Música

Mônica Salmaso fala sobre turnê e parceria com Chico Buarque

Em entrevista ao Correio, Mônica Salmaso comenta sobre a turnê, álbum ao vivo e a parceria que vive nos palcos com Chico Buarque

Em turnê pelo país com o show Que tal um samba?, Chico Buarque foi freneticamente aplaudido por quatro mil pessoas que superlotaram o auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães em sua passagem por Brasília, ao lado de Mônica Salmaso, em 29 de novembro de 2022.

A calorosa reação da plateia ocorreu num momento em que o Brasil ainda vivia dias sombrios, mas na expectativa de um novo tempo, já com a eleição presidencial definida, após a realização do segundo turno. Manifestações políticas foram ouvidas em vários momentos da apresentação.

O show prosseguiu em turnê até se fixar no Rio de Janeiro para cumprir temporada na casa de espetáculos Vivo Rio, durante o verão de 2023. Ali, nos dias 3 e 4 de fevereiro, houve o registro do que viria a ser o Que Tal um Samba (Ao Vivo). O álbum que chegou às plataformas digitais na última sexta-feira será editado e lançado em CD duplo e DVD físicos pela Biscoito Fino.

Nessa travessia de "inferno e maravilhas", Chico recorreu ao seu amplo e fundamental cancioneiro e de lá extraiu 31 faixas que formam o repertório do álbum, em que tem a companhia da sofisticada intérprete paulista Mônica Salmaso. São releituras de clássicos e históricas canções buarqueanas, que vão de abordagem lírica à temática atual, que ganharam novos significados com o decorrer do tempo — tornando-as atemporais.

Tensões podem ser observadas em parcerias do compositor com Edu Lobo (Sinhá, Bancarrota Blues), Francis Hime (Passaredo), Sérgio Bardotti e Luís Bacalov (Os Saltimbancos), Caravanas, Deus lhe pague e Meu Guri, para as quais Bom Tempo é um contraponto.

Há canções que provocam estranheza, a exemplo de Mar e Lua, o dramático retrato de um amor lésbico, do LP Vida, de 1980, que ressurge como novidade num período em que ainda persiste a repressão a casais homoafetivos. Ela está lado a lado na trilha sonora amorosa proposta por Chico que traz as virtuosas Noite dos Mascarados, Sem fantasia, João e Maria, Sob Medida, Choro Bandido, Beatriz, As minhas meninas, Futuros amantes, O Velho Francisco e Samba de um grande amor, entre outras.

Mônica Salmaso, que dividiu o palco com Chico na turnê de Que tal um samba, tinha profundo conhecimento da obra de Chico Buarque. Ela deu prova disso nos álbuns Voadeira (1999) e, principalmente, no Noite de Gala, Samba na Rua (2007) — este totalmente dedicado ao legado do compositor carioca. Um ano antes, ele havia convidado Mônica para participar do CD Carioca, na faixa Imagina.

A presença de Salmaso em Que tal um samba? proporcionou maior leveza ao espetáculo por estimular Chico a exercitar sua improvável faceta teatral, ao se mostrar mais solto nos duos e solos. O show festeja o canto feminino, uma vez que presta tributo às saudosas Gal Costa e Miúcha, evocadas em Mil perdões e Maninha.

Os dois têm a companhia da banda liderada por Luiz Cláudio Ramos (responsável pelos os arranjos de guitarra e violão) e formada por João Rebouças (piano e cavaquinho), Jorge Helder (baixo, violão bandolim), Jurim Moreira (bateria), Chico Batera (percussão), Marcelo Bernardes (sopros) e Bia Paes Lima (teclado e voz). Daniela Thomas assina a cenografia com 25 imagens dos fotógrafos brasileiros Araquém Alcântara, Sebastião Salgado, Thereza Eugênia e Cristiano Mascaro.

Entrevista // Mônica Salmaso

Que relevância atribui à obra de Chico Buarque para a música e a cultura brasileiras?

