Cinema

Rei do Rock revive na mente da ex-esposa Priscilla, retratada em filme

Controverso, mas delicado, o longa Priscilla se detém na vida doméstica e no áspero amor eternizado por Priscilla Presley e o icônico Elvis

A decisão de não colocar o famoso sobrenome (Presley) no título do longa Priscilla, que estreia hoje, demarca muito da intenção da diretora Sofia Coppola, que criou, justo ao lado da produtora cinebiografada, Priscilla Presley, limites para a jornada do astro do rock´n´roll na telona. "Obviamente, passo um tempo em Graceland (a mansão no Tennessee) e ainda posso sentir o espírito de Elvis lá. Para ser honesta, não há um dia sequer em que eu não pense nele", confessou ao The Sunday Times, Priscilla que, aos 78 anos, ainda cultiva sentimentos do ícone do qual se divorciou em 1973, seis anos depois de tumultuado casamento.

Tal qual um bibelô, por sete anos, desde os 14 anos, Priscilla — na tela, representada pela revelação Cailee Spaeny, vencedora da Taça Volpi de melhor atriz, no Festival de Veneza — foi apadrinhada e amada pelo cantor, no filme, interpretado por Jacob Elordi. "Jacob é tão carismático, e as garotas ficam loucas perto dele, então sabia que ele poderia interpretar esse tipo de ícone romântico", comentou a diretora à imprensa internacional. Marido de Sofia Coppola, Thomas Mars assina com a banda dele a trilha sonora que, em nada, se apoia nos sucessos de Elvis. Sofia Coppola, aliás, já disse em entrevistas estrangeiras que muito do interesse pelo projeto veio da queda (e da consequente inspiração dela) por astros do rock, entre os quais Joe Strummer (do The Clash), pelo qual se disse momentaneamente apaixonada.

Baseado na autobiografia de Priscilla, Elvis e eu (publicada em meados dos anos de 1980, e que, em 1988, virou minissérie televisiva em dois capítulos) o filme, em muitos momentos de produção, se viu desacreditado. Ao The Telegraph, a diretora (vencedora do Oscar de roteiro original, por Encontros e desencontros) expressou tranquila resistência: "Cada vez mais empresas (produtoras de filmes) confiam nos seus algoritmos, por isso, se ainda não viram isso (ou aquilo), não estão tão abertas a x ou y, porque querem ver algo que já está comprovado". Mas o registro da jornada de sete anos de espera até o casamento com Elvis incomodou ainda parentes muito próximos do clã Presley.

Enquanto a cineasta exalta o tom forte e jovial, além do poder de convencimento da atriz Cailee Spaeny, foram características (de Elvis) antevistas no roteiro, em que era tido como "predador e manipulador", que despertaram a ira da herdeira dele, a filha Lisa Marie (morta no ano passado), capaz de prever um enfrentamento público "à obra e à própria mãe". À época das declarações, a centelha inicial de desavenças foi algo arrefecida por uma declaração de Sofia Coppola. "Espero que, ao ver o filme final, você (Lisa) se sinta diferente e entenda que estou tendo muito cuidado em homenagear sua mãe, ao mesmo tempo em que apresento seu pai com sensibilidade e complexidade", escreveu numa carta remetida à filha do Rei do Rock.

Como esperado, Priscilla focaliza basicamente a protagonista, e, na carga de introspecção, pesam dados da maternidade, detalhada no livro de Priscilla e Sandra Harmon (coautora do roteiro, e morta em 2018). Sem as intrigas e bastidores explorados no recente filme de Baz Luhrmann — que investia no relacionamento profissional de Elvis e do empresário — chamado Coronel — Tom Parker (o primoroso Tom Hanks), Priscilla testou limites e até enfrentou cortes (a partir de tacanha visão hegemônica entre os produtores de cinema), como contou Sofia Coppola ao The Telegraph. Esforços como o de Priscilla andar de motocicleta, aos oito meses de gravidez, a fim de se ajustar ao cotidiano do marido foram suprimidos no desenvolvimento do longa. "Achei tão tocante que ela estivesse se esforçando tanto para acompanhar Elvis, mesmo naquela condição. Mas sinto que 99% das pessoas que dão dinheiro para filmes são homens heterossexuais, então nem sempre se identificam com o que estou falando e não estão tão interessados", avaliou a diretora.

Apresentada a Elvis pelo militar Terry West (Luke Humphrey), ainda na época em que esteve na base militar alemã (em Friedberg, quando se viu sargento), Priscilla sofrerá todas as intempéries do dia a dia do amor junto ao ícone que, por um período, morou em Bad Nauheim. Nisso, ficará muito madura para a idade dela — que tinha, então, 14 anos. Desiludida, viverá uma fase disfuncional entre as saudades de casa, padecimento com consumo de drogas (algumas de combate à insônia), estudos em escola católica e as instabilidades do matrimônio (com as notórias traições fomentadas por Nancy Sinatra e Ann-Margret), elementos de algum modo amenizados pela presença de figuras como o guru (momentâneo do marido), o espiritualista Larry Geller, e a avó de Elvis (a maternal atriz Lynne Griffin).

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GABRIEL BOUYS/AFP - A diretora Sofia Coppola, ao lado da atriz Cailee Spaeny e da cinebiografada Priscilla Presley, durante o Festival de Veneza