Cinema

As imagens que marcaram o cinema em 2023

Retrospectiva do cinema só trouxe `ão´: diversão, reflexão e emoção

Num ano recheado de enfrentamentos ideológicos, uma grama de filmes colocou a nevralgia da capital em exposição. No documentário Corpolítico, entre imagens de arquivo, a infame presença (na tela) do ainda elegível ex-presidente Jair Bolsonaro encerrou agressões a minorias e celebração da apatia de personalidades junto à política. Feito da comunhão entre religião e política, o longa de José Eduardo Belonte O pastor e o guerrilheiro esteve em cartaz, enfatizando que "memória é resistência", isso depois de premiado na Mostra Brasília do 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Pai do preso político Julian Assange, o ativista John Shipton esteve na capital, para o lançamento do documentário Ithaka: a luta de Assange. Em entrevista ao Correio, falou da importância das investigações do filho sobre grandes nações do mundo: "O grande mérito do WikiLeaks é fornecer informações verídicas, e é nisso que está a contribuição para a formulação de políticas".

Divulgação/Pandora Filmes - Ithaka: a luta de Assange

Também no centro do poder nacional, os espectadores brasilienses puderam ver na telona o lançamento do título luso-ceilandense Mato seco em chamas, conduzido por Joana Pimenta e Adirley Queirós, detido no exame do potencial do poder, quando conquistado por mulheres. Numa área explosiva, no Sol Nascente, onde se encontra fixado um rentável oleoduto controlado pelas personagens (e irmãs) Chitara e Léa, não há nada de silenciamento para as mulheres, na região dominada pelas chamadas Gasolineiras das Kebradas. Numa extensão deste universo revisto no quesito machista, a diretora Lola Quivoron, em Rodeo, acoplou até princípios taoistas no empoderado trânsito da personagem Julia, cercada por homens, neste drama sobre roubos e motociclismo.

Mato Seco em Chamas/ Reprodução - Mato seco em chamas

Vencedor do Oscar de melhor roteiro, o longa Entre mulheres foi outro que fez sucesso nas telas, ao abordar a truculência masculina posta num improvisado tribunal, sob a direção de Sarah Polley. Baseado em romance de Miriam Toews, o filme examina o descontrole de "ímpetos" masculinos. Crítico e mordaz a qualquer indício de machismo, Barbie, o longa sob apadrinhamento da Mattel, colocou não apenas a diretora Greta Gerwig e a atriz central Margot Robbie noutro patamar da indústria de cinema, mas ainda confirmou toda a capacidade cênica de Ryan Gosling.

Plan B Entertainment - Entre mulheres

De estatura sólida, com mais de 150 participações em produtos audiovisuais, a estrela francesa Isabelle Huppert brilhou nas telas nos longas A sindicalista e Uma vida sem ele, sem contar uma homenagem, aos 70 anos, numa retrospectiva local no Cine Brasília. Ao Correio, ela explicou um naco de sua intimidade com a encenação: "Com o tempo, você acessa a dor e as emoções. Você não quer sentir e entregar o fim (de um filme, por exemplo), logo de partida, como diria Jean Renoir".

Imovision/Divulgação - Uma vida sem ele, com Isabelle Huppert

Muita música

O ano que termina, abriu e fechou, sob notas musicais, com a exibição dos longas Tár, com o brilho máximo de Cate Blanchett, à frente da maestrina Lydia Tár, na ficção comandada por Todd Field, e ainda O maestro, esforço do ator e diretor Bradley Cooper na cobertura da vida da lenda Leonard Bernstein. Descontados os brilhos infantis de A pequena sereia e Wonka, o cinema — produzido em verde-amarelo — trouxe o mais popular das bilheterias, Nosso sonho. Além dos mais de 520 mil pagantes que se interessaram pela cinebiografia de Claudinho e Bochecha, a telona reluziu trajetórias de Gal Costa (Meu nome é Gal), Jair Rodrigues e Elis (Regina) & Tom (Jobim), além de sondar as imagens arquitetadas por Beth Carvalho (num precioso acervo) reunidas em Andança — Os encontros e as memórias de Beth Carvalho.

Divulgação / The Music Journal - Nosso sonho: a trajetória de Claudinho e Bochecha

Em vertentes mais dramáticas, os nacionais Mussum, o filmis, sobre a dura caminhada do humorista (personificado por Ailton Graça), e Tia Virgínia, um libelo contra o etarismo (protagonizado por Vera Holtz), trouxeram orgulho para a sétima arte brasileira, num caso idêntico ao da animação Perlimps (do mesmo Alê Abreu, que foi indicado ao Oscar pelo anterior, O menino e o mundo), detido em guerrilhas de bosque, a partir de reinos ameaçados por devastação ambiental. Noutra via ecológica, que misturou horror e nonsense norte-americano, O urso do pó branco (de Elizabeth Banks) trouxe gargalhadas nervosas, nas poltronas dos cinemas.

