Música

Saiba como o funk brasileiro tem conquistado os ouvidos dos gringos

DJs brasileiros encontram público no exterior com funk e são reconhecidos tocando músicas em português

A cultura brasileira é muito rica e diversa. Essa variedade agrada todo tipo de público e alcança lugares muito distantes, até fora do Brasil. Ultimamente, o que tem chamado atenção dos olhos de fora é o funk. Com a ascensão de nomes como Anitta no cenário internacional, um público maior entrou em contato com os ritmos do baile funk.

Nomes como os colombianos JBalvin, Maluma e Karol G se aproximaram da música brasileira, inclusive Karol está preparando um álbum de funk. Porém, esse funk que chega fora do Brasil com a Anitta ou com o hit Bum Bum Tam Tam, de MC Fioti, é muito mais ligado a uma visão pop.

No entanto, um funk menos mercadológico tem ganhado os ouvidos dos chamados "gringos". Uma mistura de referências diversas que ainda habita o meio underground da música brasileira e faz muito mais sucesso nos bailes das comunidades do que streamings ou rádios. Não há um viés que explique o sucesso, mas os três principais eixos da música brasileira estão ganhando os ouvidos, inclusive, da crítica estrangeira.

Em 2023, o primeiro nome que chamou atenção foi o de DJ K, o jovem de 22 anos era uma cria do chamado funk mandelão, uma música dos bailes das comunidades de São Paulo com o ritmo muito marcado nas notas graves. A batida é quase mais importante que as letras e o sons foram ficando mais experimentais, com instrumental mais alto e saturado aproximando-se da música eletrônica.

Em julho de 2023, DJ K, nome artístico de Kaique Alves Vieira, lançou o álbum Pânico no submundo, que levava a base de mandelão com referências de sons estridentes do estilo funk bruxaria, comum em Belo Horizonte. O álbum se destacou não só pela qualidade musical, mas por ter uma grande quantidade de recortes de sons distintos. De trechos de músicas da banda Alice in Chains a trechos de vídeos do YouTube falando sobre a teoria da conspiração dos Iluminatis, chegando a trechos de jornais televisivos criticando o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.

Ele conta que esse álbum surgiu da necessidade de se comunicar para além da fala. "Na pandemia estava sentindo esse clima meio de caos, de uma coisa meio assombrosa, aterrorizante. Então eu peguei esse mesmo clima e transformei em música, é uma forma, querendo ou não, de expressão", afirma o DJ, que entende que a música pode não ser para qualquer um. "É justamente para embaralhar a cabeça, para você ficar meio que maluco", diz.

K trabalha com o funk desde os 19 anos. Contudo, se viu crescendo apenas no ano passado, quando o site norte-americano Pitchfork avaliou Pânico no submundo com a nota 7.9, mais alta do que a avaliação de álbuns de Kendrick Lamar, Taylor Swift, Drake e Bruno Mars. Com esse sucesso, ele viu a possibilidade de fazer uma turnê pela Europa, passando por Polônia, Alemanha, França, Inglaterra e Bélgica. "É muito gratificante vir de um lugar de onde eu vim, fazendo um álbum só com um computador e um fone e depois descobrir que muita gente mundo afora ouve minha música e quer me conhecer", reflete o jovem natural de Diadema, em São Paulo.

Tudo começou, no entanto, para falar sobre a própria realidade. "O nome, Pânico no Submundo, eu quis trazer esse nome porque é o pânico que a gente está vivendo no submundo das favelas", explica. "Eu, particularmente, tento transmitir uma sensação do que estamos passando na favela pela música. Coloco muitos trechos de reportagens na música, tem trechos de letras de rap. Se você parar para ouvir algumas músicas minhas, tem muita referência de tudo que acontece no meu mundo", completa.

Outro músico que surgiu mostrando a própria realidade e agora está ganhando profusão com a crítica internacional é o carioca DJ Ramon Sucesso. Ele começou fazendo uma série de vídeos às sextas-feiras no X, quando ainda se chamava Twitter. A série recebeu o título Sexta dos Crias e era um vídeo de Ramon distorcendo funks na controladora de DJ com a imagem tremida pela vibração do grave.

