Existe um momento no documentário Rodas de gigante (da estreante em longas Catarina Accioly), em que o diretor mais reverenciado do DF, Hugo Rodas (tema do filme), fala da importância de contar com pontos de apoio, nos momentos extremados de dificuldades. Sem perceber, na jornada de um filme "que não termina nunca" (nas palavras de Rodas), Accioly, mesmo desavisada, se viu na rede de apoio de um criador que se largava, sem verificar as telas de proteção.
Sem meias-palavras, Rodas é até cruel: "(tão) filmando a minha morte". Comprometido com as paixões pelos atores (indispensáveis, no teatro idealizado) Rodas deixa para o espectador examinar bastidores de processos ríspidos (por vezes) em obras como Os Saltimbancos e O rinoceronte. Severo e protagonista de rompantes, Hugo dá ordens, agride e ama (em igual medida), em frente à câmera de cinema capaz de captar a gama de animação, ao testemunhar a plateia entranhada (na carne e no coração) de conteúdo de suas montagens.
Nascido planta "no meio das pedras", o antigo protético dental de origem uruguaia (que saiu de Juan Lacaze), sem reservas, exprime vaidades, se compadece de sofrimentos (coletivos, quando da época da pandemia) e reage. Entre idas e vindas no tempo, a montagem de Sérgio Azevedo abraça Rodas, em riscos de vida, e reflexões existenciais, durante a colheita de frutas. A aproximação, em fins dos anos de 1950, com o teatro, está registrada bem como a gana de, perpetuamente, engendrar famílias (daqueles que amou). Ao som de Volver (a clássica música de Alfredo Le Pera e Carlos Gardel), o monstro do teatro, revisita, fisicamente, o emblemático Teatro Solís.
Já com toda a intimidade, ainda transita no CCBB e na 508 Sul, alternando a serenidade com traços da irascível vivência mais crua. É Rodas até quem segreda: antes da UnB, se via mais mau — ante ao que confessa, "Eu me civilizei". Ser humano admirável, o cinebiografado se permite ir da ignorância à hilaridade, em segundos. Num momento divertido, confessa ter "trabalhando pela causa (homoafetiva)", desde os 9 anos de idade.
Por fim, é ele mesmo quem define: "Ficamos grandes, e nos engavetamos". Por sorte, cinema não é gaveta, e sim janela, permitindo aos espectadores o acesso a um documento necessário a gerações, e um registro daqueles de se colocar na prateleira de casa e de instituições de ensino.