Também estrondoso foi o registro da fusão nuclear nos cinemas, a partir do longa Oppenheimer, formatado pelo perfeccionista Christopher Nolan, dono do mesmo rigor de Ridley Scott, que este ano, assinou o épico Napoleão, desfazendo a vergonha do anterior Casa Gucci. Seguindo o mesmo rastro de opulência, mas com alta carga crítica, o sueco Triângulo da tristeza (de Ruben Östlund) fez relativo barulho nos prêmios Oscar, depois de vencer a Palma de Ouro, ao redesenhar a visão de êxito das jornadas de milionários em um iate de alto luxo.

Universal - Oppenheimer

Revisitada (e revista) foi a indústria do cinema, revolvida ao avesso, com o longa Babilônia, criação de Damien Chazelle (La la land) que examina a "menina ardente" interpretada por Margot Robbie, e tragada por uma indústria nefasta. Neste mesmo ninho de exploração e oportunismo, o esteta Martin Scorsese se aplicou ao extremo, tendo por resultado o drama Assassinos da lua das flores, que reuniu os talentos de Leonardo DiCaprio, Lily Gladstone e Robert De Niro, no afresco que justiçou parte da nação osage. Ainda no segmento do cinema de arte, aos olhos do diretor Francisco Zippel, o diretor Sergio Leone e o maestro Ennio Morricone posaram, como "talentos incríveis e únicos", na composição do documentário Sergio Leone: O italiano que inventou a América.

Outro mestre que despontou em 2023 foi Steven Spielberg, que comandou o que chamou de seu filme mais pessoal: Os Fabelmans, uma obra de devoção ao impulso de produzir material audiovisual e uma dura reconsideração sobre o que podem ser as marcas de uma mãe na vida de um filho. Redimensionar o papel da harmonia e da importância de amizades foi o foco dos personagens defendidos por Brendan Gleeson e Colin Farrell no longa Os banshees de Inisherin, vencedor do Globo de Ouro de melhor comédia em 2023.

Cinema autoral 

No filão dos filmes mais elaborados, uma produção da Coreia do Sul, o drama de investigação criminal Decisão de partir foi exibido em Brasília, depois de render o prêmio de direção no Festival de Cannes para o mestre Park Chan-Wook. Japonês, o diretor Hirokazu Kore-eda assinou Broker — Uma nova chance (vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Cannes para Song Kang-Ho), outro título feito na Coreia do Sul. Do mesmo diretor ainda foi possível ver o excepcional Monster, um título sobre maldade extrema, bullying e forte corrupção nos bancos escolares.

Ainda que ecoem, de leve, os efeitos da passagem dos longas com quê medieval Dungeons & Dragons: Honra entre rebeldes e Jogos vorazes — A cantiga dos pássaros e das serpentes pelas telas do cinema, o filme de maior expressão no campo da aventura foi Guardiões da Galáxia — Vol. 3. Nele, retomando um universo, James Gunn eternizou os destinos de heroicos personagens como Gamora (Zoe Saldana) e o guaxinim Rocket (na voz de Bradley Cooper). Também voltou à forma, nas bilheterias, em 2023, o astro Tom Cruise, atração máxima do empolgante Missão Impossível: Acerto de contas — Parte 1.

Marvel Studios/Divulgacao - Guardiões da galáxia, Vol. 3

Tópico exaurido no desenvolvimento de tramas, o multiverso e suas aplicações pipocaram na telona, em filmes como The Flash, que no campo da DC Comics trouxe a última aventura para a instável personagem de Ezra Miller, e Homem-Aranha: Através do aranhaverso, talvez a mais eletrizante aventura de Miles Morales, isso sem contar com Indiana Jones e o refúgio do destino, o belo desfecho da franquia que confirmou o fôlego e a resistência do agitado Harrison Ford, sempre ligado a altos voos. Foi, aliás, dos ares que se embalou o filme nacional de maior orçamento recente, O sequestro do voo 375, capacitado a atrair mais de 200 mil espectadores.

Marvel/Divulgação - Homem-Aranha: através do aranhaverso

Uma constante em filmes destacados durante o ano foi a reclusão. Darren Aronofsky, sempre excessivo, assinou o intenso drama A baleia, que rendeu a Brendan Fraser o Oscar de melhor ator, a partir da composição do injustiçado e obeso professor gay Charlie, saído de obra teatral de Samuel D. Hunter. Focalizando a sexualidade, Close (de Lukas Dhont) e Estranha forma de vida (de Pedro Almodóvar) fizeram bela dobradinha na telona.

O primeiro traz as inaugurais noções de desejo, ainda na infância dos meninos Léo e Rémi, enquanto Almodóvar pôs a dupla de atores Pedro Pascal e Ethan Hawke a encenar personagens de um faroeste bastante diferenciado. Drama virtualmente associado a O segredo de Brokeback Mountain, As 8 montanhas, um drama sobre intensa amizade (e nada mais) que venceu dois prêmios David di Donatello (de melhor filme e roteiro) explorou como poucos temas como a persistência dos sentimentos e da nostalgia.

El Deseo/Divulgação - Estranha forma de vida

 

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