A música e a cultura brasileiras não seriam o que são sem a obra do Chico. Ela é única e faz maravilhosos registros poéticos daquilo que somos (nossas qualidades e nossos defeitos). Por isso, a obra do Chico atinge todas as pessoas sensíveis de todas as idades. Chico faz crônicas sobre nós (mulheres, homens, crianças, causas, sombras....). Ele fazendo música e letra, ele compondo com seus parceiros igualmente fundamentais — Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Edu Lobo, Guinga, Francis Hime...). O Brasil descrito nesta obra é o Brasil da inteligência, da sensibilidade, da poesia, da beleza, da coerência. Assim como aconteceu comigo, a música do Chico "ensinou" muita gente a sentir e a se humanizar.

Recorda-se de quando ouviu uma música do Chico pela primeira vez e qual era?

O LP Construção foi lançado no ano em que eu nasci. Na minha casa, desde que eu era pequena e aprendi a "pilotar" o aparelho de som, eu escutava este LP, aquele lançado em 1966 (das duas fotos, uma séria e outra sorrindo), Meus caros amigos, lançado em 1976 e o LP Chico Buarque, de 1978. Esses discos me abriram o mundo para as emoções "adultas", aquelas que eu nem entendia o contexto, mas sentia, me sensibilizava, aprendia. Era como vivê-las na medida das minhas possibilidades emocionais de criança. A arte é isso. Não dá para saber qual foi a primeira música do Chico que eu escutei. Mas dá pra lembrar o impacto que era para mim ouvir Pedaço de mim, do LP de 78.

O que a levou a gravar o álbum Noite de Gala, Samba na Rua só com canções buarqueanas?

Por conta dessa minha relação muito profunda com a obra do Chico, eu sempre soube que faria, em algum momento, um trabalho dedicado a ela, só não sabia quando seria. Em 2006, do nada, o Chico me convidou pra cantar com ele uma música no CD Carioca. Essa música foi Imagina, dele com o Tom Jobim, que eu amava absolutamente e tinha em casa gravações em disco e uma cópia em VHS de um especial de tevê em queaparecia com Chico, Tom e a Paula Morelenbaum. Foi um presente tão absolutamente gigante que me fez gravar o trabalho Noites de gala, Samba na rua em seguida, como forma de agradecer e fazer uma homenagem.

Qual foi sua reação ao ser convidada para participar do show Que tal um samba?

Dei um pulo de um metro! Jamais poderia imaginar um convite desses, nem em sonho, nem delirando.

Como foi dividir o palco com ele?

Foi um presente lindo em tantos sentidos importantes. Primeiro, o gigante fato de estar ali ao lado dele, cantando sua música, virando parte daquela família que trabalha junto há mais de 30 anos (Chico, músicos, produção, assessoria, equipe técnica). Impossível descrever o que foi viver isso por nove meses. E segundo, o momento em que aconteceu a turnê com as pessoas saindo do isolamento da pandemia, desesperadas por voltar a se reconhecer e a reconhecer o Brasil que a gente ama e quer bem, se encontrarem em shows para 3, 4, 5 mil pessoas virou um momento de comunhão da ordem do religioso. Vivemos uma emoção conjunta indescritível. Atravessamos com o público antes, durante e depois das eleições. Sentimos medo, esperança, comemoramos juntos. Nos fortalecemos juntos. Não dá pra descrever.

Fazer duo com o cantor em O Velho Francisco, Sem fantasia, Biscate, Maninha, Noite dos mascarados a emocionou?

E Imagina, Sinhá, Injuriado, Uma Canção desnaturada e João e Maria. Escrevo aqui todas pra mostrar como era difícil para mim não chorar durante esses momentos. Eu segurava as pontas por responsabilidade e respeito — e porque não consigo cantar chorando porque a voz trava. Mas eu vivi essa emoção em todos os shows e mesmo agora aqui, escrevendo.

Destes clássicos, qual é o da sua preferência?

Impossível preferir um deles.

Gostaria de voltar a fazer o show para lançar o disco?

Se acontecer, vai ser lindo tudo de novo! Mas está tudo maravilhosamente guardado na minha memória.

 

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