Ramon tem 21 anos e trabalha desde os 16 com música. Após comprar o primeiro notebook, baixou um programa de DJ e foi se aperfeiçoando. Até que a família recebeu uma transferência bancária misteriosa, sem encontrar o remetente. Após muitas buscas, o pai decidiu usar esse dinheiro para o futuro do filho e deu uma controladora para Ramon. Na época, o menino juntava dinheiro lavando carros com o irmão. "Eu ficava vidrado, todo dia tocando a controladora. Até que meu irmão me perguntou: 'porque você não grava um vdeo e põe no twitter'? Aí, na hora de gravar, ele botou em cima da caixa do grave e fez um efeito doido na imagem, eu nem gostei. Quando postou, deu mais de 100 mil visualizações. Ramon Sucesso é adepto de um formato de funk chamado beat bolha, em que sons de bolha são saturados e colocados no ritmo das batidas de baile. O grave também é predominante na música que nem sempre precisa ter letra, pode ter apenas repetição de palavras.

A Sexta dos Crias levou Ramon para boca do povo e por isso ele decidiu transformar os sets em um álbum que leva o mesmo nome do projeto que até hoje alimenta nas redes sociais. O álbum, lançado também em 2023, foi disponibilizado apenas no YouTube e Bandcamp, mas promoveu uma virada na trajetória do jovemw. Um selo europeu pediu permissão para transformá-lo em vinil e vários sites internacionais de música tiveram acesso à música do carioca de Duque de Caxias. "Quem diria que um menor que já foi tirado do palco estaria gravando música para ser distribuída na Europa", pontua o artista.

A mesma Pitchfork que reconheceu DJ K também deu uma nota alta a Ramon Sucesso, 7.7. A música dele está cada vez mais espalhada em terras estrangeiras e ele chegou a ser procurado por um dos produtores do rapper Travis Scott para vender bets para superestrela do hip-hop internacional. "Ainda está difícil de cair a ficha", comemora.

Caminho inverso

Outro artista brasileiro que chegou a terras estrangeiras é o DJ VHOOR. Entretanto, diferentemente dos colegas que só encontraram o sucesso em 2023 por conta da crítica internacional, VHOOR fez sucesso no Brasil antes da empreitada internacional. O produtor, nascido em Belo Horizonte, é adepto dos ritmos ligados ao drum and bass, um desenvolvimento do gênero de música eletrônica jungle da Inglaterra, e lança músicas desde 2017.

Em novembro de 2021, a carreira do VHOOR furou a bolha para o pop com o álbum Baile, ao lado do cantor FBC. O disco foi um dos mais ouvidos de 2022 no país e começou a ser tocado fora do país. A sonoridade é uma homenagem ao charme que deu o pontapé no que se entende como funk atualmente, originada do ritmo estrangeiro miami bass.

A partir deste sucesso, VHOOR passou a ser convidado para festivais internacionais e fazer turnês pela Europa. Uma das conquistas mais significativas recentes foi a participação no Primavera Sound Barcelona, onde teve o show gravado pelo canal do YouTube Boiler Room, especialista em sets de Djs. "É um orgulho para mim poder ocupar esse espaço, poder ter esse reconhecimento e trabalhar no mesmo lugar das pessoas que sempre fui fã", diz o artista. "É bem significativo para mim poder apresentar um pouco da cultura de periferia do meu país, e fazer essa interseção com outros estilos musicais. É mostrar um pouco da cultura que não chega para eles", acrescenta.

Será que é o grave?

Ainda é difícil explicar o motivo de três estilos de música distintos de estados diferentes fazerem sucesso fora do Brasil. Um fato em comum é o uso de notas graves para marcação do ritmo. Tanto K, quanto Ramon Sucesso e VHOOR usam o grave como parte imprescindível para as batidas. A potência desses tambores é o que dita a dança, principal motivadora do sucesso do funk pelo mundo. Há mais tempo na cena, VHOOR analisa que as raízes afrolatino e caribenhas também têm o tambor em comum e unem o amor de povos que falam línguas e têm culturas diferentes, mas tem origens bem parecidas. "Acredito que pelo ritmo e pela alegria, acredito que seja algo relacionado com a semelhança diaspórica dos sons", avalia.

 


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