Crítica // O dia que te conheci // ####
Pelas beiradas, numa construção que desbasta acessórios de linguagem e busca o essencial no cinema, o diretor mineiro André Novais Oliveira constitui uma filmografia bem-sucedida com longas como Ela volta na quinta e Temporada (esse, vencedor do troféu Candango de melhor filme, há cico anos). Nada simplório, o novo filme dele (O dia que te conheci), sem pretensão cita até O Pequeno Príncipe, com toda inexatidão e espontaneidade que uma criança pode apreender da trama.
Movimentado, na geografia de Minas Gerais, o desenvolvimento da fita abraça sinfonias musicais e o que seja corriqueiro (trajetos de ônibus, de carros e pelos bares da vida). Nisso se entrevê, com um humor acanhado, o cotidiano e os entraves de Zeca (Renato Novaes, no passado, vencedor de Candango de ator coadjuvante), bibliotecário assombrado por faltas e atrasos, num cotidiano sequelado pelas paradas nos pontos de ônibus e por trapalhadas em receituários de remédios de depressão, psicose e ansiedade.
Sem a estética perfeitinha, o longa acopla de ruídos de roncos a engordurados pastéis, piorados pelas baforados de cigarro. Figura dominante, Luísa (a sempre ótima Grace Passô), aos poucos, reformata a postura esquiva de Zeca. Circulando nas estradas mineiras, o virtual casal concorda que num ponto o trânsito — como "de lei, sempre garra" —, num paralelo, Zeca tá garrado num dia a dia de desânimo.
Com humor, o filme traz conversas que expõem desde Michael Jackson (nas versões branca e negra), Matuê, Bob Marley e até Malcolm X. Com muitos espaços de silêncio e conversas espontâneas, o roteiro encampa as falas pausadas e seduz com a linguagem fática. No mais, inspirada, Grace Passô ocupa a tela com a personagem que parece inclinada a dar vazão ao conteúdo de Dueto (de Chico Buarque): "Consta nos autos, nas bulas... Serás o meu amor, serás a minha paz".