"Onde estão os filmes como Laços de ternura? Aquela comédia com drama inteligente e de construção sólida? Onde está o drama adulto, aquele bem feito? Onde estão títulos como Entre dois amores e O paciente inglês?" — foi com estas inquietações, numa entrevista ao The Guardian, que o diretor Alexander Payne se posicionou como regente de Os rejeitados, atração que chega aos cinemas nesta quinta-feira (11/1). Longe dos filmes de heróis (ele fica incrédulo como os investimentos atuais têm por destino apenas esse filão), mesmo com propostas de orçamentos insignificantes, Payne assume dificuldades para bancar a arte dele e cita o mestre Brian De Palma ao falar de poder na meca do cinema: 'Você não é ninguém em Hollywood até colocar um estúdio de joelhos".´
Vencedor do Globo de Ouro de melhor ator na pele do nada humorado professor Paul Hunham, Paul Giamatti comentou à revista Vanity Fair as afinidades com o personagem. "Foi mais inconsciente do que o normal, o que veio como algo alarmante, porque, às vezes, quase senti que não estava trabalhando duro o suficiente (nas cenas)". Ainda que siga com temor de falar em público, desvestido de personagem, ele refinou o humor, ressaltando que seguramente pela primeira vez um tipo vencedor do Globo de Ouro ganhava com a peculiaridade de "cheirar a peixe". O bullying em Os rejeitados, em certos momentos, é em via de mão-dupla: enquanto classifica os alunos de "filisteus vulgares", o docente é amplamente hostilizado pelos alunos que se veem às vésperas das sonhadas férias. O grande problema é que alguns ficarão presos às instalações escolares, na falta de responsáveis a quem recorrer — daí brotam os chamados "rejeitados".
A versatilidade de Giamatti é notória, a ponto de ele mesmo se gabar: "Você pode me vestir como um cozinheiro de fast food, ou como um mordomo, ou como o presidente dos Estados Unidos no século 18, e ficará tudo ajustado". Irônico, Giamatti, tal qual o protagonista professor, tem lá momentos de empatia. Ex-estudante de Choate Rosemary Hall (Connecticut) e de Yale, o ator trata da falta de compaixão de Hunham e lembra, na vida real, da diferença que fez ter sido acolhido, em momentos de fragilidade, por um antigo professor de biologia. No novo filme, há sarcasmo, citações a romanos, mórmons, a Cartago, ao Peloponeso, a nazistas, ao filósofo Demócrito e, ainda, e ao mitológico Ícaro. Mas, há também porções de amor.
Muitas vezes contra políticas escolares, o solitário Paul Hunham depara com alunos desamparados e com limitações intelectuais e familiares dos estudantes. Ainda assim, ressalta que "a adversidade molda o caráter", enquanto se afunda entre piadas duras e traquinagens dos rapazes. Como no filme de perdedores Nebraska (2013), também assinado por Alexander Payne, questões de paternidade ocupam forte espaço. Depois de muitos dos alunos socializarem com toda a violência da época em que os hormônios ocupam a estratosfera, os corredores escolares estão vazios, e é daí que parte a jornada de Hunham e do aluno Angus Tully (Dominic Sessa), entre celebrações estranhas e inesperadas confidências.
Virtual premiado
Prestes a ver a Academia que vota o Oscar ensaiar uma ajoelhada (em duas semanas saem as indicações ao prêmio), o diretor Alexander Payne pontua os elementos de Os rejeitados. "Tento manter uma atitude cômica, mesmo em relação a premissas dramáticas. Isso rende agilidade e charme, tal qual a vida. Vá aí uma analogia cafona: a vida não são notas isoladas, são acordes — tons menores e notas maiores. Harmolipi (como dizem os gregos), um misto de felicidade e tristeza". No novo filme, Payne investe no brilho dos desajustados. Na fita, pesa o clima dos festejos de fim de ano e a atmosfera setentista, mas a árvore de Natal representada na tela é torta. No fundo musical, Damien Jurado, Cat Stevens, Labi Siffre e Roy Orbison se misturam, no meio acadêmico de Barton (EUA), a definitivas canções como Jingle bells e White Christmas.
Mas é outra sonoridade, a do clarinete do jazzita Artie Shaw que traz um golpe dramático no filme: eram de Artie as músicas preferidas do aluno Lamb, filho da gerente de cantina escolar Mary (Da´Vine Joy Randolph). Lamb já partiu, deixando a mãe no luto. Conhecida pela participação nas séries de tevê Alta fidelidade e Only murders in the building, além de ter estrelado com Eddie Murphy o filme Meu nome é Dolemite, Da'Vine Joy Randolph conquistou no último domingo sua estatueta de melhor atriz coadjuvante pelo filme. Aos 37 anos, na vida real, ela encarou um "boxeador" (como apelida os colegas de profissão) à altura na telona, na parceria com Giamatti. Na carreira, a atriz diz que, a cada obra, se vê como "a nova garota do quarteirão", sempre "perseverando e explorando oportunidades". "Ao final, você sempre encontra", conclui.
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