarrista idealizador do Buena Vista Social Club, sucesso global na década de 1990.
Mas foi numa tarde ensolarada, em que o vento suave esparramava-se por Havana, que o Teatro Nacional de Cuba recebeu logo no primeiro dia do Festival a participação de Pablo Fagundes, como convidado especial do maestro cubano Joaquin Betancourt e orquestra. O maestro teve a oportunidade de conhecer o trabalho do gaitista quando esteve em Brasília algum tempo atrás. Pablo fez dueto com a cantora norte-americana Theo Valentin e o público não se fez de rogado à interpretação magistral de Moondance, música-título do álbum do cantor irlandês Van Morrison. Aplausos de pé para Joaquin, Theo, Pablo.
As boas surpresas estavam apenas no começo. Na sequência do Festival, a reverência à música brasileira tomou corpo no show de homenagem à Elis Regina, protagonizado pela cantora cubana Zule Guerra. No convite a Pablo Fagundes para subir ao palco do Teatro Nacional, na terça, 23, ela definiu: “Su música es increíble, su sonido es increíble, su país es increíble.” A audiência teve a oportunidade de presenciar um momento mágico de interação musical entre Brasil e Cuba, própria da intensidade que só mesmo a música permite. O repertório empolgou o público. Clássicos como Carinhoso, O bêbado e o equilibrista, Maria, Maria ressaltaram a experiência inédita e promissora vivenciada por Zule e Pablo e compartilhada com uma plateia absolutamente fascinada.
No dia seguinte, 24, depois da passagem de som no Teatro do Museu Nacional de Belas Artes, a ansiedade e a expectativa da primeira apresentação de Pablo e Marcus no Festival dissiparam-se em uma caminhada pelo centro histórico de Havana, num ambiente caloroso de fim de tarde. Afinal, estavam na companhia insuperável de Baden Powel e Vinícius de Moraes, Jacob do Bandolim, Zequinha de Abreu. Na melhor companhia musical que o Brasil sempre apresentou ao mundo. Além da confiança nas próprias composições autorais.
À noite, pouco depois do início do show, e apesar dos pedidos por Garota de Ipanema, Pablo e Marcus optaram por ritmos não tão onipresentes como a Bossa Nova. Contagiado pelo Coco, Maracatu e Frevo, o público conheceu outro lado da ampla diversidade musical brasileira. E ovacionou as composições autorais Maracatu pra Tu, Frevoraes e Procurando Coco. A consagração do espetáculo veio com Canto de Ossanha, Noites cariocas, Tico-tico no Fubá/Voo do besouro. Os cubanos renderam-se ao que viram e ouviram. Momento inesquecível para a música instrumental brasiliense.
Se contratempos houveram, estiveram em grande parte relacionados aos sinais instáveis de internet, que dificultavam a comunicação. Nas ruas, nos transportes, bares e restaurantes prevaleciam a boa vontade no tratamento recebido pelos músicos brasileiros.
Por sua vez, no complexo denominado Fábrica de Arte Cubano (FAC), o visitante é remetido a ambientes culturais que se confundem com similares em Nova Iorque ou Berlim. Um lugar incrível, com quatro palcos de diferentes tamanhos, galerias de arte, bares, restaurantes. Havana produz contradições. Mas contradição alguma existiu quando Pablo Fagundes e Marcus Moraes subiram a um dos palcos do FAC no sábado, 27, para concluir a bem-sucedida tarefa de levar a música de Brasília ao cenário de um dos mais importantes festivais de jazz do mundo. Impossível medir o entusiasmo do público cubano. Tampouco o tamanho da realização dos músicos com a oportunidade de representar o Brasil brasiliense.
Participante ativo do evento, o embaixador do Brasil em Cuba, Christian Vargas, prestigiou os dois shows do Duo e a participação de Pablo na homenagem de Zule Guerra à Elis Regina. Ele considerou “muito especial a presença do Brasil este ano no Festival Internacional Jazz Plaza de Havana. Pablo Fagundes e Marcus Moraes não só apresentaram o melhor da música brasileira, mas criaram pontes musicais com os músicos cubanos, que certamente darão muitos frutos.” E acrescenta que os momentos compartilhados por Pablo Fagundes e Zule Guerra, “uma das mais talentosas intérpretes cubanas da nova geração, estão certamente entre os pontos altos do Festival e tocaram o coração de Cuba.” O apoio da Embaixada foi fundamental para a participação dos músicos de Brasília.
Panamá Jazz Festival
Apresentar-se no mesmo evento que já reuniu mais de 500 mil pessoas, cidadãos e cidadãs do mundo afora, e por onde passaram os renomados Wayne Shorter, Herbie Hancock, Stanley Jordan, Chucho Valdés, Danilo Pérez, teve um significado especial para o gaitista Pablo Fagundes e o violonista Marcus Moraes. Afinal, era a primeira vez que a música de Brasília seria levada ao palco do Panamá Jazz Festival, cuja 21ª edição aconteceu de 15 a 20.01.2024.
O encantamento das mais de 700 pessoas que lotaram o emblemático Teatro Ateneo, na quinta, 18, ficou marcado nas interpretações das composições autorais Maracatu pra tu e Por um suspiro (Fotos). O clímax determinado pelos clássicos Chega de saudade e Lamento do morro renderam aplausos de pé. Audiência contagiante. O embaixador do Brasil no Panamá, Carlos Abreu e Silva, fez coro ao entusiasmo do público.
Integrante da Direção Executiva do Festival, Carolina González havia prenunciado que a participação do Duo brasileiro iria “realçar a programação dos concertos, esperando ser uma ponte para a continuidade dos intercâmbios culturais entre o Brasil e o Panamá.”
E essa ponte adquiriu significado também com a realização de uma “masterclass” (Fotos) de música brasileira para os mais de 200 estudantes de música, panamenhos e internacionais, da Fundación Danilo Pérez, organizadora do Festival. Fortaleceram-se aí as raízes da música brasileira no meio acadêmico do Panamá. Ao celebrar a interação com os estudantes, o embaixador do Brasil Carlos Abreu e Silva ressaltou a importância da atividade para a difusão da cultura brasileira. Em via de mão dupla, a Embaixada do Brasil proporcionou apoio fundamental aos músicos, que retribuíram com a alegria e a qualidade musical característica do trabalho do Duo Pablo Fagundes e Marcus Moraes. Viva a música!
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