"Não deveríamos levar as coisas tão a sério: estamos fazendo filmes", observou, há poucos dias, o diretor grego Yorgos Lanthimos que, aos 50 anos, foi tema de debates no British Film Institute, enquanto vive o melhor momento da estrada profissional. Com o longa Pobres criaturas, estrelado por Emma Stone, indicado a 11 prêmios Oscar, ele segue firme em desencorajar a abordagem de temas ou mesmo aglutinar sinopses para os filmes que realiza. Yorgos só não gosta de ser tachado de polêmico, ao que completa: "A maioria dos filmes que têm questões profundas são políticos, numa certa medida". Baseado em romance publicado pelo escocês Alasadayr Gray, em 1992, Pobres criaturas traz, pelo que Yorgos encoraja, a liberdade da protagonista como intrínseca — "é um dado (do livro) que diz respeito a tudo, até mesmo à sexualidade dela".
Situações íntimas não faltam à exposição da protagonista Bella (Emma Stone, indicada ao Oscar de atriz) na telona do cinema: "Emma está pronta para fazer o que for preciso", vibra o diretor. Pouco importa que a desinibição de Bella gere controvérsia — a revista Empire classificou o filme como "absoluta besteira" e algo "totalmente imundo" —, o filme faturou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Coerente que o filme gere impacto, ao tratar de um enxerto de cérebro de bebê em uma adulta. "Ficar emocionado ou rir é algo que você não pode deixar de experimentar, por meio de sentimento", disse ao The Guardian, avesso ao que se resuma à racionalidade.
Desde a repercussão do segundo filme dele, Dente canino (vencedor há 14 anos do segmento Um Certo Olhar do Festival de Cannes e indicado ao Oscar de melhor filme internacional), Yorgos se projeta, num crescente. O lagosta (2015) venceu o prêmio do júri, em Cannes, enquanto A favorita (que rendeu o Oscar de atriz para Olivia Colman) foi considerado, em 2018, o melhor filme europeu e ainda a melhor comédia produzida na Europa. A fita com Colman no papel de uma amalucada rainha trouxe as indicações de Yorgos ao Oscar de melhor filme (como produtor) e melhor diretor. Situação agora repetida com Pobres criaturas.
Há uma década casado com a atriz grega Ariane Labed, o cineasta que, no passado, se inclinou para as carreiras de administração e marketing, cavou, a partir de Atenas, as oportunidades em cenário de indústria audiovisual inexistente. Autocrítico, ele conta que revê seus filmes como "filhos problemáticos". Numa revisão, durante a pandemia, veio o veredicto: "Achei que eles fossem bem piores", diverte-se.
Na realização do encontro pelo British Film Institute, Yorgos comentou do novo filme (em montagem), com Jesse Plemons, Emma Stone e Willem Dafoe no elenco. Kind of kindness terá três enredos diferentes, com os mesmos atores se revezando em diferentes papéis. Nos bastidores, o cineasta conta que coloca astros e estrelas a jogarem, em severos (mas lúdicos) exercícios de preparação. Compromissado mais com ideias do que com temáticas, o cineasta sublinha que a "linguagem nem sempre é suficiente para respaldar qualquer tipo de obra de arte". À imprensa britânica ressaltou ainda que "as interações e os comportamentos humanos" são elementos que, em muito, desencadeiam seu riso.
Yorgos gosta de entender a premissa de seus filmes mais complexas do que "absurdas". Com tramas que em certa medida criam regras, Lanthimos remete à versão menos radical de um Lars von Trier, sempre disposto a sujeitar seus personagens. Em O lagosta (que obteve indicação ao Oscar de roteiro), a premissa era a de um Colin Farrell obediente à quarentena, num hotel, dado o agenciamento ditatorial do estado com as relações pessoais de cada indivíduo, praticamente, sempre obrigado à vida em casal. Ou seja, nada de solteirice. Em O sacrifício do cervo sagrado (2017), melhor roteiro em Cannes, um cardiologista (novamente, Farrell) se vê quase obrigado à preencher a obsessão do personagem de Barry Keoghan pela figura paterna.
Dente canino (2010), igualmente versa sobre autoridade, trazendo pais manipuladores como referências únicas para uma prole criada em sistema repressor. Sempre reticente em confirmar "pontos de vista" dos espectadores; com Pobres criaturas, Yorgos, dono de um cinema mais intimista e, no set, divergente da adoção das novas tecnologias digitais, não tem como camuflar: novamente trata de libertação de personagem — desta vez é a desinibida Bella que pretende começar do zero, e, na nova oportunidade, assumindo rédeas das próprias escolhas.
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