Cinema

Registro da escravidão contemporânea está na tela do Cine Brasília

Diretor local de longas engajados, Renato Barbieri apresenta Servidão, depois de uma ampla pesquisa sobre trabalho análogo ao escravo

A riqueza da ancestralidade (em especial, junto a povos africanos) rende, na carreira do cineasta Renato Barbieri, a "capacidade de falar com o mundo", pelo que ele conta. Foi assim com Atlântico negro — Na rota dos orixás, não deixou de ser assim como Pureza e, no novo filme A África dentro da gente (ainda em andamento), a jornada aparenta similaridade. "Quando mudei para Brasília, em 1996, vim com o firme propósito de fazer conteúdo com entretenimento, num cinema de impacto. Foi assim com Pureza (estrelado por Dira Paes), filme que me trouxe muitas experiências chocantes, na pesquisa e que serviram ainda ao (novo) documentário Servidão", conta Barbieri. Servidão tem sessões nesta terça (30/1), às 16h50, e na quarta (31/1), às 18h30, no Cine Brasília (EQS 106/107). O filme (que tem narração de Negra Li) registra o trabalho de pessoas escravizadas no Brasil.

O último domingo marcou os 20 anos da instituição do Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil. Estima-se que, na contemporaneidade, 63 mil pessoas tenham sido libertadas das relações de trabalho com caráter explorador, depois de 135 anos da promulgação da Lei Áurea. A realidade escandalosa, em 2023, resultou ao menos na liberdade para 3 mil trabalhadores, com foco crítico para Goiás (735 casos de trabalhadores nesta situação) e Minas Gerais (643 casos).

"Percorri grande parte do caminho da jornada heroica de dona Pureza Lopes Loyola (símbolo da luta pela libertação de pessoas como o próprio filho dela, Abel). Conheci trabalhadores escravizados, aliciadores e abolicionistas de diferentes vertentes no meio dos movimentos sociais e da justiça. Capturamos testemunhos dramáticos e tocantes das violências sofridas entre trabalhadores rurais, pescadores e lavradores", adianta Barbieri. Garimpos, lavouras, carvoarias e madeireiras concentram histórias quem movem debates entre espectadores e a comunidade de modo geral. O pré-lançamento lotou uma sessão no Cine Brasília, justo na segunda-feira em que Pureza trouxe visibilidade para o cinema candango, na faixa nobre da Rede Globo.

O reconhecimento e a empolgação da diversidade do cinema local são notórios em Barbieri: ele cita a qualidade de Catarina Accioly, a preocupação comercial adotada por Marcus Ligocki Jr., a inventividade de Santiago Dellape, a produção incessante de Cibele Amaral e a criatividade presente em André Luiz Oliveira e em Edileuza Penha de Souza.

"Naquela sessão especial, recente, no Cine Brasília, houve a presença de mais de 40 instituições. Trabalhamos muito elas, e, por vários motivos, o cinema social ganha sobrevida muito grande, na difusão entre organizações e outros movimentos. É um cinema vivo: o filme anda entre as instituições, com engajamento e estratégia. Apostamos na abordagem com toques sociológicos, antropológicos e históricos. São elementos que geram conscientização", diz Barbieri, sobre o filme codirigido por Neto Borges. Contratos mentirosos de trabalho, deslocamentos malfadados, dada a promessa de falsos empregos, a ação de grupos móveis que interferem a favor daqueles que se viram explorados. Repasse de salário de fome ilustram a gravidade da situação em Servidão.

 

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