Cinema

Zona Norte do Rio é tema de filme exibido no Festival de Brasília

No segundo dia da mostra competitiva, o festival coloca em primeiro plano o cotidiano de existências simples, com o longa Mais um dia, Zona Norte

Diretor de longas como Esse amor que nos consome (2012) e O dia da posse (2021), o carioca Allan Ribeiro não segreda, ao trazer o longa Mais um dia, Zona Norte para a mostra competitiva do Festival de Brasília: "Certamente, dos grandes festivais, foi o que mais frequentei e desejei estar presente. Já estive nele umas 10 vezes. Com três longas, muitos curtas e até mesmo no comitê de seleção. É um local de encontros para além dos filmes e que precisa manter seu protagonismo de importância no Cinema Brasileiro".

O novo filme vem a reboque de más experiências na pandemia, mas que, num paradoxo, resultaram em afinidade em campos sensíveis de criação. "Foi um momento terrível para mim, inclusive porque perdi amigos próximos. E o momento político ajudou a me deixar deprimido. Porém, tudo, me deslocou um pouco. Comecei a compor músicas. Mais um dia, Zona Norte tem uma trilha sonora original composta por mim em parceria com alguns músicos, como Tibor Fittel que acompanhou desde o início a execução das músicas. De alguma forma, o filme é um musical", afirma o cineasta.

Na carreira, em que Ribeiro aposta em documentários revestido de ficção, o mestre Eduardo Coutinho não pode deixar de ser citado. "Eu me sinto muito influenciado por ele. Imagino que, para todo cineasta, seus filmes são aulas de como ser simples e sofisticado ao mesmo tempo, na construção de linguagem", observa. Nomes de anônimos como Valéria Silva, Victor Veiga e Lara Rodrigues, prometem trazer notoriedade para os personagens que sedimentam a trama do longa Mais um dia, Zona Norte. O cotidiano deles promete encantar, na telona do cinema.

"Interessam-me os encontros, a fantasia do cotidiano, a poesia do banal. Estar muito perto dos personagens é meu trabalho preferido. Observar. Descobrir, junto deles, a narrativa e a interpretação pra contar suas próprias histórias", enumera Allan Ribeiro. Na montagem, houve privilégio da representação do ritmo impresso no cotidiano da Zona Norte, "com o transporte público, o trabalho e o descanso, em contraponto aos grandes momentos da vida dos personagens", pelo que adianta o realizador.

Em 20 dias de filmagem, o diretor perseguiu a riqueza já cantada por Gonzaguinha, e E vamos à luta, com as pessoas "que seguem em frente e seguram o rojão, buscando a manhã desejada", como reitera Allan. Enxuto no tempo das filmagens, o diretor conta que a maioria das cenas foram planejadas, ficcionalizadas — "embora seja também um documentário". "Sempre trabalho com personagens que estão muito próximos ou me aproximo bastante na etapa de roteiro. Neste filme, eu já conhecia alguns e outros pesquisei. São diversos bairros em que filmamos, como por exemplo: Madureira, Irajá, Cachambi, São Cristóvão, Engenho da Rainha e Ilha do Governador", explica o realizador.

A riqueza do dia a dia da periferia sempre atraiu Allan Ribeiro, sendo o novo longa inspirado no curta-metragem de formatura O brilho dos meus olhos (presente no Festival de Brasília de 2006). O enredo contava a história de um pedreiro que tinha um momento de suspensão através de um videokê. O ator principal daquele curta, Marcelo Dias, inclusive é citado na nova obra. "A periferia é o lugar onde eu nasci e cresci. É um Rio de Janeiro pouco filmado. O lado oposto da Zona Sul carioca, tão visitada. Tem seus problemas e suas maravilhas, principalmente as pessoas. O filme apresenta este lugar através de personagens de diferentes gerações", conta Allan.

Entre tanta pedreira, claro que há brechas de delírios e realizações, ou não? "Não diria exatamente delírio. São personagens encantadores e encantados com seus universos. Foram escolhidos pois, de alguma forma, os espaços que frequentam são lugares de resistência. O baile charme, a escola de samba, o show de transformismo e o stand up comedy com críticas sociais e raciais", pontua Ribeiro. Ele evoca Cartola (também egresso da Zona Norte), com seu "vivo tranquilo em Mangueira porque sei que alguém há de chorar quando eu morrer, para dar conta da simplicidade e da alegria dos tipos focalizados. "Eles circulam entre locais que dão um sentido à vida deles. E isso traz uma vivência de comunidade e coletividade", conclui.

 


 

 

 

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