Em 1984, a juventude de Brasília dava um passo em direção a história da música brasileira. De forma despretensiosa, as bandas Capital Inicial, Legião Urbana e Plebe Rude subiram ao palco montado no Colégio Alvorada para apresentar o show Música Urbana. Pouco depois, essas bandas dominaram as rádios do país e, 40 anos depois, Brasília será cenário para comemorar o momento memorável.
Em primeira mão, o Correio confirma que, a partir de amanhã, serão vendidos os ingressos para o show Música Urbana, uma reedição do evento que, mesmo sem saber, fazia história frente a poucas centenas de candangos. A banda Capital Inicial, que também completa 40 anos de estrada, comanda a ideia que tem a volta da Plebe Rude e Marcelo Bonfá representando o Legião Urbana. Zélia Duncan é uma adição de peso e dona de uma bonita história na cena da música brasiliense dos anos 1980. A banda Scalene representa o novo rock da cidade. O dia também é significativo: 20 de abril, para iniciar as festividades do aniversário de Brasília em 2024.
Dessa vez, o tamanho do local é proporcional à relevância das bandas que sobem ao palco. Quarenta anos anos depois, o show será apresenado no Ginásio Nilson Nelson. As poucas centenas de pessoas agora serão alguns milhares em um show que tem a promessa de fazer um passeio pelo rock candango. "É uma celebração do rock brasiliense", afirma Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, em entrevista ao Correio. "E ainda é uma data emblemática, é um dia antes do aniversário da cidade", comemora
A ideia é olhar para o passado e homenagear a caminhada que envolve dezenas de discos, shows lotados, projeção nacional e internacional e, principalmente, uma porção de boas histórias. Ele conta que, quando fez o show em 1984, jamais imaginava que chegaria aonde chegou. "Não dava para pensar que a gente pudesse vir a ser gravado, que aquilo pudesse se tornar uma carreira, era impensável. Era inimaginável. Tocar no Nilson Nelson não estava nem no radar. Quem diria?", revela.
Ao lembrar do passado, Dinho vê as conquistas e a trajetória com carinho, mas não se cansa de se surpreender com os caminhos que percorreu no processo. "Eu lembro de estar no estacionamento da UnB, quando aparece o primeiro compacto dos Paralamas. E eu lembro de segurar aquilo nas minhas mãos, e falar: 'gente, eu não estou acreditando'. Eu ficava estarrecido, abobado", recorda. "Tudo parecia uma coisa distante, parecia uma coisa inalcançável, ainda mais para o rock que era feito em Brasília, que era algo contestador, era algo forte. Eram jovens falando sobre a juventude, as incertezas, a política, o dia a dia", destaca. "Era uma coisa de jovens falando sobre jovens para jovens, numa linguagem sem floreios, bastante direta ao ponto. Não tinha nenhuma metáfora incompreensível, era tudo muito claro, muito direto", lembra.
Essa juventude permanece viva e, por isso, Música Urbana ainda se mostra relevante e potente, mesmo em um contexto tão distinto. "Toda vez que eu vou pisar no palco, até hoje, não bebo, não fumo, piso ali no palco e me transformo. É uma experiência muito intensa. É como se acontecesse uma espécie de simbiose, de comunhão com a plateia, de todo mundo entrar na mesma frequência. E isso permanece inalterado", conta o artista. "Ainda há uma descarga de energia, de visceralidade, de vigor, de uma intensidade, como se a adrenalina que estivesse bombando no nosso sangue fosse algo perceptível, como se fosse algo quase contagioso. Uma vitalidade, esse sangue nos olhos, faca nos dentes", completa.
Dinho acredita que a vontade se sobrepôs à falta de cálculo. "A modéstia com que tudo começou, a falta de pretensão, falta de planejamento, falta de cálculo. E, no entanto, deu no que deu", comenta. Se o grupo se tornou pioneiro do rock da cidade, foi para pavimentar o caminho para que nomes como Raimundos, Rumbora e Scalene viessem depois. "Somos uma coisa que faz parte da cultura popular brasileira. Eu acredito que você não pode falar da cultura popular brasileira sem falar do rock brasiliense", crava o vocalista.
Música urbana foi importante para a história da música da capital. "Brasília se transformou, se multiplicou infinitamente. A cultura local também. Mas nós fomos, em alguma medida, os pioneiros. Ali, nós fomos, talvez, os desbravadores", lembra Dinho. "Para muitos brasileiros, as pessoas associam Brasília a nós e nós, a Brasília", complementa o artista, que mal pode esperar para sentir o calor daqueles que o acompanham há 40 anos. "Eu gostaria que quem ouve rock em Brasília pudesse se sentir representada por nós", conclui.
Para além de apenas viver do passado, a intenção da apresentação é chegar a um novo público que não viveu o fervor criativo e a vontade de revolução do final da ditadura militar na década de 1980. "Nos shows do Capital, a maioria das pessoas que estão na frente são jovens. A maioria das pessoas que nos ouvem tem menos de 34 anos, segundo nossas métricas", diz o frontman, que sonha poder impactar vidas no dia 20 de abril. "Eu imagino para um garoto, em alguma superquadra, vendo o que aconteceu e se inspirando. Assim como eu me senti inspirado na primeira vez que subimos juntos ao palco daquela forma", vislumbra.
Saiba Mais
O Correio estava lá!
No dia 4 de maio de 1984 uma matéria de Kido Guerra apresentava aos leitores do Correio uma nova estética musical da capital. A edição daquele dia noticiou o show Música Urbana e destacou aquelas bandas como uma "overdose de três de seus mais inquientantes grupos, que acabam de chegar do eixo Rio-São Paulo, onde procuraram o encanto do público e da crítica". O repórter, que mais tarde se tornaria editor de cultura, falava sobre o Capital Inicial, a Legião Urbana e a Plebe Rude.
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